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Read Ebook: A correspondência de Fradique Mendes memórias e notas by Queir S E A De Mendes Carlos Fradique Contributor

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Ebook has 579 lines and 76485 words, and 12 pages

A CORRESPONDENCIA

Fradique Mendes

Obras do mesmo auctor:

No prelo:

E?a de Queiroz

A CORRESPONDENCIA

FRADIQUE MENDES

PORTO LIVRARIA CHARDRON De Lello & Irm?o, editores 1900

Pertence no Brazil o direito de propriedade d'esta obra ao cidad?o Francisco Alves, livreiro editor no Rio de Janeiro, que para a garantia que lhe offerece a lei n.^o 496 de 1 d'Agosto de 1898, fez o competente deposito na Bibliotheca nacional, segundo a determina??o do art. 13.^o da mesma Lei.

A CORRESPONDENCIA DE FRADIQUE MENDES

FRADIQUE MENDES

Et pourtant vous serez semblable ? cette ordure, A cette horrible infection, ?toile de mes yeux, soleil de ma nature, Vous, mon ange et ma passion!

Do outro lado do tabique sentiamos ranger as camas dos ecclesiasticos, o raspar espavorido de phosphoros. E eu, mais pallido, n'um extase tremente:

Alors, oh ma beaut?, dites ? la vermine Qui vous mangera de baisers, Que j'ai gard? la forme et l'essence divine De mes amours d?compos?s!

Certamente Baudelaire n?o valia este tremor e esta pallidez. Todo o culto sincero, por?m, tem uma belleza essencial, independente dos merecimentos do Deus para quem se evola. Duas m?os postas com legitima f? ser?o sempre tocantes--mesmo quando se ergam para um Santo t?o affectado e posti?o como S. Sime?o Stylita. E o nosso transporte era candido, genuinamente nascido do Ideal satisfeito, s? comparavel ?quelle que outr'ora invadia os navegadores peninsulares ao pisarem as terras nunca d'antes pisadas, Eldorados maravilhosos, ferteis em delicias e thesouros, onde os seixos das praias lhes pareciam logo diamantes a reluzir.

--Fradique? Se conhe?o o grande Fradique? ? meu parente! ? meu patricio! ? meu parceiro!

--Ainda bem, Vidigal, ainda bem!

A av?, tendo imparcialmente approvado estas embrulhadas linhas d'educac?o, decidiu de repente, quando Carlos completou dezeseis annos, mandal-o para Coimbra que ella considerava um nobre centro d'estudos classicos e o derradeiro refugio das Humanidades. Corria por?m na Ilha que a traductora de Klopstock, apesar dos sessenta annos que lhe revestiam a face d'um p?llo mais denso que a hera d'uma ruina, decidira afastar o neto--para casar com o bolieiro.

--Juro! gritou Vidigal, levantando a m?o veridica ?s acacias que nos cobriam.

E immediatamente, para demonstrar a verosimilhan?a d'aquella gloria, j? altissima para Fradique, contou-me outra, bem superior, e que cercava o estranho homem d'uma aureola mais refulgente. N?o se tratava j? de ser estimado por um homem excelso--mas, coisa preciosa entre todas, de ser amado por uma excelsa mulher. Pois bem! Durante dois annos, em Paris, Fradique f?ra o eleito de Anna de L?on, a gloriosa Anna de L?on, a mais culta e bella cortez? do Segundo Imperio, de que ella, pela gra?a especial da sua voluptuosidade intelligente, como Aspasia no seculo de Pericles, f?ra a express?o e a fl?r!

--Valeu? ?s duas, religiosamente, depois da missa!

Bateu-me o cora??o. Por fim, com um esfor?o, como Novalis no patamar d'Hegel, afiancei, pagando os sorvetes, que ao outro dia, ?s duas, religiosamente, mas sem missa, estaria no portal da Havaneza!

Gastei a noite preparando phrases, cheias de profundidade e belleza, para lan?ar a Fradique Mendes! Tendiam todas ? glorifica??o das Lapidarias. E lembro-me de ter, com amoroso cuidado, burilado e repolido esta:--<>

Marcos Vidigal j? me esperava, impaciente, roendo o charuto. Saltou para a tipoia; e batemos atrav?s do Loreto, que escaldava ao sol do agosto.

Na rua do Alecrim perguntei ao meu companheiro quando publicaria Fradique as Lapidarias. Por entre o barulho das rodas Vidigal gritou:

--Nunca!

--De modo que, rematou Vidigal, ? melhor n?o lhe fallares nas Lapidarias!

Sim! pensava eu. Talvez Fradique, ? maneira do chanceller Bacon e d'outros homens grandes pela ac??o, deseje esconder d'este mundo de materialidade e de for?a o seu fino genio poetico! Ou talvez essa ira, ao v?r o seu nome impresso debaixo de versos com que se orgulharia Lecomte de Lisle, seja a do artista nobremente e perpetuamente insatisfeito que n?o aceita ante os homens como sua a obra onde sente imperfei??es! Estes modos de ser, t?o superiores e novos, cahiam na minha admira??o como oleo n'uma fogueira. Ao pararmos no Central tremia d'acanhamento.

Senti um allivio quando o porteiro annunciou que o snr. Fradique Mendes, n'essa manh?, cedo, tom?ra uma caleche para Belem. Vidigal empallideceu, de desespero:

--Uma caleche! Para Belem!... Ha alguma coisa em Belem?

Murmurei, n'uma id?a d'Arte, que havia os Jeronymos. N'esse instante uma tipoia, lan?ada a trote, estacou na rua, com as pilecas fumegando. Um homem desceu, ligeiro e forte. Era Fradique Mendes.

Vidigal, alvoro?ado, apresentou-me como um <>. Elle adiantou a m?o sorrindo--m?o delicada e branca onde vermelhejava um rubi. Depois, acariciando o hombro do primo Marcos, abriu uma carta que lhe estendia o porteiro.

Trazia uma quinzena solta, d'uma fazenda preta e macia, igual ? das cal?as que cahiam sem um vinco: o collete de linho branco fechava por bot?es de coral pallido: e o la?o da gravata de setim negro, dando relevo ? alvura espelhada dos collarinhos quebrados, offerecia a perfei??o concisa que j? me encant?ra no seu verso.

Depois de l?r a carta, Fradique Mendes abriu os bra?os, n'um gesto desolado e risonho, implorando a misericordia de Vidigal. Tratava-se, como sempre, da Alfandega, fonte perenne das suas amarguras! Agora tinha l? encalhado um caixote, contendo uma mumia egypcia...

--Uma mumia...?

Pela escada, o poeta das Lapidarias alludiu ao torrido calor d'agosto. E eu que n'esse instante, defronte do espelho no patamar, revistava, com um olhar furtivo, a linha da minha sobrecasaca e a frescura da minha rosa--deixei estouvadamente escapar esta coisa hedionda:

--Sim, est? d'escachar!

E ainda o torpe som n?o morrera, j? uma afflic??o me lacerava, por esta <> de esquina de tabacaria assim atabalhoadamente lan?ada como um pingo de s?bo sobre o supremo artista das Lapidarias, o homem que convers?ra com Hugo ? beira-mar!... Entrei no quarto atordoado, com bagas de suor na face. E debalde rebuscava desesperadamente uma outra phrase sobre o calor, bem trabalhada, toda scintillante e nova! Nada! S? me acudiam sordidezes parallelas, em cal?o teimoso:--<>! <>! <>!... Atravessei alli uma d'essas angustias atrozes e grotescas, que, aos vinte annos, quando se come?a a vida e a litteratura, vincam a alma--e j?mais esquecem.

Felizmente Fradique desapparecera por traz d'um reposteiro de alcova. S?, limpando o suor, considerando que altos pensadores se exprimem assim, com uma simplicidade rude,--serenei. E ? perturba??o succedeu a curiosidade de descobrir em torno, pelo aposento, algum vestigio da originalidade intensa do homem que o habitava. Vi apenas can?adas cadeiras de reps azul-ferrete, um lustre embu?ado em tulle, e uma console, de altos p?s dourados, entre as duas janellas que respiravam para o rio. S?mente, sobre o marmore da console, e por meio dos livros que atulhavam uma velha mesa de pau preto, pousavam soberbos ramos de fl?res: e a um canto afofava-se um espa?oso divan, installado decerto por Fradique com colch?es sobrepostos, que dois cobrej?es orientaes revestiam de c?res estridentes. Errava al?m d'isso em toda a sala um aroma desconhecido, que tambem me pareceu oriental, como feito de rosas de Smyrna, mescladas a um fio de canella e mangerona.

Fradique Mendes volt?ra de dentro, vestido com uma cabaia chineza! Cabaia de mandarim, de s?da verde, bordada a fl?res de amendoeira--que me maravilhou e que me intimidou. Vi ent?o que tinha o cabello castanho-escuro, fino e levemente ondeado sobre a testa, mais polida e branca que os marfins de Normandia. E os olhos, banhados agora n'uma luz franca, n?o apresentavam aquella negrura profunda que eu compar?ra ao onyx, mas uma c?r quente de tabaco escuro da Havana. Accendeu uma cigarrette e ordenou a <> a um creado surprehendente, muito louro, muito grave, com uma perola espetada na gravata, largas cal?as de xadrez verde e preto, e o peito florido por tres cravos amarellos! . O meu enleio crescia. Por fim Fradique murmurou, sorrindo, com sincera sympathia:

--Aquelle Marcos ? uma fl?r!

Ao mesmo tempo julgava humilhante ter soltado apenas, n'aquella conversa??o com o familiar de Mazzini e d'Hugo, miudos reparos sobre o Pedro Penedo e o carrasc?o das Cam?las. E na justa ambi??o de deslumbrar Fradique com um resumo critico, provando as minhas finas letras, recorri ? phrase, ? lapidada phrase, sobre a f?rma do seu verso. Sorrindo, retorcendo o bu?o, murmurei:--<> Subitamente, ? porta que se abrira com estrondo, surgiu Vidigal:

--Tudo prompto! gritou. Despachei o defunto!

O ministro, homem de poesia, e de eloquencia, interess?ra-se francamente por aquella mumia d'um <>, e jur?ra logo poupar-lhe o opprobrio de ser tarifada como peixe salgado. S. exc.^a tinha mesmo ajuntado:--<> E logo de manh? Pentaour deixaria a Alfandega, de tipoia!

Tudo perdido! Perdida a minha gardenia, perdida a immundicie estoica do meu camarada! O snr. Fradique Mendes partira na vespera n'um vapor que ia buscar bois a Marrocos.

Galguei os degraus do terra?o, lan?ando o nome de Fradique, por entre um riso de transbordante prazer. Sem desarranjar a sua beatitude, elle descruzou apenas um bra?o que me estendeu com lentid?o. O encanto do seu acolhimento esteve na facilidade com que me reconheceu, sob as minhas lunetas azues, e o meu vasto chap?o panam?:

--<>

Todo o sol do Mar Vermelho e das planicies do Euphrates n?o lhe tost?ra a pelle lactea. Trazia, exactamente como no Hotel Central, uma larga quinzena preta e um collete branco fechado por bot?es de coral. E o la?o da gravata de setim negro representava bem, n'aquella terra de roupagens soltas e rutilantes, a precis?o formalista das id?as occidentaes.

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