Read Ebook: Luiz de Camões: notas biograficas Prefacio da setima edição do Camões de Garrett by Castelo Branco Camilo
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CAMILLO CASTELLO BRANCO
LUIZ DE CAM?ES
NOTAS BIOGRAPHICAS
PREFACIO DA SETIMA EDI??O DO CAM?ES DE GARRETT
NA LIVRARIA DE ERNESTO CHARDRON, Editor
PORTO E BRAGA
Luiz de Cam?es
NOTAS BIOGRAPHICAS
PREFACIO DA SETIMA EDI??O DO CAM?ES DE GARRETT
Cancella Velha, 62
CAMILLO CASTELLO BRANCO
LUIZ DE CAM?ES
NOTAS BIOGRAPHICAS
PREFACIO DA SETIMA EDI??O DO CAM?ES DE GARRETT
Livraria Internacional
ERNESTO CHARDRON--EDITOR
PORTO E BRAGA
D. Antonio Alves Martins
BISPO DE VIZEU
OFFERECE O DISCIPULO E AMIGO
Camillo Castello Branco.
LUIZ DE CAM?ES
O protagonista do sempre formoso poema de Almeida-Garrett ? um Luiz de Cam?es romantico, remodelado na phantasia melancolica d'um grande poeta exilado, amoroso, nostalgico. A ideal tradi??o romanesca impediu, com as suas nevoas irisadas de fulgores poeticos, passante de duzentos e cincoenta annos, que o amador de Natercia, o trovador guerreiro, fosse aferido no estal?o commum dos bardos que immortalisaram, a frio e com um grande socego de metrifica??o, o seu amor, a fatalidade do seu destino em centurias de sonetos. Garrett fez uma apotheose ao genio, e a si se ungiu ao mesmo tempo principe reinante na dynastia dos poetas portuguezes, creando aquella incomparavel maravilha litteraria. Ensinou a sua gera??o sentimental a v?r a corporatura agigantada do poeta que a critica facciosa de Verney e do padre Jos? Agostinho apouc?ra a uma estatura pouco mais que regular.
Eu me vejo n'este perigo e n?o me poupo ?s eventualidades da ousadia. Pretender exhibir novidades inferidas de factos comparados e probabilidades em uma biographia tantas vezes feita e refeita, ser? irrisorio atrevimento quando m'as poderem contradictar com provas solidamente cimentadas. O que n?o parecer novo n'estes tra?os ser? uma justificada emenda aos erros dos biographos antigos e recentes em que nomeadamente avultam os senhores visconde de Juromenha e doutor Theophilo Braga que segue muito confiado aquelle douto investigador com uma condescendencia extraordinaria para escriptor que tanto averigua.
Direi primeiro do amor meio lendario de Luiz Vaz de Cam?es a D. Catharina de Athaide, como causa essencial da sua vida inquieta e dos revezes da sinistra fortuna procedentes d'esse desvio da prudencia na mocidade.
Diogo de Paiva de Andrade, sobrinho do celebrado orador, deixou umas LEMBRAN?AS ineditas que passaram da opulenta livraria do advogado Pereira e Sousa para meu poder. Diogo de Paiva nascera em 1576. ? contemporaneo de Cam?es. Conheceu provavelmente pessoas da convivencia do poeta. Poderia escrever amplamente, impugnando algumas noticias de Mariz, de Severim e de Manuel Corr?a. Era cedo, por?m, para que o assumpto lhe interessasse bastante. Na juventude de Paiva, as memorias de Cam?es n?o tinham ainda attingido a consagra??o poetica de que se formam as nebulosas do mytho. Diogo de Paiva pouco diz; mas, n'essas poucas linhas, ha duas especies n?o relatadas pelos outros biographos:
Antonia de Berredo cas?ra com um viuvo rico e velho, Antonio Borges de Miranda, senhor de Carvalhaes, Ilhavo e Verdemilho, que de sua primeira mulher, da casa de Barbacena, tivera dous filhos, a quem competia a success?o dos vinculos. D. Antonia concebeu do marido, e deu ? luz um menino que se chamou Ruy Borges Pereira de Miranda. O marido falleceu. Os filhos do primeiro matrimonio, Sim?o Borges e Gon?alo Borges foram esbulhados da success?o dos vinculos--um estrondoso escandalo em que influiu o arbitrio despotico do rei a favor do filho da sua amante.
Apossado iniquamente dos senhorios de Carvalhaes, Ilhavo e Verdemilho, Ruy Borges, filho de Antonia de Berredo, affei?oou-se a D. Catharina de Athaide, filha de Alvaro de Sousa, veador da casa da rainha, senhor de Eixo e Requeixo, nas visinhan?as de Aveiro. D. Catharina era pobre, como filha segunda; seu irm?o Andr? de Sousa era um simples clerigo, prior de Requeixo; o senhor da casa era o primogenito Diogo Lopes de Sousa.
Sahiu Cam?es para a Africa em 1547, e l? se deteve proximamente dous annos. Quando regressou, a dama da rainha era j? casada com Ruy Borges e vivia na casa do esposo convisinha de Aveiro, entregue ao ascetismo, sob a direc??o de frei Jo?o do Rosario, frade dominicano.
Subsistem umas MEMORIAS communicadas a Herculano em 1852, e datadas em 1573 por aquelle frade, nas quaes o confessor revela que D. Catharina, quando elle a interrogava ?cerca do desterro de Cam?es por sua causa, a esposa discreta de Ruy Borges respondia que n?o ella, mas o grande espirito do poeta o impellira a empresas grandiosas e regi?es, apartadas. Esta resposta, um tanto amphibologica, argue e justifica o honestissimo melindre da esposa.
O arrependimento, o tedio e a saudade n?o a mortificaram longo tempo. Morreu Catharina de Athaide em 28 de setembro de 1551, e foi sepultada na capella-m?r que dot?ra no mosteiro de S. Domingos d'Aveiro em sepultura que talvez mandasse construir.
Cam?es n?o ignorava a tristeza raladora de D. Catharina. Este soneto exprime o sentimento d'uma vingan?a nobre at? ao extremo de compadecida:
J? n?o sinto, senhora, os desenganos Com que minha affei?ao sempre tratastes, Nem v?r o galard?o, que me negastes, Merecido por f? ha tantos annos.
A m?goa choro s?, s? choro os damnos De v?r por quem, senhora, me trocastes! Mas em tal caso v?s s? me vingastes De vossa ingratid?o, vossos enganos.
Dobrada gl?ria d? qualquer vingan?a, Que o offendido toma do culpado, Quando se satisfaz com causa justa;
Mas eu de vossos males a esquivan?a De que agora me vejo bem vingado, N?o a quizera tanto ? vossa custa.
Semelhante soneto dirigido ? outra D. Catharina de Athaide, dama do pa?o que morreu solteira, n?o tem explica??o. Claro ? que Luiz de Cam?es allude ? mulher que o vinga padecendo as m?goas resultantes d'uma allian?a em que elle foi ingratamente sacrificado. ? outra dama que morreu, estando para casar, segundo a vers?o colhida pelos primeiros biographos, n?o diria Cam?es:
O viuvo Ruy Borges passou logo a segundas nupcias como quem procura em outra mulher a felicidade que n?o pudera dar-lhe a devota Catharina absorvida no mysticismo, como n'um refugio aos pungitivos espinhos da sua irremediavel ingratid?o.
O poeta grange?ra inimigos na c?rte. Deviam ser os Berredos e os parentes de Ruy Borges de Miranda. Entre os mais proximos d'este havia um seu irm?o bastardo, Gon?alo Borges, criado do pa?o, a cargo de quem corria a fiscalisa??o dos arreios da casa real. Teria sido esse o espia, o denunciante das clandestinas entrevistas do poeta com a dama querida de seu irm?o?
Dias depois, Luiz Vaz de Cam?es sahia para a India, na mesquinha posi??o de substituto d'um Fernando Casado, e recebia 20 reis como todos os soldados razos que embarcavam para o Oriente; e para isto mesmo prestou a fian?a de Belchior Barreto, casado com sua tia. Aquelles 20 reis eram o primeiro quartel dos 90 reis, soldo annual do soldado reinol.
Expatriou-se na humilha??o dos mais desprotegidos. Devia de ter alienado a estima e o favor de amigos influentes, porque sahia do carcere rebaixado pelo desbrio com que implor?ra o perd?o, e r?o confesso de uma vingan?a por motivos menos honestos aos olhos dos velhos serios, e desdourados na propria fidalguia pelas ribalderias amorosas d'um mancebo de nascimento illustre. Se Luiz de Cam?es embarcasse para a India como o commum dos mancebos fidalgos, receberia 300 ou 400 cruzados de ajuda de custo.
No reinado de D, Jo?o II, Ant?o Vaz, av? do poeta, cas?ra com D. Guiomar da Gama, parenta de Vasco da Gama, a quem seguiu ? India, capitaneando uma caravela, talvez escolhido por Vasco, em atten??o ao parentesco. O heroe dos LUSIADAS enviou Ant?o Vaz embaixador ao rei de Melinde, a comprimental-o, a levar-lhe presentes e a concertar as pazes. Luiz de Cam?es, com rara modestia, omitte o nome de seu illustre av?; d?-lhe, por?m, predicados d'elegancia oratoria, e compraz-se em o fazer discursar largamente. Na dila??o do discurso transluz uma licita vaidade. Vasco
Nenhum biographo, que me conste, aproximou ainda a passagem do poema do nome do embaixador Ant?o Vaz. Verdade ? que Jo?o de Barros, Dami?o de Goes e o bispo Osorio escondem o nome do enviado; e a maioria dos biographos n?o conheceu os mss. de Gaspar Corr?a, nem consultou sen?o os expositores triviaes. Ant?o Vaz, como se l? n'outros trechos d'aquelle prolixo chronista, ? sempre o preferido nas mensagens em que ? essencial o discurso. Conhece-se que Vasco da Gama o reputava efficaz no dom da palavra. Passado o anno 1508 n?o tenho noticias d'elle, nem sei que se avantajasse no posto com que sahiu do reino, commandante de caravela, em 1502. Provavelmente n?o <
Das poesias de Cam?es nada se deprehende quanto aos seus progenitores. Em toda a obra poetica e variadissima do grande cantor n?o transluz frouxo sedimento filial,--nem um verso referente ao pai. Em todos os seus poemas escriptos na Africa e Asia, na juventude e na velhice, n?o ha uma nota maviosa de saudade da m?i. Os poetas da renascen?a tinham esse aleij?o como preceito de esc?la. Desnaturalisavam-se da familia, da trivialidade caseira para se inaltecerem ?s cousas olympicas. Gastavam-se na sentimentalidade das epop?as e das eclogas. O amor da familia, se alguma hora reluz, n?o ? o da sua--? o das familias heroicas. Apaixonavam-se pelo mytho, e timbravam em nos commoverem com as desgra?as de Agamemnon ou Ni?be. Isto n?o desdoura a sensibilidade do cantor de Ignez e de Leonor de S?; mas vem de molde para notar que do poeta para com seus paes n?o se encontra um hendecasyllabo que lhe abone a ternura. O mesmo desamor se verifica em todos os poetas coevos, quer epicos, quer lyricos. S? uma vez em Diogo Bernardes se entrev? tal qual affecto de familia a um irm?o que professa na Arrabida, e em S? de Miranda a um filho e ? esposa mortos: mas de amor filial ? escusado inquirir-lhes o cora??o nas rimas. Parece que o haverem sido um producto physiologico do preceito da propaga??o os isentava de grandes affectos e respeitos a quem os gerou. N?o os escandecia em raptos poeticos essa vulgar e material allian?a de filhos a paes.
Luiz de Cam?es achou-se bem, confortavelmente em G?a. As suas cartas conhecidas n?o inculcam nostalgia, nem a estranheza dolorosa do insulamento em regi?o desconhecida. Rescendem o motejo, o sarcasmo e a vaidade das valentias. N?o se demora a bosquejar sequer, com s?ria indigna??o, o estrago, a gangrena que lavrava no decadente imperio ?ndico pelos termos graves de Sim?o Botelho, de Gaspar Corr?a, Antonio Tenreiro, Diogo do Couto e dos theologos. Narra de relance e com phrases jocosas as fa?anhas d'esses ignorados acutiladi?os, as basofias de Toscano, a moderada furia de Calisto, e as proezas do duellista Manuel Serr?o. Era este Serr?o um rica?o de Ba?aim, senhor de quatro ald?as, que fizera desdizer um bravo da alta milicia. Comprazia-se Cam?es n'estas historias fa?anhosas, chasqueando os pimp?es de l? e os de c?, uns que nunca lhe viram as solas dos p?s por onde unicamente podiam vulneral-o como ao heroe grego. Acha-se tranquillo como em cella de frade pr?gador, e acatado na sua for?a como os touros da Merceana. Preoccupava-o fortemente a bravura. Como a metropole da India portugueza, n?o havia terra mais de fei??o para chibantes. Escrevia Francisco Rodrigues da Silveira: <
Depois, as mulheres. As portuguezas cahem de maduras, ou porque a lascivia as sorvou antes de sazonadas, ou porque vem ao ch?o de velhas:--? opiniativa a intelligencia do conceito picaresco. As indigenas s?o pardas como p?o de rala, tem uns palavriados que travam a hervilhaca, e gelam os mais escandecidos desejos. S?o carne de sal? onde amor n?o acha em que pegue. Lembra-se das lisboetas que chiam como pucarinho novo com agua, e manda-lhes dizer que, se l? quizerem ir, receber?o das m?os das velhotas as chaves da cidade. De envolta com estas prosas facetas, envia um soneto e uma ecloga funebres ? morte d'um amigo.
Mas entrevejo na cerra??o de tres seculos que o poeta, na apotheose do Albuquerque terrivel e do Castro forte--elaborando a epop?a que sagrou em idolatria de semi-deuses uma phalange de piratas, escrevia com as m?os lavadas de sangue innocente do indio, a quem apenas os conquistadores concediam terra para sepultura como precau??o contra a peste dos cadaveres insepultos, quando n?o exhumavam as ossadas dos reis indigenas na esperan?a de que lh'as resgatassem com aljofar e canella. Fa?anhas de Cam?es n?o sei decifral-as nos seus poemas: elles--os poemas--s? per si sobejam na sua historia como ac??es gloriosissimas.
Accusado e chamado a G?a, sob pris?o, pelo governador Francisco Barreto, antes de fechado o triennio da sua provis?o, naufragou e perdeu os haveres proprios e os alheios de que lhe pediam conta. Recolhido ? cad?a, instaurou-se-lhe processo para o capitularem e remetterem ao reino. Raramente, por?m, os capitulados por culpa d'essa especie vinham ao reino.
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