bell notificationshomepageloginedit profileclubsdmBox

Read Ebook: Infelizes: Historias Vividas by Os Rio Ana De Castro

More about this book

Font size:

Background color:

Text color:

Add to tbrJar First Page Next Page Prev Page

Ebook has 391 lines and 20635 words, and 8 pages

E l? continuaram a marcha, agora tristemente acompanhada pelos gemidos da infeliz creatura, que soffria cada vez mais.

Chegaram emfim a Carregal de Monhoce, uma insignificante aldeia quasi desconhecida de todo. Em frente era o Bussaco; sentiam-se tiros ao longe; o que iria por l??...

Terminada a guerra, tornaram pacificamente para a grande casa, que ella encontrou ainda mais sombriamente solitaria. Muitos faltaram ? chamada, no primeiro repasto d'expatriados que reviam o seu lar bem amado!...

E a Clarinha l? continuou a sua vida, a mesma, sempre cortada pelos mesmos incidentes de visitas e festas.

O Santo Christo era, como hoje ? tambem para n?s, o seu passeio favorito nas tardes melancolicas d'outomno--esta??o de tristezas e desalentos, que morre lentamente em cada folha que se desprende das arvores, lagrimas silenciosas da natureza, que em breve ser? de luto, quando o inverno vier implacavel... Em frente, a verde cortina dos pinheiros mansos esconde o antigo convento de Maceira D?o. Triste, bem triste, ? hoje esse convento em ruinas onde a herva cresce em liberdade, atravessado por todos os ventos, por todas as chuvas; ? quasi um milagre estar ainda em p?! N'esses tempos, que t?o remotos nos parecem j?, como elle devia ser bonito! E a tia Clara, sentada nos degraus da capellinha, ouviria com um doloroso confranger de cora??o a austeridade do bronze chamando ao c?ro os bons frades cistercienses.

Depois, tudo foi passando...

A morte e a vida vieram de m?os dadas terminar muita esperan?a, muita alegria, como enxugar muitas lagrimas com novas felicidades!.. Na memoria dulcissima da nossa adoravel velhinha ? que tudo vive intacto. Principalmente os longinquos factos da sua mocidade, e, entre elles, essa aventurosa fuga aos francezes--o que eu mais gosto de lhe ouvir contar.

Recorda a com tantas particularidades, com tal clareza de incidentes, que me enche d'admira??o. Coisas passadas ha menos tempo n?o as recorda ella t?o nitidamente! Lembra o signal vincado com a unha na passagem mais interessante d'um romance e que de folha para folha se vae conhecendo menos at? desapparecer de todo.

Um dia perguntei-lhe tambem: <>, n'aquelle romance de Camillo passado aqui t?o perto?!...>>

<> E a sua veneravel cabe?a branca inclinou-se umas poucas de vezes n'uma recorda??o que lamentava ainda--lagrimas vistas correr ha muitos annos e nunca esquecidas!..

Agosto de 96.

TIO BARREIROS

TIO BARREIROS

Encantador o costume patriarchal de viverem as crian?as com antigos criados, quasi da familia, que ellas se acostumam a amar sem o respeito que enfastia, mas tambem sem a desagradavel auctoridade sobre essas velhas cabe?as embranquecidas, sempre inclinadas para os mais pequeninos, os ultimos...

Por isso, o tio Barreiros ? uma das figuras mais sympathicas que na minha memoria sorri.

Para criado de lavoura entrou elle em casa, j? velho; pouco podia, o pobresito! Muito corcovado, o fato de sarago?a grosseira, o chap?o braguez um pau na m?o--quasi nos pareceu um mendigo.

Mas n?o; tinha seus brios o tio Antonio. Trabalhava como um rapaz; rejuvenescia, coitado!

--<>

Uma lagrima diluia-se no azul dos seus olhos finos.

--<>

--...<>

E o velho Barreiros, com tal probabilidade de pae, avultava aos nossos olhos prodigiosamente, tornava-se quasi divino, n'um hieratico esplendor de festa religiosa.

Por fim, o pobre velho j? n?o se atrevia a sahir ?s propriedades de f?ra--honestamente pediu que lhe baixassem a soldada, que elle ficava s? para tratar da horta. E ?s tardes, n'aquelles poentes tristissimos das regi?es montanhosas, n?s passeavamos sob a parreira da horta: elle de sacho na m?o, parando de quando em quando a apanhar uma folha velha das enormes couves, que s? elle fazia crescer espantosamente. Nunca mais vi couves assim! Talvez por ser eu muito pequena, tudo me parecesse grande; talvez porque o tio Barreiros tivesse receita especial para as fazer crescer!...--<>

Claro; n?s eramos sempre pelo velho contra ellas.

--<>--

--<>

Que grande coisa ser fidalgo!--pensava. At? a horta se resentia de tamanha altura heraldica!

Ah tio Barreiros, tio Barreiros, que loucuras risonhas nos mettia na cabe?a a vossa bastardia fidalga! Que saudades, meu amigo!...

Uma vez--ha quanto tempo isso vae!--mal come?ava a aprender a ler, por premio assignaram-me um jornal, que devia vir directamente para mim.

Esperava n'uma febre a chegada do carteiro; e nada do jornal apparecer, para o meu nome, como eu sonhava noite e dia!... Desabafava com o tio Antonio, aquillo parecia-nos historia...--<>

--<>

--<>

E l? esperavamos, consternados, mais vinte e quatro horas. Mas um dia soube-se:--o jornal tinha vindo logo, mas, como eu tivesse n'uma terra proxima uma tia com o mesmo nome, os empregados do correio v? de lh'o remetterem. Eu, muito queixosa, fui ter com o Barreiros ao quintal. Elle indignou-se:

--<> Era uma injuria para n?s ambos. E eu ficava consolada, vendo-o atravessar o pateo, seguido das gallinhas, gallos, per?s, marrecos, com o ganso pae ? frente--o Caetano--como lhe chamavamos.

E elle l? ia com toda a pressa que as suas velhas pernas lhe permittiam--um casaco que lhe tinham dado, arrastando na frente e muito curto atraz, t?o dobrado andava elle, o pobresito, a pender para a terra!..

E o caso ? que fez um discurso no correio. Mas por fim discutimos:--<>

E esta coisa de haver enganos--tocou-me. Toda a vida a n?o receber os meus jornaes...

--<> E assim foi.

Mas o velho come?ou a enfraquecer. De dia para dia o corpo se lhe dobrava mais para a cova. J? pouco comia, sustentava-se de vinho e marmellada, nada mais.

E n'um inverno muito rude, em que a neve cahiu mais a miudo e de manh? a agua dos tanques apparecia gelada--o tio Antonio Barreiros apanhou uma tossita; levantava-se tarde, j? n?o ia com o sacho para a horta...

Sentiamos que o seu espirito, risonhamente infantil, j? andava longe, n'um meio sonho, quasi desligado da terra...

Fallava na mulher, fallava na filha, com uma grande serenidade e um redobramento d'affecto--como quem pensava em as encontrar breve. Depois olhava-nos com uma tal saudade...

E n'uma fria manh? d'inverno, voltado para a parede, embrulhado na manta de riscas, elle appareceu serenamente adormecido para sempre. A sua bocca ironica eternamente risonha; fechados os olhos azues d'uma gra?a aristocratica... O seu perfil accentuado, desenhava-se muito nitido na brancura da parede. As glycineas, despidas de folhas, mettiam os bra?os hirtos pela abertura da janella, n'uma ultima despedida ao velho amigo que as tinha plantado... E elle dormindo na manh? brumosa, sem responder ao nosso chamamento!...

E que falta elle fazia, ? noite, na ceia dos criados, contando historias, oh! lindas historias de feiticeiras e lobishomens--de que o velho se ria, um poucochinho sceptico, vamos l?!...--Guerras que elle vira, dramas de familia a que tinha assistido, trovoadas no meio da serra a quando pastor... Ah! tudo isso nos fazia muita falta, muita falta!... E nunca mais n?s esqueceremos o tio Barreiros, dormindo socegadamente junto dos patr?es, que primeiro nos tinham deixado.

Junho de 96.

SOLTEIR?O

SOLTEIR?O

A inesperada morte do velho doutor Mendes fez-me volver os olhos um bom par d'annos atraz--a quando criancita gulosa l? ia ver passar as prociss?es e beber a minha chicara de leite com sopas de biscoitos caseiros.

Essa morte rastejou-me na alma uma pequena sombra de melancolia, n?o que eu amasse muito esse velho nem que a sua falta seja desventura para alguem,--mas ? que os sinos, dobrando n'uma pardacenta tarde de fevereiro, s?o d'uma tamanha tristeza!...

Com uma persistencia dolorosa de choro, as badaladas succediam-se atirando para o espa?o os seus pesados lamentos--unicos que acompanharam o doutor Mendes na sua primeira noite d'al?m.

Morreu, pobre velho inutil, despertando apenas a ironica piedade que inspiram aquelles cuja alma subalternisada n?o soube crear uma familia nem chegou ? consciente bondade dos fortes.

Add to tbrJar First Page Next Page Prev Page

 

Back to top