Read Ebook: Alexandre Herculano by Cordeiro Manoel Caldas
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Ebook has 58 lines and 6649 words, and 2 pages
ugiada apenas em longos labores e lentas medita??es, pezou bem o seu destino. Tinha um temperamento de ferro; em cousas que a sua vontade decidisse, era inquebrantavel. N?o se bandeou na politica, n?o se apulhou na litteratice. Pobre chimerico! acreditou na honra, desdenhoso dos estadistas e dos parlamentares; teve esperan?a na arte pura, e cultivou-a como o seu unico idolo. Depois tambem cultivou o azeite de Val-de-Lobos com idolatria, por que estava farto da epoca e dos homens. <
Para qu? insistir sobre as surprezas que este methodo provocaria a cada momento?
< Cumpriu a miss?o que impozera ao espirito? ? analysando-lhe as diversas phases da obra que se p?de responder ? interroga??o. O POETA N'uns a poesia nasce com as primeiras illus?es da mocidade, os primeiros amores, as suaves chimeras; n'outros, quando as desillus?es come?am a enevoar a alma, as tristezas a pairar na mente, o cora??o a seccar-se, a ser fugitivas as horas alegres, continuos e uniformes os dias funebres, e o sopro da trai??o envenena os amantes, ? que a poesia ergue os primeiros v?os, triste e amargorosa, como as aves da tempestade. Dos primeiros s?o raros os que conservam a frescura e pureza da musa; os annos augmentam, as fl?res murcham, e quando se quer voltar, por saudade ou por distrac??o, ao trabalho mitigador, as palavras embrulham-se, as rimas escasseam e o cerebro torturado s? consegue periodos tortuosos e seccos, concep??es alambicadas e banaes. Alguns, ensaiando a rima e o verso, procuram adquirir ? custa d'um trabalho seguido, a magnifica for?a da forma solida e quasi definitiva: s?o os artistas, e as suas estrophes sonoras teem sons musicaes. Byron, Moore e Shelley alliaram os primores da forma ? sublimidade da imagina??o. Mesmo a lingua ingleza, dulcificada pela cuidadosa versifica??o de Milton, Pope, Chatterton e Cowper, attingiu com os grandes poetas do come?o d'este seculo uma perfei??o inegualavel. Coube a gloria d'iniciar essa revolta contra as velhas formas, a estreita syntaxe, a poetica convencional e restricta, ao homem contradictorio e enigmatico que se chamou Chateaubriand. Hugo veio fazer no verso o que Chateaubriand fizera na prosa; deu ? lingua assucarada e debil, vibra??o, enthusiasmo e consistencia. < Estes revolucionarios deram ? prosa e ao verso uma symetria, uma profundeza, uma sumptuosidade desconhecida. Portugal at? 1836 seguira distanciadamente o movimento de renova??o. As primeiras poesias d'Herculano resumbram a nostalgia da patria e recordam as suas luctas de soldado. O sentimento que em todas ellas repassa ? uma tristeza de saudoso, uma vibra??o de descontente. A forma ? frouxa como em quasi todos os seus versos. Ha um phenomeno curioso a observar nas grandes individualidades litterarias: sentem, transplantam o sentir, alcan?am a nota mais elevada do pathetico, mas os seus versos s?o coxos e maus, e muitas vezes inferiores, segundo as regras da poetica, aos d'um banal poeta de lyrismos discretos e perfumados. Camillo e Herculano s?o d'isso exemplos culminantes. Estes dois grandes homens tinham demasiado pudor e orgulho para encherem columnas de versos de vulgarismos falsos e mystifica??es irritantes. Herculano, apezar de tudo, attinge os acumes da eleva??o poetica nas poesias religiosas, essas medita??es profundas e serenas, em que elle se identifica com Klopstock, misturando a taciturnidade da sua indole aos arrebatamentos do seu espirito. N'esta indole triste os primeiros v?os da musa pairam por sobre as velhas torres gothicas e mouriscas, as cathedraes rendilhadas, os castellos agoirentos e enegrecidos. Era a primeira chama que se ateava n'esse insoffrido. O ROMANCISTA Em Inglaterra os romances de Scott invocavam a idade-media as cruzadas, os velhos burgos. Poetas, romancistas, escriptores pendiam para os estudos e para a critica historica. Os romances mesmo e as memorias, que t?o cultivadas teem sido nos ultimos cincoenta annos d'este seculo, s?o apenas variedades da historia e da critica. O pensamento do romancista ? identico ao do critico e do historiador. Tem de documentar e historiar um meio, uma epoca, onde se agitam personagens contemporaneos ou remotos. ? assim que nos livros do sr. Henry James, n'esses pequenos contos, que nos parecem rabiscados na meza de fumar d'algum rico hotel das grandes cidades, est? toda a vida, toda a ancia, toda a nostalgia, e todas as hesita??es nervosas d'essa gera??o fluctuante, que emigrou para a America, se regenerou e fortificou ao contacto d'outro meio e d'outro clima, e s? se definha e soffre, quando inveja e macaqueia essa velha Europa, onde tantos v?em matar as saudades e desedentar a sede dos vicios morbidos que herdaram. Quem l? os romances d'Herculano n?o p?de procurar n'elles nem a analyse da vida, nem mesmo o estudo exacto da epoca em que se passam. O poeta triumpha sempre e, se aqui e ali, apparece o historiador--ou melhor o cerebro transbordando de conhecimentos historicos e obrigado a revelal-os em tudo quanto escrevesse--o visualisador sempre nos arrasta e empolga com as suas illus?es. O que vibra com uma intui??o admiravel nos seus romances, ? a nota desesperante do amor. As paix?es d'esses personagens eram um fogo que os minava e consumia. A religi?o e o despotismo medieval carregaram ainda mais funebremente o espirito dos barbaros. Qualquer sentimento que os escravisasse, era para esses brutaes uma for?a, como que sobrehumana, contra a qual luctavam, subjugados pelas supersti??es e pelos prejuizos. O sempre triste Eurico escreve a Theodemiro: < ..................................................................... < Theodemiro eu amei como ninguem, talvez, ainda am?ra. Este amor foi desprezado e ludibriado e, depois, comprimido pelo desprezo e pelo ludibrio no fundo do cora??o do teu pobre amigo. Sabes o que faz um amor immenso assim recalcado?--Devora e consome o futuro e entenebrece para sempre o horisonte da vida. Nada ha, depois d'isso, que possa restaurar o que elle tragou: nada que possa rasgar as trevas que elle estendeu. No mesmo sepulchro n?o ha porvir d'esperan?a, nem, porventura, luz de consola??o; porque o passamento do corpo precedeu a morte do espirito.>> D. Fernando, o doloroso apaixonado, conhecendo a ignominia a que desceu, diz a Leonor Telles: < por que sabes que esse amor n?o p?de perecer, que esse amor ? como um fado escripto l? em cima--interrompeu D. Fernando--que tu me fazes tingir as m?os de sangue, para satisfazer as tuas crueis vingan?as; ? por que sabes que esgoto sempre o calix das ignominias quando as tuas m?os m'o apresentam, que me sacias de deshonra. Ter?s, acaso, algum dia piedade d'aquelle que fizeste teu servo, e que n?o p?de esquivar-se a ser tua victima.>> O sombrio Egas, despedindo-se de Dulce, diz-lhe: < Herculano tocou como poucos na eterna chaga da alma apaixonada:--a duvida, a desconfian?a. E como o ciume e o desespero se manifestam psychologicamente n'uma inalteravel uniformidade em todas as epocas, segue-se que um Egas, um Fernando, um Vasco, um Eurico, s?o typos caracteristicos dos amorosos e tristes. O HISTORIADOR Vimos como as principaes figuras intellectuaes do come?o do seculo penderam para as reconstitui??es do passado. Em Inglaterra Hume abrira no seculo anterior a corrente que depois Lingard e Macaulay proseguiram; em Fran?a Augustin Thierry, Quinet, Guizot d?o aos estudos historicos uma nova phase. Herculano seguiu esta corrente, que dominou toda a obra. O investigador surgiu primeiro do que o poeta ou poeta fez surgir o investigador? Um e outro apparecem t?o confundidos em todos os seus livros que ? impossivel responder ? interroga??o. Que o historiador n?o destruiu a alma poetisadora, v?-se logo no 1.? volume da Historia de Portugal, que fecha com estas saudosas palavras sobre o nosso primeiro rei: < O POLITICO Quando em 1840 Herculano foi eleito deputado por Cintra, teve occasi?o de pedir a palavra no parlamento; tinha uns apontamentos que consultava, ? medida que ia falando. O que seria a camara dos deputados em 1840? Cheia d'abbades somnolentos, de provincianos ridiculos, de bachareis grotescos e analphabetos inconscientes, n?o ? hoje muito facil fazer uma id?a approximada do que era ent?o esse antro de palradores. No meio do discurso, um pouco interrompido, do deputado por Cintra ouviu-se o grito de: < Alexandre Herculano, ferido no seu orgulho, nunca mais quiz frequentar aquella feira de gado. Os seus trabalhos resumbram todos um invencivel rancor aos politicos e ? politica. A sua indole triste sombreou-se. O despeito e o tedio azedou-lhe o caracter. Adivinhou a vulgar corrup??o que se alastrava por todas as classes e, com a integridade inherente ao seu espirito, fugiu. Esta deser??o d'um campo, onde o paiz lhe podia merecer tantos servi?os, era inevitavel. O presente n?o o tentava. Com uma ancia vulgar nos espiritos que chegaram ?s cumiadas da cultura intellectual, tentou brutificar-se na vida do campo, beber a grandes tragos a alegria que a natureza entorna na alma dos animaes e das plantas. Mas estava muito intellectualisado. Por morte da rainha e do rei, Herculano, que j? quasi se affastara do pa?o, foge e vae isolar-se em Val-de-Lobos. Com Luiz I come?a essa longa opera-buffa, ridicula e sinistra a um tempo, com um cunho t?o enorme de corrup??o e de infamia, a que se assiste n'um suffocamento de indigna??o e lagrimas, que arrastou Portugal a este fim desesperado. O centenario de Cam?es foi o unico ponto claro no horisonte negro. Mas Herculano morreu tres annos antes de se realisar esse grande acontecimento nacional--onde Portugal affirmou pela ultima vez a sua for?a desesperada no meio da agonia. Herculano, podendo desempenhar um elevado papel na politica portugueza, nada fez. O unico homem em quem elle exercera uma salutar influencia--o rei--morreu, deixando o seu mentor afogado em nojo pelos homens e pela existencia. N'algumas maneiras de pensar e de sentir, Herculano revelou-se superiormente; depois a nausea pela vida e pelos viventes, communicou-lhe esse desprezo que pareceu t?o grande porque tombava de muito alto, e lhe deu o cunho d'intransigencia e de for?a, n'um tempo em que todos s?o maleaveis e fracos. Analysei as manifesta??es intellectuaes da altiva personalidade a quem a burguezia idolatrou, mais por ouvir contar certas particularidades rudes do seu viver, do que por lhe ter lido as obras. Homem d'um seculo convulsionado e contradictorio foi, como elle, impersistente e convulsivo. O critico exclusivista que condemnasse qualquer obra por trazer uma rajada d'azedume, esquecendo-se da epoca em que foi feita, seria t?o extraordinario como o medico que quizesse persuadir um agonisante de que estava curado. ? impossivel exigir d'alguem que seja alegre, que tenha saude e f? em tempos de tristeza, de desalento e de duvida. Herculano podia repetir a phrase d'um homem muito diverso d'elle, o melancolico Amiel: <
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