Read Ebook: As Minas de Salomão by Haggard H Rider Henry Rider Queir S E A De Translator
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Ebook has 1167 lines and 58528 words, and 24 pages
--Era meu irm?o, continuou o bar?o. Meu irm?o mais novo, e unico. At? aqui ha cinco annos, vivemos sempre juntos. Depois um dia, desgra?adamente, tivemos uma quest?o, uma terrivel quest?o. E, para lhe dizer a verdade toda, snr. Quartelmar, eu comportei-me para com meu irm?o da maneira mais injusta! Foi sob o impulso do despeito, da c?lera, ? certo... Mas em summa comportei-me injustamente.
--Cruelmente, murmurou do lado o capit?o John, que fumava com os olhos cerrados.
--Cruelmente, com effeito. Como o snr. Quartelmar sabe, em Inglaterra, quando um homem morre sem testamento e n?o tem sen?o bens de raiz, tudo passa para o filho mais velho. Ora succedeu que meu pai morreu exactamente quando meu irm?o Jorge e eu estavamos assim de mal. Herdei tudo; e meu irm?o, que n?o tinha profiss?o, nem habilita??es, ficou sem real. O meu dever, est? claro, era crear-lhe uma situa??o independente. ? o que todos os dias se faz em Inglaterra, n'esses casos. Mas por esse tempo a nossa quest?o estava em carne viva. Eu n?o lhe offereci nada. Elle tambem, orgulhoso, sobretudo brioso, nada pediu. Assim fic?mos, de longe, eu rico e elle pobre... Pe?o perd?o de o fatigar com estes detalhes, snr. Quartelmar, mas preciso p?r as coisas bem claras... N?o ? verdade, John?
--Escrupulosamente claras! acudiu o outro. De resto o nosso amigo Quartelmar guarda para si esta historia...
--Pudera! exclamei.
--Pois bem, continuou o bar?o, meu irm?o possuia de seu, n'essa ?poca, umas duzentas ou trezentas libras. Um bello dia, agarra n'esta miseria, toma o nome de Neville, e abala para Africa a tentar fortuna! Eu s? o soube tarde, mezes depois d'elle ter embarcado. Passaram tres annos. Noticias d'elle, nenhumas. Comecei a andar inquieto. Escrevi-lhe. Naturalmente as minhas cartas n?o lhe chegaram. E eu cada dia mais afflicto! Para o snr. Quartelmar comprehender tudo bem, deve saber que, desde pequeno, desde o ber?o, meu irm?o foi a forte e grande affei??o da minha vida. E por outro lado a nossa quest?o, assim amarga e aspera por sermos ambos muito novos e muito exaltados, nasceu de qu?? D'uma mulher. D'uma mulher cujo nome j? quasi me esqueceu. E meu pobre irm?o, coitado, se ainda ? vivo, n?o se lembrar? mais que eu. Ora aqui tem! E j? por isto o snr. Quartelmar comprehende...
--Perfeitamente, perfeitamente...
--Pois bem, descobrir meu irm?o passou a ser a minha id?a constante, dia e noite. Mandei fazer aqui, no Cabo, toda a sorte de pesquizas. Um dos resultados, o mais importante, foi a sua carta, snr. Quartelmar. Importante porque me dava a certeza que, mezes antes, meu irm?o estava na Africa, e vivo. Desde esse momento decidi vir eu mesmo, pessoalmente, continuar as pesquizas. Agentes, por mais dedicados, mais bem pagos, n?o t?m o interesse de cora??o: ? com o cora??o justamente que eu conto, com a perspicacia, a inspira??o especial que elle ?s vezes possue. De resto sempre tencionei visitar as nossas colonias d'Africa... E aqui tem o snr. Quartelmar a minha historia. O mais extraordinario, ? que o tivessemos encontrado logo, a si, a pessoa justamente que viu meu irm?o vivo, a pessoa justamente a quem eu me ia a dirigir apenas chegasse ao Natal. Quer que lhe diga? Acho bom agouro. Em todo o caso, aqui estou, prompto para tudo, com o meu velho amigo, o capit?o John, companheiro fiel de muitos annos, que teve a dedica??o de me acompanhar.
O outro encolheu os hombros, sorrindo, com a sua esplendida dentadura.
--N?o havia n'este momento nada interessante a fazer na velha Europa!... Gasta, insipidissima, a velha Europa!
Depois, reenchendo o cachimbo, accrescentou muito s?rio:
--E agora que o nosso amigo Quartelmar conhece os motivos que nos trazem ? Africa, e o interesse que nos prende a esse homem chamado Neville, espero da sua lealdade que n?o ter? duvida em nos dizer tudo o que sabe, ou tudo que ouviu, a respeito d'elle. Hein?
Impressionado, respondi:
--N?o tenho duvida, por ser quest?o de sentimento.
CAPITULO II
PRIMEIRA NOTICIA DAS MINAS DE SALOM?O
Sacudi a cinza do cachimbo na palma da m?o, e comecei, muito devagar, para tudo p?r bem claro e bem exacto:
--Aqui est? o que ouvi a respeito d'esse cavalheiro Neville. E isto, que me lembre, nunca, at? ao dia d'hoje, o disse a ninguem. Ouvi que esse cavalheiro f?ra para o interior ? busca das minas de Salom?o.
Os dois homens olharam para mim, com assombro:
--As minas de Salom?o!? Que minas?... Onde s?o?
--Com certeza!
Narrei ent?o longamente tudo o que sabia, historia ou fabula, sobre as minas de Salom?o. Foi ha trinta annos que pela primeira vez ouvi fallar d'estas minas a um ca?ador d'elephantes, um homem muito s?rio, muito indagador, que recolhera assim, nas suas jornadas atrav?s d'Africa, tradi??es e lendas singularmente curiosas. Tinha-me eu encontrado com elle na terra dos Matabeles, n'uma das minhas primeiras expedi??es ao interior, ? busca do elephante e do marfim. Chamava-se Evans. Era um dos melhores ca?adores d'Africa. Foi estupidamente morto por um bufalo, e est? enterrado junto ?s quedas do Zambeze.
--Curioso! murmurou Evans. Mas conhe?o melhor!
E contou-me ent?o que no interior, muito no interior, descobrira elle uma cidade antiquissima, toda em ruinas, que tinha a certeza de ser Ophir, a famosa Ophir da Biblia. Lembro-me bem a impress?o e o assombro com que eu escutei a historia d'essa cidade phenicia perdida no sert?o d'Africa, com os seus restos de palacios, de piscinas, templos, de columnas derrocadas!... Mas depois Evans fic?ra calado, scismando. De repente diz:
--Tu j? ouviste fallar das serras de Suliman, umas grandes serras que ficam para al?m do territorio de Machukulumbe, a noroeste?
--N?o, nunca ouvi.
--Pois, meu rapaz, ahi ? que Salom?o verdadeiramente tinha as suas minas, as suas minas de diamantes!
--Como se sabe?
Aqui ha vinte annos por?m, n'um encontro muito singular que tive no districto de Manica, de novo ouvi fallar das minas de Salom?o, e d'um modo que para sempre me devia impressionar. Era n'um sitio chamado a <
Apanhei l? um ataque de febre, e estava fraquissimo, enfastiadissimo, quando me appareceu um dia um portuguez de Louren?o Marques, acompanhado por um servi?al mesti?o. Entre os portuguezes de Louren?o Marques--ha soffrivel e ha pessimo. Mas este era dos melhores que eu vira--um homem muito alto e muito magro, de bellos olhos negros, os bigodes j? grisalhos todos retorcidos, e umas maneiras graves que me fizeram pensar nos velhos fidalgos portuguezes que aqui vieram ha seculos e de que tanto se l? nas historias. Convers?mos bastante n'essa noite, porque elle fallava um bocado de mau inglez, eu um bocado de mau portuguez; e soube que se chamava Jos? Silveira, e que possuia uma fazenda ao p? da cidade, em Louren?o Marques.
--At? mais v?r, camarada!
--Boa viagem! at? mais v?r!
O homem conservava, pregados em mim, os grandes olhos negros que rebrilhavam. Depois accrescentou muito s?rio:
--Se nos tornarmos outra vez a encontrar, hei de ser a pessoa mais rica d'este mundo! E p?de contar, camarada, que n?o me hei de esquecer de si!
Nem ri. Estava muito debilitado para rir. Fiquei estirado na manta olhando para o estranho homem que, a grandes passadas, com a cabe?a alta e cheia de esperan?a, se mettia pelo matto dentro.
Passou uma semana, e melhorei da febre. Uma tarde achava-me sentado no ch?o defronte da barraca, rilhando a ultima perna d'um d'esses frangos que os pretos me vendiam por chita do valor d'uma vacca, e pasmando para o enorme disco do sol que descia ao fundo do deserto--quando de repente avistei, escura sobre a vermelhid?o do poente, n'uma eleva??o de terreno, a figura d'um homem que era certamente europeu porque trazia um casac?o comprido. No momento mesmo em que eu dera com os olhos n'elle, o homem oscilla, cae de bru?os e come?a a arrastar-se pelo ch?o, lentamente! Com um esfor?o desesperado, ainda se ergueu, e tentou pelo comoro abaixo alguns passos que cambaleavam. Por fim tombou de novo, e ficou estirado, como morto, contra um tufo de tojo alto. Gritei a um dos meus ca?adores que acudisse. E quando elle voltou, amparando o homem nos bra?os--quem hei de eu v?r? O Jos? Silveira!
Jos? Silveira--ou antes o seu miseravel esqueleto, com todos os ossos rompendo para f?ra da pelle, mais s?cca que pergaminho e amarella como gema de ovos. Os olhos saltavam-lhe da cara, ? maneira de dois bugalhos de sangue. E o cabello que eu lhe vira grisalho, vinha branco, todo branco como uma bella estriga de linho.
--Agua! gemeu elle. Agua, pelas cinco chagas de Christo!
O infeliz tinha os bei?os horrivelmente estalados, e entre elles a lingua pendia-lhe, toda inchada e toda negra! Dei-lhe agua com leite, de que bebeu talvez dois quartilhos, a grandes sorvos, e sem parar. Foi necessario arrancar-lhe a vasilha. Depois cahiu de costas, rompeu a delirar. Ora gemia, ora gritava. E era sempre sobre as serras de Suliman, os diamantes e o deserto!
Levei-o para dentro da tenda: e, com o pouco que tinha, fiz o pouco que podia. O homem estava perdido. Rente da meia noite socegou. Eu, esfalfado, adormeci. Acordei de madrugada; e, ao primeiro alvor da luz, dou com elle de joelhos, ? porta da barraca, de olhos cravados para o longe, para o deserto! N'esse instante, um raio de sol que nascia frechou atrav?s do vasto descampado, e foi bater ao fundo, a cem milhas de n?s, o pico mais alto das serras de Suliman. O homem soltou um grito, atirou desesperadamente para diante os dois bra?os de esqueleto:
--L? est?o ellas, Santo Deus, l? est?o ellas!... E dizer que n?o pude l? chegar! Parecem t?o perto! Logo alli, uns passos mais... E agora acabou-se, estou perdido, ninguem mais p?de l? ir!
De repente emmudeceu. Depois virou para mim, muito devagar, a face livida e como esgazeada por uma id?a brusca.
--? camarada, onde est? voss??... J? o n?o distingo, vai-me a fugir a vista!
--Estou aqui; socegue, homem.
--Tenho tempo para socegar, tenho toda a eternidade! Escute. Eu estou a morrer. Voss? tem sido bom commigo, camarada... E para que havia eu de levar o segredo para debaixo da terra? Ao menos alguem se aproveita! Talvez voss? l? possa chegar, se conseguir atravessar esse deserto que matou o meu pobre creado, que me est? a matar a mim...
Come?ou ent?o a procurar tremulamente dentro do peito da camisa. Tirou por fim uma especie de bolsa de tabaco, j? velha, apertada com uma correia. Estava t?o fraco que as suas pobres m?os nem puderam desfazer o n?. Fez-me um gesto, um gesto exhausto, para que eu o desatasse. Dentro havia um farrapo de linho amarellado, com linhas escriptas, n'um tom antiquissimo, de c?r de ferrugem. E dentro do farrapo estava um papel dobrado.
--O papel, murmurou elle n'uma voz que se extinguia, ? a c?pia do que est? escripto no trapo. Levou-me annos a decifrar, a entender... Foi um antepassado meu, um dos primeiros portuguezes que vieram a Louren?o Marques, que escreveu isso, quando estava para morrer acol? n'aquellas serras. Chamava-se D. Jos? da Silveira, e j? l? v?o trezentos annos... Um escravo que ia com elle, e que fic?ra a esperar, do lado de c? do monte, vendo que o amo n?o voltava procurou-o, foi dar com elle morto, e trouxe para Louren?o Marques o bocado de linho que tinha letras. Desde ent?o ficou guardado na nossa familia. Ha trezentos annos! E ninguem pensou em o decifrar at? que eu me metti n'isso... Custou-me a vida. Mas talvez outro consiga. Talvez outro chegue l?, ?s malditas serras! Ser? ent?o o homem mais rico d'este mundo! O mais rico, o mais rico! Tente voss?, camarada... N?o d? o papel a ninguem! V? voss?!
As ultimas palavras sahiram como um debil sopro. Cahiu de costas, recome?ou a delirar. D'ahi a uma hora tudo acabou, Deus tenha a sua alma em descan?o! Morreu serenamente, sem esfor?o e sem d?r. Por minhas m?os o enterrei, bem fundo na terra, com fortes pedregulhos por cima do peito. Ao menos assim n?o dar?o com elle os chacaes.
Foi ao p? da cova, onde o desgra?ado jazia, que examinei o documento. Era, como disse, um farrapo de linho, rasgado d'uma fralda de camisa e do tamanho d'um palmo. No topo tinha os tra?os de um mappa, ou de um roteiro, rapidamente e toscamente lan?ados. Era pouco mais ou menos isto:
Por baixo vinham linhas escriptas, n'uma letra muito antiga e c?r de ferrugem. Para mim eram inintelligiveis. Mas o papel continha a decifra??o, e dizia assim:
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