Read Ebook: Os Sinos Poesia Narrativa by Proen A Raul Sangreman
Font size:
Background color:
Text color:
Add to tbrJar First Page Next Page Prev Page
Ebook has 94 lines and 6072 words, and 2 pages
Passava a Mocidade altiva para v?-la, Da terra a fina fl?r lhe vinha confessar O seu ardente amor, debaixo da janella, ? luz inebriante e meiga do luar.
A guitarra gemia. As damas hespanholas N?o tinham mais cantar's debaixo do balc?o. Ouvia-se o lamento estranho das violas... O riso do prazer e o ch?ro da Paix?o.
Serenatas gentis passavam, quasi a medo, Com a ternura ideal dos fados portugu?ses, E dizia-se at?, em voz baixa, em segredo, Que ali, mortos d'amor, vinham tamb?m marqu?ses.
Ouviam-se nascer suspiros maviosos Das cordas musicaes, ternas, inebriantes, Brotavam do luar afagos silenciosos, Dimanavam do c?u ondas de diamantes.
E ante taes express?es e cantos peregrinos, A linda dama ent?o, sem ouvir nem olhar, Absorvia-se mais no cantico dos sinos, E deixava a viola, a cantar e a chorar...
Mas uma vez... A noite era electrica, etherea, Luminosa, explendente, Adquirira voz e sonhos a Materia... O aroma era mais suave... o luar era mais quente...
Sentiam-se sonhar embriagadoramente Lirios, como D. Juans, rosas, como as Of?lias, E at? o proprio ar tinha uma voz gemente Ao beijar, solu?ante, as rosas e as camelias.
Sob a janella um Poeta altivo e orgulhoso Acertou de passar, cantando meiga trova... E ent?o Leonor sentiu o fremito do gozo, A estranha sensa??o d'uma volupia nova.
Naqu?le ardente olhar tinha ella conhecido O philtro da Paix?o, enervante e sereno... Quantas de v?s, tambem, n?o tendes j? bebido No vosso negro olhar esse fatal veneno!
O amor, elle que iguala as ra?as e as nobrezas E que possue as for?as das paix?es damninhas Que faz curvar os r?is ao p? das camponezas E faz deitar plebeus nos leitos das rainhas;
O amor, elle que faz dormir as violetas Junto aos cravos gentis, junto aos lirios suaves, Transpusera a cantar suas pupilas pretas, Como ninhos de sonho onde adormecem aves.
A viola gemia... E p'la primeira vez Leonor se p?s a ouvir a languida harmonia, Em louca embriaguez.
E ao deitar-se... sentindo a voz eclesiastica Do sino do convento, o sino feiticeiro, Julgou ser a viola, inefavel, fantastica, Que estivesse a vibrar na torre do mosteiro.
Foi uma paix?o louca, ardente, doentia, E o nosso triste poeta, a sorrir e a cantar, A cantar e a sorrir, todas as noites ia Envolver Leonor num manto de luar.
Quantos beijos d'amor, humidos, vagarosos, Pondo ?s vezes no labio um len?o de Bretagne! Eram beijos sensuaes, vermelhos, capitosos, Como o estrepido audaz do vinho de Champagne!
Fundiam-se em abra?os, tremulos, nervosos, Com tepidas caricias, Mudas contempla??es, extasis silenciosos, Profundos, vagarosos, Em extranhas sensa??es de celestiaes delicias.
Depois aconteceu o que com taes assumptos Costuma acontecer, de Londres a Stambul; Os nossos dois amores adormeceram juntos Sob a cup'la do c?u profundamente azul.
Fugi das noites calmas, mornas luarisadas, Em que o encanto nos vence e o espasmo em n?s actua! Loucas de muito amor, fugi ?s guitarradas, Escravas da Paix?o, tende medo da Lua!
De manh?, quando o Sol clareava o horizonte E o rouxinol findava a amena cavatina, Despediam-se ent?o com um beijo na fronte, S'tenuados d'amor d'essa noite divina.
Mas Leonor ficava ainda por instantes, Espalhados ao vento os seus cab?los finos, E mergulhava a alma em sonhos delirantes, Na doce vibra??o harmonica dos sinos.
Durou pouco o Amor, por?m, assim feliz! O Amor, o eterno Amor! que inconsistente liga! Ninguem como ella o quiz! ninguem como elle a quiz! Separou-os, por?m, o cru punhal da Intriga.
A Intriga ? essa mulher que ao cisne que descreve Um sulco encantador No lago, branco e leve, Tenta com mancha escura enodoar-lhe a c?r, E transformada em neve ? a geada que queima a delicada fl?r.
Leonor endoideceu, ent?o, cheia de magua, Na janella, a sonhar... a cantar... a chorar... E vinham-lhe ao olhar per'las de sangue e d'agua Quando ouvia na torre os sinos a tocar.
E empalidecia a incomparavel face, Essa ideal belleza, Como uma ave azul que se afogasse Em ondas de loucura e de tristeza.
Dizia ent?o: <
Tinha acabado a doida de fallar, Doida gentil de olhos azues e vagos, Tendo na fixidez macia do olhar A immobilidade terna e mistica dos lagos.
E os sinos do mosteiro, alem, fortes, vibrantes, Espalhavam no ar notas bruscas, ligeiras, Claras como cristaes, vivas como diamantes, E como o desfraldar de sonoras bandeiras.
Tudo se agita em espanto e a villa inteira corre, Os homens, as mulheres, os r?tos pequeninos Ao sentirem cair, cristalina, da torre, A chuva torrencial do repique dos sinos.
Leonor ouvia, ouvia, a chorar e a tremer, Aqu?les sons joviaes dos sinos a tocar. Era a primeira vez que alegres os viu ser, E era a primeira vez que os ouvia a chorar!
E emquanto o sino ria esses risos saudaveis Das crean?as gentis, dos anjos pequeninos, A agua viu cair dos olhos adoraveis Na alacridade vaga e mistica dos sinos.
De repente, saiu da igreja uma donzella, Vestida a seda azul, numa expans?o inteira, E Leonor estendia o corpo na janella, Ao ver-lhe no cab?lo a fl?r de laranjeira.
E era uma mulher que deixava confusas Todas as aten??es, em muda admira??o, Tinha o cab?lo negro e a c?r das andaluzas, Tinha no olhar do Sonho a magica atrac??o.
Do seu corpo harmonioso, elastico, flexivel, Emanava uma essencia etherea, imponderavel, Como emana, em fragor penetrante, invencivel, Um perfume subtil d'uma seda impalpavel: Tinha a ardente magia --Das sereias gentis da Andaluzia,-- Que t?m gestos sublimes, E meneios risonhos Tinha a flexibilidade elastica dos vimes E a estrutura di?fana dos sonhos. Nos grandes olhos doces, Lindos como dois c?us, negros como dois crimes, Relampejantes, humidos, quebrados, Guadalquivires dormentes, socegados, Vastos como horisontes, Tinha da Andaluzia a Alhambra, os eirados, Os famosos jardins embalsamados, Onde amavam mulheres e murmuravam fontes.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Depois saiu o noivo, e ? Crueldade ignara, Irradi?ra a raz?o nos olhos de Leonor, E a grande fl?r divina, a fl?r mimosa e rara Reconheceu no noivo o seu primeiro amor.
Caminhavam os dois, gloriosos, triunfaes, Rodeados d'uma aureola etherea, luminosa, Entre os alegres sons dos sinos festivaes, Numa expans?o d'amor profunda e victoriosa.
Pelo bra?o um do outro, altivos, orgulhosos, Iam cheios de gloria e cheios de esplendores, Inundava-os o sol em beijos luminosos E as crean?as, sorrindo, atiravam-lhes fl?res.
E no tragico assombro, a triste doida ent?o, A pobre bella e Santa, a timida Leonor, Sentiu despeda?ar-se o terno cora??o No convulso derruir tit?nico da D?r.
No olhar lhe fusilou uma colera santa, Recup'r?ra a Raz?o para perder a Vida, Saiu-lhe uma blasfemia ardente da garganta, Cambaleou afinal, como se fosse ferida, Deu tres ou quatro passos, Estendeu em convuls?es galv?nicas os bra?os, E abrindo, sufocada, a baixa porta, Sem um ai nem um beijo, Veiu cair exanime, j? morta, No meio do cortejo.
Ouviram-se ent?o sons plangentes e divinos De dobres, de sinaes de luto e de viuvez. Era a toada melancolica dos sinos Por Leonor a tocar pela primeira vez.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Quantas de v?s tambem, lindas crean?as, Que architectaes angelicas esperan?as No vosso cora??o, N?o ides perfumar as sepulturas, Co'as frontes virginaes, as f?rmas puras, No pequenino leito d'um caix?o!
Pensai: quantas de v?s ouvis os sinos Em desejos divinos, Em ilus?es celestes, Para num dia puro, luminoso, Cingindo as alvas vestes, Serdes levadas pelos sons dos sinos Para os canteiros d'um jardim frondoso De rosas e cyprestes!
E v?s ides, extaticas, inermes, Contrahir os fun?reos esponsaes: ... Sugar-vos-h?o o peito os frios vermes, Ter?o comvosco amores os vegetaes.
Add to tbrJar First Page Next Page Prev Page