bell notificationshomepageloginedit profileclubsdmBox

Read Ebook: Aves Migradoras by Almeida Fialho De

More about this book

Font size:

Background color:

Text color:

Add to tbrJar First Page Next Page Prev Page

Ebook has 716 lines and 53422 words, and 15 pages

A sua voz rastejava, o seu aspecto era terrivel.

--Pelo amor de Deus! supplicou elle. Ouve-me ainda.--Estou quasi rico. Estou velho. Oh, chega-te a mim! Podemos casar. ?manh?. Hoje mesmo. Filhinha! Que ?s bonita d'offender a Deus no c?o.

Estendia os bra?os para cingil-a, co'a lingua s?cca na bocca, e alongando os bei?os lividos contra os claros de nudez que lobrigava.

--Anda commigo. Sahir?s d'esta espelunca. S? em Lisboa, tenho doze contos no banco, ? minha ordem. Pratas, inscrip??es arrecadadas ao canto do meu bah?. Ouve, Luiza! Tu matas-me, diabo! tu est?s deitando a minha alma no inferno. Um beijo s? n'essas carninhas. Deixa dar. Que mal te faz?

E vergado ? tremura senil dos debochados, Ezequiel cambaleava, crispava-se, indo para ella de rastros, assim como um c?o leproso conquistando a codea que lhe negam, sob golf?es de chicotadas.

--N?o tenho herdeiros. Um pobre velho! De hoje p'r ?manh? posso morrer. Lembras-te do que te tenho dito? Os conselhos, os mimos... tristezas que eu soffro por causa de ti. Eh! Eh! Est? decidido que aceitar?s.

Ent?o conseguiu agarrar-lhe um bra?o, o que desligou Luiza das algemas nervosas que a sustinham, estarrecida, perante o sapo de cujo visco escorria tanta lascivia torva d'impotente. Houve uma lucta. Os cabellos de Luiza rolaram.

--Larga-me, ladr?o! dizia ella n'um choro baixo, rapido, solu?ando em convuls?es. Comtigo, nem morta, estupor! Doira-te, a v?r se eu te n?o cuspo n'essa cara. A tua vida, todos a conhecem. Devias andar na costa d'Africa, amarrado com cadeias a algum canzarr?o da tua parecen?a. Larga-me, larga-me, quando n?o dou cabo de ti!

Elle por?m, retendo-a, sem violencia ainda:

--Tu deves lembrar-te, Luizinha, do bem que eu te tenho feito. Os teus desejos, ando a adivinhal-os. O teu nome ?-me sagrado em toda a parte. Pelo amor de Deus! Pelo amor de Deus!

--Rua d'aqui! De quem eu gosto ? do menino. Eu hei-de ser d'elle por for?a. Inda que eu haja d'entrar na vida depois.

Os dentes do velho rangeram. Chorava, ria, esse homem, cobrindo o peito de baba; era assombroso de vexame! Luiza conseguira libertar uma das m?os; e pregou-lhe nas ventas uma bofetada medonha. ?quella affronta, Ezequiel perdeu a cabe?a. As obscenidades golfaram-lhe da bocca, como granizos espessos, pintando toda a decrepita infamia da sua alma. Ella estava de p? junto da porta, quasi n?a, sem se importar. Tinha no collo e nas orelhas as joias que lhe mandara o marquez. O velho viu-as.

--Eh! Eh! Sempre aceitaste o cofre de meu amo. J? lhe posso ir contar que o mais difficil trabalho est? vencido. ? melhor ser am?sia de fidalgo que mulher de creado de servir. Inda tu procedeste com brio. Ha marafonas honradas! Podias ter escolhido as duas profiss?es ao mesmo tempo. Ella ria-lhe na cara. E o miseravel, volvida a crise, apresentou-lhe as ultimas concess?es. Ajoelh?ra. E jurou-lhe consentiria o adulterio. Dava-lhe as suas riquezas por uma noite s? d'intimidade. Casada com elle--ao dia seguinte, podia partir com dinheiro dos seus cincoenta annos d'escravid?es e economias.

Luiza n?o retrucou: agarr?ra um papel de cima da cama.

Deliciosa aranha delicada...

Mas casualmente, erguendo os olhos, viu na bandeira da porta tres cabe?as gravemente assestadas ? vidra?a, gozando a comedia com a paz d'alma de bons espectadores das galerias. Marquez das Fl?res tinha um grande binoculo com que a mirava. O poeta estava em extasi. Do festejado Mattos mal se via a careca luzente, como era mais pequeno, e uma ponta do nariz guloso que vinha adejar contra os vidros, como um focinho de morcego encandeado contra a luz d'uma fogueira.

Perto da quinta, sobre um outeiro coberto de cevada verde, do outro lado da aldeia, houvera de tarde uma festarola d'ermida. Todas as creadas tiveram licen?a para ir at? l?, depois do jantar, excepto Luiza que estava de servi?o ? marqueza, e Ezequiel que, j? velho, quizera ficar junto de seu amo. Dos terrados do palacio via-se, j? noite, a foguetaria estrondeando no adro, e clar?es de fogueiras lambendo as saias das mo?as na sarabanda dos bailaricos. De quando em quando, uma labareda mais clara desenhava no azul profundo a branca fachada da igreja, d'onde sahia um campanario em agulha, cujas sinetas desde a manh? tagarellavam festivamente. Extinctos os rumores das officinas, no andar terreo, silenciosas as cocheiras e mais dependencias da casa, toda a enorme residencia dir-se-hia acachapada n'uma somnolencia lugubre, entre a confus?o dos arvoredos. Apenas nos quartos da fidalga cochichavam tres ou quatro velhas damas das quintas perto, que tinham vindo de visita, aproveitando a aberta do dia santo; e na casa de jantar, logo depois do caf?, o jogo come??ra entre os convidados do marquez.

S?sinha no terra?o, Luiza seguia a curva dos foguetes no c?o primaveril, esmagada pela espantosa scena com Ezequiel. Queixar-se..., ella tinha pensado em queixar-se. Mas Ezequiel contaria a scena do afogador e das pulseiras, a sua loucura pelo Ruy, e todas as tagarellices que a pobre cahira em confiar-lhe. ? tardinha, vencida de remorsos, ainda ella ous?ra ir com o estojo ao marquez, a recusar-lhe nitidamente aquellas offerendas que n?o merecia. Elle olhou-a com a bondade um pouco ironica que costumava ter.

--Meu padrinho, eu vinha...

--Ah, n?o me agrade?as, pequena. Sei da companhia que fazes ? senhora. ? uma lembran?a de minha parte. Nas raparigas bonitas ? que essas coisas dizem bem. Vai.

E Luiza n?o tivera coragem d'insistir.

Essa noite, Ruy que passeava, fumando, ao longo da balaustrada, observou-lhe:

--Est?s com pena de n?o ter ido ao arraial?

--Eu c? sim! respondeu ella. Olhe que ha de ser por l? uma balburdia. Se l? estivesse, o que eu fazia era voltar.

--Ainda ? tempo, se queres. Minha m?i d?-te licen?a.

--Ai, n?o. Gosto pouco de romarias.

--O que ? que tens ent?o? Pareces triste. Pareces doente.

--Eu n?o tenho nada, menino.

Elle fez mais duas vezes o comprimento da balaustrada, lentamente, fumando: e o seu passo n?o fazia ruido sobre o xadrez da plataforma.

--S? se te zangaste esta manh?... Foi brincadeira minha, n?o fa?as caso.--Mas Luiza sorriu-se: zangar, porque?

--Eu sei! Podias n?o ter gostado.

--D'um beijo? Ora! n?o vinha talvez p'ra mim.

Ruy tossiu um pouco. De cada vez que elle dava costas, os olhos de Luiza seguiam-n'o. E a sua figura perdia-se no escuro, ficava um instante indecisa entre as sombras das arvores. Luiza aguardava ent?o que elle voltasse, com extasis de devota, e quando o lume do seu cigarro apparecia, ella retomava a sua postura de Manon batida.

--J? sei, que tem um namoro, disse ella em voz baixa, ao fim d'um esfor?o.

Elle voltou-se.--Eu!

--Tem, tem.

Ruy estava muito familiar.

--P?de ser. Na vizinhan?a ha bonitas raparigas.

--N?o, n?o, c? em casa.

E o pequeno rindo.--Ent?o ?s tu.

--Ai, a mim ninguem faz festa. Acham-me feia.

--Ao contrario. Toda a gente anda por ahi a fazer-te a c?rte. Eu percebo.

--Esses!... disse ella, fazendo olhinhos de gata sobre Ruy. E encolheu desdenhosamente os hombros.

--Mas, emfim, quem nam?ro eu?

--N?o disfarce. Quando entrava no seu quarto esta manh?, ouvi...--J? elle proseguia no giro interrompido, como se entendera a indiscri??o. Essa vez demorou-se mais. E ao topal-a, bruscamente:

--E tu que recebes presentes! Dizes que n?o.

--Ah, sabe.

--Esta manh?.

--? hora dos beijos... juntou Luiza para lhe metter ferro.

Elle tinha ficado nervoso.--Hein? presentesinhos...

--Quem m'os deu explicou-me o motivo porque m'os dava. A minha recusa seria prova de soberba, e tinha de passar por desagradecida aos olhos de meu padrinho.

Add to tbrJar First Page Next Page Prev Page

 

Back to top