Read Ebook: O congresso de Roma (Conferência realisada pelo delegado portuguez do congresso do livre-pensamento) by Lima S De Magalh Es Sebasti O De Magalh Es
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MAGALH?ES LIMA
LISBOA
MAGALH?ES LIMA
IMPRESS?O
Typographia de O DIARIO
Rua da Atalaya, 134
LISBOA
Aos livres pensadores portuguezes
Magalh?es Lima
Com o mesmo direito com que os catholicos realisam a sua propaganda e as suas peregrina??es a Roma, emprehendemos n?s, livres-pensadores, a nossa cruzada, n?o para saudar os velhos cardeaes do Vaticano, verdadeiros cadaveres ambulantes, uma especie de mumias petreficadas, symbolisando a Morte, mas para celebrar a Vida, a Natureza, o Cosmos, em todo o seu esplendor, em toda a sua grandeza, em toda a sua magestade, na pessoa dos sabios, dos philosophos, dos poetas, dos artistas, dos escriptores, dos homens de lettras o dos jornalistas, seus legitimos e authenticos representantes. Com effeito, o poder espiritual do papa ? o poder da mentira, do erro, do prejuizo grosseiro, o poder do embuste, o poder da treva, da hypocrisia, do fanatismo e da supersti??o. O seu poder temporal representaria uma usurpa??o criminosa, condemnada pelo proprio Christo que mandava dar a Deus o que ? de Deus e a Cezar o que ? de Cezar. Para n?s, livres-pensadores, para o mundo moderno, ha um unico poder espiritual--a sciencia, e um unico poder temporal--o trabalho.
E uma vez que falei em Roma, permitta-me a assembleia que dirija uma calorosa sauda??o ? Italia, o glorioso paiz que, em 30 annos, operou a mais notavel evolu??o dos tempos modernos.
O congresso de Roma foi, principalmente, uma imponente manifesta??o internacional. A data e o local escolhidos, o crescido numero de congressistas, a cathegoria das pessoas, que ali se reuniram, congregadas por um mesmo ideal e por uma mesma aspira??o de liberdade, tudo isso fez com que a magna assembleia tivesse uma altissima e innegavel significa??o politica. O papa, como desfor?o, mandou encerrar o museu do Vaticano e ordenou, aos seus bispos, que, depois de concluido o congresso, fizessem preces ao Deus todo poderoso, por estar livre d'aquella praga damninha de livres pensadores, que, a seus olhos, tomavam as propor??es de uma calamidade publica, como a fome, a peste, a guerra, ou qualquer epidemia .
As censuras e os vituperios do Vaticano n?o lograram impedir a reuni?o. A representa??o italiana elevou-se a mil e oitocentos congressistas, com a adhes?o de centenas de municipalidades.
Este facto atemorisou o governo, e o ministro de instruc??o que havia promettido assistir ? sess?o inaugural, escusou-se ? ultima hora. O proprio batalh?o escolar do Collegio Romano, com a sua banda ? frente, ao qual havia sido concedida licen?a para tomar parte no cortejo civico, que se dirigiu ? Porta Pia, retrocedeu a meio caminho.
D'onde proveiu a hesita??o do governo? Evidentemente, das reclama??es do Vaticano que se reputava seriamente offendido com a tolerancia havida pelo ministerio para com os livres pensadores. Merry del Val, ao contrario do cardeal Rampolla, faz o jogo da triplice allian?a contra a Franca. De modo que n?o seria para surprehender que o congresso dos livres pensadores tivesse concorrido indirectamente para uma approxima??o entre o Vaticano e o Quirinal, facto a que n?o ? extranho o imperador Guilherme. O objectivo de toda esta intrigalhada de bastidores era evidente: isolar a Fran?a na quest?o religiosa.
O congresso de Roma, apezar de ter de lutar com a gr?ve geral; apezar dos enredos clericaes que levaram Merry del Val a pedir misericordia ? triplice allian?a; apezar da fraqueza do governo, que trahiu os compromissos tomados, em pleno parlamento, com a democracia italiana; apezar de todos os ardis postos em ac??o para attingir a Fran?a; apezar de tudo, da fraqueza de uns e da exalta??o de outros, o congresso de Roma marcou um assignalado triumpho para o livre pensamento, uma victoria decisiva para a democracia e um applauso caloroso ? obra de Combes.
A que poder? attribuir-se o estranho desenvolvimento que se nota hoje em Italia? Em nosso juizo, n?o s? ao culto do Direito que floresce n'aquella terra, aben?oada pela natureza e pela arte, como em nenhuma outra, sen?o tambem ao seu espirito assimilador. A Italia, sendo uma na??o latina, possuindo o temperamento apaixonado e ardente dos povos latinos, assimilou com extraordinaria facilidade o criterio sereno, ponderado e reflectido dos allem?es com quem est? em contacto e d'ahi deriva evidentemente a sua incontestavel superioridade na civilisa??o do nosso tempo.
O que ?, por?m, o livre-pensamento?
Sobre este ponto, a conclus?o votada pelo congresso foi clara e cathegorica:
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Uma sociedade que se inspira n'este methodo, tem por primeiro dever arrancar a todos os servi?os publicos todo o caracter congreganista.
O laicismo integral do Estado ? a pura e simples applica??o do livre pensamento ? vida collectiva da sociedade, que consiste em separar a egreja do Estado, n?o sob a f?rma d'uma partilha de attribui??es entre duas potencias que tratam de egual para egual, mas garantindo ?s opini?es religiosas a mesma liberdade que a todas as outras opini?es, recusando-lhe todavia o direito de interven??o nos negocios publicos.
Nunca a quest?o havia sido posta com tal nitidez e rigor; as conclus?es do congresso, sob o ponto de vista da educa??o, do ensino e dos servi?os hospitalares, bem o demonstram:
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Em materia de ensino, foi votada por grande maioria a proposta do illustre professor Sergi, na qual se consigna que se prohiba o ensino aos religiosos, sendo substituida a moral religiosa pela que se funda na sciencia e na solidariedade humana, isto ?, a que deriva das leis da vida e da sociedade. N'essa proposta fica tambem consignado que ao Estado deve pertencer o ensino laico.
O congresso aconselhou a que se promova, onde seja possivel, a crea??o de universidades populares ambulantes.
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E, por ultimo, este principio generico de boa orienta??o liberal e scientifica:
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Seria, com effeito, illogico e absurdo, querer a aboli??o da tutella religiosa e n?o querer, ao mesmo tempo, a aboli??o da tutella politica e economica. ?, por isso, que muitas vezes tenho dito aos meus correligionarios e amigos que n?o basta s? mudar de rotulo, como succede com as garrafas de vinho, conservando a mesma corrup??o e os mesmos vicios: ? preciso transformar radicalmente o modo de ser da sociedade, eliminando, por egual, todos os obstaculos e todos os estorvos que se opp?em ? marcha triumphante do progresso. Das tres reac??es que, presentemente, assolam e opprimem a sociedade: a reac??o capitalista, e quando digo capitalismo refiro-me ao abuso e ? explora??o do capital; a reac??o militarista, isto ?, o militarismo profissional que ? synonimo de guerra, e a reac??o clerical, ou antes o perigo negro bem mais temivel que o perigo amarello, ? esta a mais funesta para os povos. E porque?--Porque, suggestionando a mulher, ser fraco, e empolgando-a pelo sentimento, tem uma influencia decisiva sobre os destinos da humanidade. Porque, apoderando-se do cerebro da crean?a e amoldando-o aos seus caprichos, e muitas vezes aos seus intuitos criminosos, exerce uma ac??o deleteria sobre as gera??es, muito semelhante ? ac??o d'um envenenamento lento.
Eis aqui, o motivo porque, de norte ao sul da Europa, a palavra de ordem ? s? uma: guerra ao clericalismo, isto ?, guerra ao inimigo commum, mas uma guerra de exterminio, sem treguas nem repouso.
O livre pensador n?o ? pois, apenas o inimigo de uma seita, de um culto ou de um systema religioso ou philosophico; ? o inimigo de todas as religi?es, sejam ellas quaes forem, porque todas enfermam egualmente do mesmo vicio inicial. As religi?es, disse Luiz Buchner, s?o como os pyrilampos--carecem da escurid?o para brilhar. Quem diz Biblia, quem diz Evangelho, quem diz Alcor?o diz fanatismo. O prurido do orthodoxia doutrinal, de correc??o dogmatica, teem sido levados t?o longe, que, apezar da do?ura dos costumes, que cada vez toleram menos os chamados delictos de opini?o, as persegui??es religiosas continuam a ser muito frequentes. Do mesmo modo o republicano ? o inimigo do privilegio e de todo o principio dynastico, qualquer que seja o paiz em que a monarchia prevale?a. Por logica e coherencia, n?o se p?de por isso conceber um livre pensador que n?o seja, ao mesmo tempo, republicano e socialista.
Foram estas as duas affirma??es do congresso de maior significa??o philosophica e da mais alta transcendencia politica.
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Bastaria em nosso juizo, esta affirma??o da consciencia collectiva para provar ao mundo que, longe de ter sido esteril a obra do congresso, foi, pelo contrario, das mais fecundas por ter contribuido para esse almejado acc?rdo internacional em que t?o devotadamente est?o empenhados todos os espiritos que aspiram a uma era de Justi?a e de Paz.
Se, pelo numero de congressistas, se tornava impossivel uma discuss?o ampla e serena dos assumptos dados para ordem do dia, ? certo que o trabalho das commiss?es, que eram para assim o dizer, uns segundos congressos, suppriram at? certo ponto, aquella falta.
A liberdade de pensamento, a liberdade de consciencia, ? a primeira de todas as liberdades, da qual todas as outras dimanam. A liberdade de imprensa, a liberdade de reuni?o e a liberdade de associa??o, n?o poderiam subsistir sem aquella. As leis, as regulamenta??es officiaes e as peias burocraticas s?o um obstaculo ao desenvolvimento de qualquer d'estas liberdades que para n?s s?o sagradas e absolutas. Qualquer individuo deve ter o direito de se reunir onde quizer e quando quizer, sem participa??o de qualquer natureza ? auctoridade. Mais que os tribunaes, os desmandos da imprensa encontram o seu correctivo na opini?o publica. A approva??o dos estatutos d'uma associa??o pelo governo ? um entrave a um legitimo direito e que se n?o comprehende por collocar as associa??es na dependencia d'um capricho administrativo. Tudo o que diz respeito ? liberdade, ?, para n?s, sagrado e absoluto, repetimos, e por isso se nos afigura que ao congresso de Roma se deve um alto beneficio por ter orientado t?o superiormente a democracia moderna.
A um adversario de todas as religi?es, ao pantheista Spinoza, coube a honra de ter sido o primeiro a reivindicar n?o s?mente a tolerancia, sen?o tambem a liberdade de pensar e de cada um manifestar livremente as suas opini?es. Como os deistas inglezes que vieram mais tarde, intitulando-se os primeiros livres pensadores, elle deduziu a theoria da liberdade de pensar do facto da tolerancia que as diversas seitas protestantes usaram entre si, em Amsterdam. Foi por esta evolu??o de tolerancia que os colonos da America acabaram por considerar a liberdade de pensar, como um direito inherente ? personalidade humana. O sabio professor Jellinck acaba de demonstrar que as declara??es dos direitos do homem que serviram de preambulo ?s constitui??es dos Estados da Uni?o Americana e que d?o uma ideia d'aquella que adoptou, em 1789, a Assembleia Constituinte da Fran?a, tiveram a sua origem historica nos principios de Penn e de Roger William e teem sido praticados pelos Estados Unidos da America que d'ellas tirou a consequencia logica, proclamando a separa??o da Egreja do Estado. ? um facto duplamente importante, porque estabelece que os direitos do homem, que a Revolu??o franceza proclamou e que s?o hoje a base da constitui??o de todos os paizes livres, teem a sua origem historica assim como a sua base racional na liberdade de consciencia e que, tanto em Fran?a como na America, aquelles que reconheceram e proclamaram os direitos do homem foram levados logicamente a deduzir d'elles a separa??o da Egreja do Estado que a Fran?a praticou de 1795 a 1801, e que ficou sendo uma das bases incontestadas da democracia americana.
Todas as constitui??es dos Estados civilisados proclamam ha muito a liberdade absoluta da consciencia e das suas manifesta??es exteriores, ou, pelo menos, a tolerancia para com todas as opini?es. Mas este principio ? entravado na pratica por restric??es e privilegios de toda a ordem, podendo mesmo dizer-se que a applica??o completa e imparcial das consequencias logicas da liberdade de consciencia n?o tem sido at? hoje integralmente realisada sen?o na America.
Em pleno seculo XX, por uma suprema irris?o, ainda se instauram processos por offensas ? religi?o, como succede, a cada passo, entre n?s.
A titulo de informa??o, importa aqui consignar, que a egreja catholica mantem perante o estado pretens?es exorbitantes e intoleraveis. Por uma incomprehensivel evolu??o, o catholicismo tornou-se contraditorio com as normas e os preceitos do seu fundador. At? Carlos Magno, o imperador, foi o chefe da egreja submettida ao Estado. A egreja orthodoxa do Rito grego, ficou sob esta tutella, e a Russia, um vivo anachronismo no mundo moderno, ? uma amostra d'este regimen bysantino. Foi o christianismo que, pela primeira vez, estabeleceu a separa??o entre o poder espiritual e o poder temporal; e Christo, proclamando que o mundo pertence a Cesar e a alma a Deus, p?de e deve ser considerado como o primeiro apostolo da separa??o da Egreja do Estado.
Se houvesse logica e respeito pelos principios, os catholicos deviam ser os primeiros a adoptar tal medida; mas os interesses, as conveniencias, a ignorancia, o fanatismo, a supersti??o, fallam n'elles mais alto, do que a obra de Jesus, de que se dizem os continuadores.
A separa??o completa, radical, absoluta do estado da egreja; a aboli??o de qualquer privilegio concedido n?o importa a que culto ou a que cren?a, n?o ? somente a consequencia logica do principio da liberdade de consciencia, sen?o tambem o resultado necessario da evolu??o das rela??es entre a Egreja e o Estado nos tempos modernos e uma necessidade politica primordial para todos os paizes livres.
A experiencia de separa??o feita no Mexico, paiz de popula??o exclusivamente catholica e, durante muito tempo, victima da Inquisi??o hespanhola, ?, sem duvida, a mais interessante para n?s, por isso que o resultado n?o podia ser mais lisongeiro, visto como o Mexico se p?de e deve considerar como o Estado mais poderoso, mais prospero, mais estavel e mais tranquillo de toda a America hespanhola. A separa??o n?o deu logar a qualquer excita??o politica, desde a queda de Maximiliano que sustentava os clericaes, e n?o consta que qualquer partido tivesse nunca pensado em reclamar o antigo estado de coisas. O clero catholico possuia no Mexico o ter?o dos bens das terras e as suas rendas eram accrescentadas com cem milh?es por anno; certos prelados possuiam um milh?o de renda e a influencia da Egreja sobre as popula??es indianas parecia indestructivel. O Estado foi secularisado, o ensino laicisado, os conventos supprimidos e os bens do clero vendidos, e, apesar d'essa transforma??o, todos se sentem bem e o proprio clero nada reclama.
Ao contrario do que pensava Emile de Laveleye, esta experiencia prova que n?o ? difficil realisar nos paizes catholicos as solu??es democraticas que elle achava racionaes para os paizes protestantes.
Nunca um assumpto foi mais palpitante do que este: a separa??o da Egreja do Estado. Por isso se nos afigura de toda a opportunidade referir o que, ?cerca da quest?o, se passou no congresso de Roma, e que bastante influiu, a nosso v?r, no projecto do governo francez.
Os paizes em que ha a religi?o do Estado, s?o a Russia, a Roumania, a Servia, a Bulgaria, a Grecia, a Hespanha, Portugal, a Columbia, o Per?, o Chili, a Republica Argentina, a Bolivia, Venezuella, Equador, Italia, a Suecia, a Noruega e a Dinamarca.
O primeiro dos quarenta e dois mil artigos do codigo russo, diz textualmente que o imperador de todas as Russias ? um soberano autocrata e absoluto. O proprio Deus ordena a obediencia ao seu poder supremo, n?o s? pela cren?a sen?o tambem por um dever de consciencia.
Este facto ?, por si, o bastante, para provar que a religi?o do Estado ? um dos meios adoptados pelos chefes das na??es para melhor poderem opprimir e escravisar os povos.
As na??es com cultos reconhecidos e privilegiados s?o as seguintes: a Prussia, a Baviera, a Saxonia e a Austria.
Os paizes onde a Egreja ? livre, mas subsidiada e privilegiada, s?o a Belgica, a Hollanda e o Luxemburgo.
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