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Read Ebook: A Filha do Arcediago Terceira Edição by Castelo Branco Camilo

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Ebook has 536 lines and 23417 words, and 11 pages

--Vai viajar?... Sua senhora j? o sabe?

--Ainda lh'o n?o disse.

--Pois ent?o... n?o lh'o diga... Salvo se tem motivos fortes para dizer-lh'o...

--N?o tenho alguns... Era simplesmente despedir-me...

--N'esse caso, eu encarrego-me de fazel-a sciente do seu adeus, e v. s.? de qualquer paiz lhe escrever?...

--Minha senhora... disp?e do meu quasi inutil prestimo?

--Empregue-o, que tem muito, em ser um digno marido da minha amiga, e um digno pae da menina que adopto como minha sobrinha. Al?m dos vinculos de parentesco que o prendiam a meu marido, ha outros mais consistentes que s?o os da amizade, que consagro a sua m?e.

........................................................................

Augusto Leite retirou-se. Maria Elisa, com o cora??o alvoro?ado de prazer, foi abra?ar Rosa, e exclamou, com quanto amor podia empregar na soffreguid?o d'um beijo: <>

Sigamos Augusto Leite, emquanto sua mulher e filha d?o a Maria Elisa a felicidade, que ella lhes remunera com afagos.

O jogador, febril de contentamento, entrou em sua casa, no Laranjal, disse algumas palavras a sua m?e, e mandou preparar a inseparavel mo?oila, que o acompanhava, na boa e m? fortuna, havia quatro annos.

Sahiu, e comprou uma jaqueta de pelles, uma faxa de s?da escarlate, chap?o de guizos, um par de pistolas, um cobrej?o, e dous cavallos de baixo pre?o.

Duas horas depois, a rapariga, encadernada n'umas andilhas, passava na Ramada-Alta, estrada de Vianna, e Augusto Leite, com pau de ch?pa debaixo da perna, esporeando o cavallo, ? laia de cigano, caminhava a par com ella.

Pernoitei ahi uma vez na minha vida. Comprehendi, no quarto que me deram, os supplicios do christ?o primitivo atirado ao circo. <> deveria ser, no imperio romano, um grito de prazer para o paganismo sanguinario, como o fatal <>

Era alta noite, e eu n?o podia transigir, dormindo, amigavelmente com a ferocidade dos insectos, se ? que n?o podemos chamar cetaceos ?quellas pulgas, de horrivel recorda??o. No sobrado immediato ao da possilga em que eu me contorcia nas vascas d'uma agonia de novo genero, rosnavam uma boa duzia de gallegas, que vinham da terra a visitarem os respectivos gallegos residentes no Porto.

Descompunham-se em raivosas apostrophes por causa das mantas, que algumas d'ellas monopolisavam com grave escandalo e frialdade das outras. Dos improperios passaram a vias de facto. Socaram-se, esgadanharam-se, revolveram-se, creio eu, como uma matilha de cadellas, e vieram de encontr?o ? porta do meu quarto, que n?o resistiu ao choque, e deixou entrar aquelle embrulho indecifravel de gorgonas em fralda de camisa, que me pareciam, ? luz morti?a da v?la, executarem uma dan?a macabra, uma mazurka de demonios!

Eu levantei-me em p? sobre o catre de pau castanho, pintado de amarello, e presenciei com os cabellos erri?ados o desfecho d'aquella tremenda lucta. O dono da estalagem, e o meu criado vieram protocolisar a desordem, distribuindo alguns murros indistinctamente, de que resultou a fuga desordenada das gallegas, para o seu arraial, ficando considerado o meu quarto campo neutro.

N'esse mesmo quarto, ?s duas horas da noite, tambem o senhor Augusto Leite recebeu uma inesperada visita; mas n?o de gallegas em guerra crua. Eram oito soldados de cavallaria, commandados por aquelle esturdio cadete, que o leitor conhece, e refor?ados por alguns meirinhos do corregedor, e um especial enviado do regedor das justi?as.

O judeu n?o ficou sabendo latim, mas conheceu varios artigos da nossa legisla??o, e aproveitou-se d'aquelle que o authorisava a perseguir o ladr?o.

Augusto Leite entrou em casa da condessa, quando ella voltava de reconhecer os seus diamantes. Um criado presenciou que ella algumas palavras lhe dissera, e o seu protegido respondeu a ellas, voltando as costas para nunca mais tornar. Os maledicentes quizeram inferir da generosidade da condessa, que o avisou, consequencias desfavoraveis para a honra d'ella. Como quer que fosse, Augusto fugiu de Lisboa, a p?, sem dinheiro, sem bagagem, com uma mulher ao lado, e assim vagou quatro mezes, n?o sabemos por onde, at? que o vimos entrar em casa da viuva de Antonio Jos? da Silva.

Tornemos agora a Casal de Pedro.

O enviado do regedor das justi?as bateu ? porta da estalagem, e perguntou que passageiros pernoitavam alli.

--Dous almocreves, o recoveiro de Vianna, um passageiro do Porto, com sua mulher, e um criado.

--Abra l? a porta--disse com a costumada intimativa o executor da lei.

Abertas as portas, os meirinhos encaminharam-se para o quarto do passageiro. Augusto Leite ouvira as perguntas. Salt?ra f?ra da cama para fugir, mas n?o conhecia um palmo da casa f?ra do seu quarto. Antonia Brites, companheira dos seus trabalhos, lembrou-se d'alguns sanctos, que conhecera na infancia, e incommodou-os com as suas ora??es. O antigo traductor de novellas n?o l?ra cousa que lhe servisse de modelo para similhante conflicto. Quiz precipitar-se da janella, mas viu na rua os cavallos em linha. Recuou diante d'um sacrificio inutil, e appellou para os extremos.

Os meirinhos entraram, e viram uma mulher de joelhos com as m?os erguidas, e um homem de semblante feroz com duas pistolas aperradas.

O estalajadeiro, que caminhava na frente com a candeia, fez dous passos ? rectaguarda, e declarou-se neutral. Os meirinhos, que tinham ? vida o amor suficiente para viverem oitenta annos mais, n?o foram mais adiante que o prudente estalajadeiro. Augusto conservou-se na postura amea?adora, fuzilando dos olhos um clar?o mais vivido que a candeia tremula do petrificado taverneiro.

Um dos meirinhos, emquanto os outros voltavam as costas, veio ? rua, e disse que o homem n?o era para gra?as. O cadete apeou, e subiu com dous soldados. Foi ? porta do quarto, e encontrou o athleta na sua immobilidade sinistra. Deu-lhe voz de pr?so, e viu que o ladr?o era surdo, ou rebelde ? lei.

--O melhor ? botar-lhe as unhas--murmurou um soldado.

Os outros soldados tinham subido, e atropellavam-se ? entrada do quarto. Augusto Leite, coberto de sangue, defendia-se debilmente com a ch?pa, que vencia o alcance das espadas. Os soldados, arrefecidos pelo aspecto dos dous camaradas mortos, n?o ousavam affrontar o a?o da ch?pa, que algumas vezes sentiram resvalar-lhe na farda, deixando-lhe na pelle um ligeiro ardor, que depois se exacerbava com a humidade do sangue.

O cadete, envergonhado da cobardia dos seus, diante d'um s? homem, entendeu que salvava a sua honra, desfechando uma clavina no peito de Augusto Leite. Ao desfechal-a viu interp?r-se-lhe um vulto. Era Antonia Brites, que vinha pedir-lhe de joelhos que n?o matasse Augusto. N?o chegou a pronunciar a primeira palavra. Recebeu a bala, que havia de matar o marido de Rosa, e cahiu pedindo confiss?o. Deus lhe levaria em desconto das suas culpas o bom desejo de reconciliar-se com o c?o, porque fechou os olhos antes de v?r o padre.

Augusto, impellido pelo instincto da vida, saltou da janella ao quinteiro com tal destreza, que as espadas n?o poderam tocar-lhe. O quinteiro estava deserto de homens, e os cavallos soltos entretinham a fome no tojo. A comitiva correu atropelladamente a impedir a fuga. Quando chegaram ao quinteiro, meirinhos e soldados, qual d'elles mais corajoso, o que viram foi um cavallo de menos, e na cal?ada fronteira as faiscas das ferraduras do que fugia. Alguns soldados quizeram montar; mas os cavallos assustados pelo salto de Augusto ao meio d'elles, n?o deixavam estribar, e jogavam de garupa com mau resultado para o meirinho geral, que perdeu ahi os tres unicos dentes que possuia.

--J? se n?o pilha!...--disse o cadete.

--Agora ? v?l-o ir--accrescentou um soldado.

--Vamos ao quarto tomar-lhe conta das malas--disse o enviado do regedor das justi?as.

Entraram no quarto. Abriram uma pequena mala de couro, e umas bolsas de hollandilha onde encontraram alguma roupa branca. Dinheiro, nem cinco reis. A volumosa carteira com tres contos menos duzentos mil reis, que o sobrinho do senhor Antonio Jos? da Silva gastara em cavallos e pistolas, e fato, levava-a elle no bolso da jaqueta de pelles.

De madrugada os executores da lei voltavam para o Porto, com os dous cavallos de Augusto Leite.

Os tres cadaveres foram enterrados no adro da igreja parochial, porque o vigario duvidou sepultal-os em sagrado, visto que n?o traziam signal de christ?os, como cruz, nominas, bentinhos, veronicas ou outro qualquer distinctivo da f? catholica.

O mestre de latim 1

A senhora Escolastica 1

O arcediago 1

Uma velha da viella do Cirne, cujo nome me n?o lembra 1

O senhor Antonio Jos? da Silva 1

Antonia Brites, amante de Augusto Leite 1

Dous soldados de cavallaria 2

Somma total 8

Continuar?o a morrer convenientemente.

Augusto Leite quando chegou ? Barca do Lago ia a p?. O cavallo cahira rebentado, e o cavalleiro desviou-se da estrada para curar os ferimentos que recebera na cabe?a. N?o lhe era difficil viver seguro em casa d'um lavrador, que foi largamente indemnisado do hospitaleiro acolhimento que deu ao passageiro, que, segundo elle, tinha cara de pessoa de bem. Vendeu-lhe a sua egua, encaminhou-o por atalhos seguros da vigilancia dos aguazis, e levou-o ? fronteira de Hespanha, curado das feridas, e salvo de encontros importunos. Ahi, foi facil ao foragido comprar um passaporte, que o levou a Madrid com o pseudonimo de D. Fernando Godinho Pereira Forjaz.

Chegado a Madrid, cortou as barbas, vestiu-se de trajes s?rios, apresentou-se como viajante, relacionou-se com a facilidade habitual em Hespanha, e entrou como portuguez distincto nas primeiras casas da capital. Encontrou ahi fidalgos portuguezes, que o n?o conheciam; mas respeitavam-no pelos appellidos, e n?o se recusavam a chamar-lhe primo, visto que os Pereiras Forjazes eram ramifica??o do heraldico tronco dos condes da Feira.

Augusto Leite jogou, e augmentou consideravelmente os seus haveres. Em alguns mezes alcan??ra uma publicidade que lhe n?o convinha. O seu nome era repetido de mais nos sal?es. As suas conquistas amorosas excitavam invejas e reservas vingativas que poderiam perdel-o. Augusto resolveu abandonar Hespanha, e procurar na sociedade mais ampla de Paris viver bem, sem excitar curiosidades funestas.

Em Paris deu-se como hespanhol, e era conhecido por D. Affonso Vilhegas. Fallava correntemente o hespanhol, associ?ra-se a uma partida de jogadores da sua patria adoptiva, e engrandecera o seu peculio, que j? subia a vinte contos de reis. O dinheiro de Maria Elisa f?ra aben?oado!

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