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Dizendo isto a Sombra descarnada debru?ou-se do Genio sobre o leito. Cam?es morria j?: hirta e gelada a Fome lhe crusou as m?os no peito: e a lagrima marmorea, regellada, lagrima que infunde pavido respeito, ent?o colheu do rosto moribundo, --como um frio protesto contra o mundo.
CANTO TERCEIRO
O Len?ol do Genio
O conde Vimioso em seu solar d? uma ceia a nobres e senhores; Estalam as risadas pelo ar. Pelos copos espumam os licores. A Gula e a Carne ali gosam a par: falla-se em ca?as, touros, e d'amores: e riem d'entre as suas pedrarias marquesas que hoje est?o em galerias.
N'isto um extranho velho entra na salla, hirto e solemne, como um quadro antigo; seu porte triste pelos peitos cala, seu ar hostil ? como d'inimigo. Os risos param, emmudece a falla, como ao ver um remorso, ou um castigo. Calam bar?es fallando de corseis, e as damas com as m?os cheias d'anneis.
E o velho disse:--Extranho ? meu pedido! Extranho sim! no meio d'uma festa: mas venho por um morto protegido, e este pedido os labios n?o me cresta! Para um Genio de que hoje nada resta, para um Genio da fome consummido, um Genio infeliz! um apagado sol, venho pedir a esmolla d'um len?ol!
O lugubre pedido n'um momento fez em todos ro?ar um calafrio: figurou-se-lhes o gesto macilento da morte, ao longe, em seu corcel sombrio: figurou-se-lhes a Febre, o Passamento, e a Doen?a em seu catre humido e frio, e as damas, os bar?es, e os cavalleiros perderam os sorrisos zombeteiros.
Por?m o Conde dominando o gelo do terror que estragava a sua ceia, e desmaiava o busto grego e bello da mulher por quem todo se incendeia, com um riso que tem do orgulho o sello bradou ao velho cujo serio odeia: Que genio ? esse ent?o, bom velho honrado, que comparais ao sol j? apagado!?
Todos riram. Um riso irresistivel omnipotente, intrepido, animal, pela sala estallou, bronco e terrivel, como um insulto e a folha d'um punhal, O rude velho tragico, impassivel, deixou passar aquelle vendaval, depois n'um rir, de eronico respeito, os longos bra?os encruzou no peito.
Zombai--o velho disse--altos senhores! e magnificas damas scintillantes, nas ricas pedrarias, plumas, flores, mais brancas do que os vossos diamantes! Zombai ao p? dos vinhos, dos licores, das baixellas lavradas, dos amantes, d'esta cousa t?o comica e sem nome... d'um Genio pobre e que morreu de fome!
E o velho riu--Ah! de que serve, ? certo, um Genio infeliz? um portador, de lyra!? de que serve dos Prantos no deserto um instrumento que uns sons doces tira?! Um Genio ? lava que importuna ao perto, e um grande craneo que o talento inspira, se com seu canto consolou as almas.... que coma o louro e as triumphantes palmas!...
Ah! que servem andar como pharoes, como Moyz?s a conduzir um povo, alvoro?ando as almas para os soes, n'um canto heroico, original e novo? Se com os prantos d'estes rouxinoes que alvoro?am e turbam, me commovo, talvez vos choque e ?s almas verdadeiras, que n?o fa?am crescer as sementeiras!
E o velho riu. As glorias do Passado dos heroes e dos feitos d'outra edade nos castellos, no mar illimitado, hoje fazem sorrir a mocidade! As glorias d'av?s s? tem o lado poetico de dar solemnidade e grandes tons magnificos, imponentes, nas sallas, entre as tellas de parentes!
Elle, o Genio, cantou esses combates dos homens, e das for?as do insondavel da eterna D?r, naufragios, e os embates terriveis do que ? fragil e mudavel! Castigou com a satyra os dilates do arbitrario, do injusto, e miseravel. Foi poeta, philosopho, e guerreiro. S? nunca conseguiu ser um toureiro!....
E o velho sorriu amargamente, com um sorriso caustico, sombrio, n'um riso superior em que se sente uma alma forte que j?mais falliu. O Conde ent?o, bradou-lhe secamente, com um grande ar todo solemne e frio: <