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Read Ebook: A correspondência de Fradique Mendes memórias e notas by Queir S E A De Mendes Carlos Fradique Contributor

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Ebook has 579 lines and 76485 words, and 12 pages

Todo o sol do Mar Vermelho e das planicies do Euphrates n?o lhe tost?ra a pelle lactea. Trazia, exactamente como no Hotel Central, uma larga quinzena preta e um collete branco fechado por bot?es de coral. E o la?o da gravata de setim negro representava bem, n'aquella terra de roupagens soltas e rutilantes, a precis?o formalista das id?as occidentaes.

Perguntou-me pela pachorrenta Lisboa, por Vidigal que burocratisava entre os palmares brahmanicos... Depois, como eu continuava a esfregar o suor e o p?, aconselhou que me purificasse n'um banho turco, na piscina que fica ao p? da Mesquita de El-Monyed, e que repousasse toda a tarde, para percorrermos ? noite as illumina??es do Beiram.

Mas em logar de descan?ar, depois do banho lustral, tentei ainda, ao trote d?ce de um burro, atrav?s da poeira quente do deserto libyco, visitar f?ra do Cairo as sepulturas dos Kalifas. Quando ? noite, na sala do Sheperd, me sentei diante da sopa de <>, a fadiga tir?ra-me o animo de pasmar para outras maravilhas musulmanas. O que me appetecia era o leito fresco, no meu quarto forrado de esteiras, onde t?o romanticamente se ouviam cantar no jardim as fontes entre os rosaes.

Fradique Mendes j? estava jantando, n'uma mesa onde flammejava, entre as luzes, um ramo enorme de cactos. Ao seu lado pousava de leve, sobre um escabello mourisco, uma senhora, vestida de branco, a quem eu s? via a massa esplendida dos cabellos louros, e as costas, perfeitas e graciosas, como as d'uma estatua de Praxiteles que usasse um collete de Madame Marcel; defronte, n'uma cadeira de bra?os, alastrava-se um homem gordo e molle, cuja vasta face, de barbas encaracoladas, cheia de for?a tranquilla como a de um Jupiter, eu j? decerto encontr?ra algures, ou viva ou em marmore. E cahi logo n'esta preoccupa??o. Em que rua, em que museu admir?ra eu j? aquelle rosto olympico, onde apenas a fadiga do olhar, sob as palpebras pesadas, trahia a argilla mortal?

Fradique sent?ra-se, recebendo, de Jove e da Nympha que passavam, um sorriso cuja do?ura tambem me envolveu. Vivamente puxei a cadeira para o poeta das Lapidarias:

--Quem ? este homem? Conhe?o-lhe a cara...

--Naturalmente, de gravuras... ? Gautier!

--Em todo o caso, accrescentou o originalissimo homem, nunca esquecerei, meu caro patricio, a sua encantadora inten??o!

--? um Ulema de Bagdad, disse Fradique, d'uma casta antiga, superiormente intelligente... Uma das personalidades mais finas e mais seductoras que encontrei na Persia!

N?o recordo, depois de tantos annos, se estes eram os factos certos. S? sei que as revela??es de Fradique, lan?adas assim atrav?s do Cairo em festa, me impressionaram indizivelmente. ? medida que elle fallava do Bab, d'essa miss?o apostolica ao velho Sheik de Thebas, de uma outra f? surgindo no mundo musulmano com o seu cortejo de martyrios e d'extasis, da possivel funda??o de um imperio Babista--o homem tomava aos meus olhos propor??es grandiosas. N?o conhecera j?mais ninguem envolvido em coisas t?o altas: e sentia-me ao mesmo tempo orgulhoso e aterrado de receber este segredo sublime. Outra n?o seria minha commo??o, se, nas vesperas de S. Paulo embarcar para a Grecia, a levar a Palavra aos gentilicos, eu tivesse com elle passeado pelas ruas estreitas de Seleucia, ouvindo-lhe as esperan?as e os sonhos!

--De sorte, murmurei, que o Oriente...

--Est? t?o mediocre como o Occidente.

E recolhemos ao hotel, devagar, emquanto Fradique, findando o charuto, me contava que o espirito oriental, hoje, vive s? da actividade philosophica, agitado cada manh? por uma nova e complicada concep??o da Moral, que lhe offerecem os Logicos dos bazares e os Metaphysicos do deserto...

Durante annos n?o tornei a encontrar Fradique Mendes, que concentr?ra as suas jornadas dentro da Europa Occidental--emquanto eu errava pela America, pelas Antilhas, pelas republicas do golfo do Mexico. E quando a minha vida emfim se aquietou n'um velho condado rural de Inglaterra, Fradique, retomado por essa <> a que elle allude n'uma carta a Oliveira Martins, come?ava a sua longa viagem ao Brazil, aos Pampas, ao Chili e ? Patagonia.

Mas o fio de sympathia, que nos unira no Cairo, n?o se partiu; nem n?s, apesar de t?o tenue, o deix?mos perder por entre os interesses mais fortes das nossas fortunas desencontradas. Quasi todos os tres mezes trocavamos uma carta--cinco ou seis folhas de papel que eu tumultuosamente atulhava de imagens e impress?es, e que Fradique miudamente enchia de id?as e de factos. Al?m d'isto, eu sabia de Fradique por alguns dos meus camaradas, com quem, durante uma residencia mais intima em Lisboa, do outono de 1875 ao ver?o de 1876, elle cre?ra amizades onde todos encontraram proveito intellectual e encanto.

--N?o lhe acabei de dizer ha pouco... A Sciencia, meu caro, tem de ser recolhida como outr'ora aos Santuarios. N?o ha outro meio de nos salvar da anarchia moral. Tem de ser recolhida aos Santuarios, e entregue a um sacro collegio intellectual que a guarde, que a defenda contra as curiosidades das plebes... Ha a fazer com esta id?a um programma para as gera??es novas!

Talvez na face, se eu tivesse reparado, encontrasse restos de pallidez e de emo??o: mas o tom era simples, firme, d'um critico genuinamente occupado na deduc??o do seu conceito. Outro homem que, como aquelle, tivesse soffrido horas antes uma desillus?o t?o mortificante e rude, murmuraria ao menos, n'um desafogo generico e impessoal:--<> Elle fallou da Sciencia e das Plebes,--desenrolando determinadamente diante de mim, ou impondo talvez a si mesmo, os raciocinios do seu cerebro, para que os meus olhos n?o penetrassem de leve, ou os seus n?o se detivessem demais, nas amarguras do seu cora??o.

Raros soffrem estas angustias criticas do desditoso Cornuski. Todos por?m, com risonha inconsciencia, praticam o seu servilismo intellectual. J?, com effeito, porque o nosso espirito n?o possua a viril coragem de affrontar a auctoridade d'aquelles a quem tradicionalmente attribue um criterio mais firme e um saber mais alto; j? porque as id?as estabelecidas, fluctuando diffusamente na nossa memoria, depois de leituras e conversas, nos pare?am ser as nossas proprias; j? porque a suggest?o d'esses conceitos se imponha e nos leve subtilmente a concluir em concordancia com elles--a lamentavel verdade ? que hoje todos n?s servilmente tendemos a pensar e sentir como antes de n?s e em torno de n?s j? se sentiu ou pensou.

Certamente, n?o conhe?o mais completa defini??o d'Arte! E com raz?o affirmava um amigo nosso, homem de excellente phantasia, que <>

A superior intelligencia de Fradique tinha o apoio de uma cultura forte e rica. J? os seus instrumentos de saber eram consideraveis. Al?m d'um solido conhecimento das linguas classicas --possuia profundamente os idiomas das tres grandes na??es pensantes, a Fran?a, a Inglaterra e a Allemanha. Conhecia tambem o arabe, que fallava com abundancia e gosto.

Quando come?ou por?m a nossa intimidade, em 1880, o seu inquieto espirito mergulhava de preferencia nas sciencias sociaes, aquellas sobretudo que pertencem ? Pre-historia--a Anthropologia, a Linguistica, o estudo das Ra?as, dos Mythos e das Institui??es Primitivas. Quasi todos os tres mezes, altas rumas de livros enviadas da casa Hachette, densas camadas de Revistas especiaes, alastrando o tapete de Caramania, indicavam-me que uma nova curiosidade se apoder?ra d'elle com intensidade e paix?o. Conheci-o assim successiva e ardentemente occupado com os monumentos megalithicos da Andaluzia; com as habita??es lacustres; com a mythologia dos povos Aryanos; com a magia Chaldaica; com as ra?as Polynesias; com o direito costumario dos Cafres; com a christianisa??o dos Deuses Pag?os... Estas aferradas investiga??es duravam emquanto podia extrahir d'ellas <>. Depois, um dia, Revistas e volumes desappareciam, e Fradique annunciava triumphalmente alargando os passos alegres por sobre o tapete livre:--<>, ou <>

N'essa mesma carta, adiante, Fradique accrescenta:--<> Amigo meu, n?o despreze a bisbilhotice! Ella ? um impulso humano, de latitude infinita, que, como todos, vai do reles ao sublime. Por um lado leva a escutar ?s portas--e pelo outro a descobrir a America!>>

O saber historico de Fradique surprehendia realmente pela amplexidade e pelo detalhe. Um amigo nosso exclamava um dia, com essa ironia affavel que nos homens de ra?a celtica sublinha e corrige a admira??o:--<> Com effeito, a sua forte capacidade de comprehender philosophicamente os movimentos collectivos, o seu fino poder de evocar psychologicamente os caracteres individuaes--alliava-se n'elle a um minucioso saber archeologico da vida, das maneiras, dos trajes, das armas, das festas, dos ritos de todas as idades, desde a India Vedica at? ? Fran?a Imperial. As suas cartas a Oliveira Martins s?o verdadeiras maravilhas pela sagaz intui??o, a alta potencia synthetica, a certeza do saber, a for?a e a abundancia das id?as novas. E, por outro lado, a sua erudi??o archeologica repetidamente esclareceu e auxiliou, na sabia composi??o das suas telas, o paciente e fino reconstructor dos Costumes e das Maneiras da Antiguidade Classica, o velho Suma-Rab?ma. Assim m'o confessou uma tarde Suma-Rab?ma, regando as roseiras, no seu jardim de Chelsea.

Desde 1880 os seus movimentos pouco a pouco se concentraram entre Paris e Londres--com excep??o das <> a Portugal: porque, apesar da sua dispers?o pelo mundo, da sua facilidade em se nacionalisar nas terras alheias, e da sua impersonalidade critica, Fradique foi sempre um genuino Portuguez com irradicaveis tra?os de fidalgo ilh?o.

Sempre que vinha a Portugal ia <> percorrendo uma provincia, lentamente, a cavallo--com demoras em villas decrepitas que o encantavam, infindaveis cavaqueiras ? lareira dos campos, fraternisa??es ruidosas nos adros e nas tavernas, idas festivas a romarias no carro de bois, no vetusto e veneravel carro sabino, toldado de chita, enfeitado de louro. A sua regi?o preferida era o Ribatejo, a terra ch? da leziria e do boi. <>.

Fradique nutria pelos politicos todos os horrores, os mais injustificados: horror intellectual, julgando-os incultos, broncos, inaptos absolutamente para crear ou comprehender id?as; horror mundano, presuppondo-os reles, de maneiras crassas, improprios para se misturar a naturezas de gosto; horror physico, imaginando que nunca se lavavam, rarissimamente mudavam de meias, e que d'elles provinha esse cheiro morno e molle que tanto surprehende e enoja em S. Bento aos que d'elle n?o t?m o habito profissional.

Havia n'estas ferozes opini?es, certamente, laivos de perfeita verdade. Mas em geral, os juizos de Fradique sobre a Politica offereciam o cunho d'um preconceito que dogmatisa--e n?o d'uma observa??o que discrimina. Assim lh'o affirmava eu uma manh?, no Braganza, mostrando que todas essas deficiencias de espirito, de cultura, de maneiras, de gosto, de finura, t?o acerbamente notadas por elle nos Politicos--se explicam sufficientemente pela precipitada democratisa??o da nossa sociedade; pela rasteira vulgaridade da vida provincial; pelas influencias abominaveis da Universidade; e ainda por intimas raz?es que s?o no fundo honrosas para esses desgra?ados Politicos, votados por um fado vingador ? destrui??o da nossa terra.

Fradique replicou simplesmente:

--Se um rato morto me disser,--<>,--eu nem por isso deixo de o mandar varrer do meu quarto.

S? uma occasi?o, n'esta especialidade consideravel, o vi plenamente satisfeito. Foi n'uma taverna da Mouraria , diante d'um prato complicado e profundo de bacalhau, pimentos e gr?o de bico. Para o gozar com coherencia Fradique despiu a sobrecasaca. E como um de n?s lan??ra casualmente o nome de Renan, ao atacarmos o piteu sem igual, Fradique protestou com paix?o:

--Nada de id?as! Deixem-me saborear esta bacalhoada, em perfeita innocencia de espirito, como no tempo do Senhor D. Jo?o V, antes da Democracia e da Critica!

A saudade do velho Portugal era n'elle constante: e considerava que, por ter perdido esse typo de civilisa??o intensamente original, o mundo fic?ra diminuido. Este amor do passado revivia n'elle, bem curiosamente, quando via realisados em Lisboa, com uma inspira??o original, o luxo e o <> intelligente das civilisa??es mais saturadas de cultura e perfeitas em gosto. A derradeira vez que o encontrei em Lisboa foi no Rato--n'uma festa de raro e delicado brilho. Fradique parecia desolado:

--Em Paris, affirmava elle, a duqueza de La Rochefoucauld-Bisaccia p?de dar uma festa igual: e para isto n?o me valia a pena ter feito a quarentena em Marv?o! Supponha por?m voss? que eu vinha achar aqui um sarau do tempo da Senhora D. Maria I, em casa dos Marialvas, com fidalgas sentadas em esteiras, frades tocando o lundum no bandolim, desembargadores pedindo mote, e os lacaios no pateo, entre os mendigos, rezando em c?ro a ladainha!... Ahi estava uma coisa unica, deliciosa, pela qual se podia fazer a viagem de Paris a Lisboa em liteira!

Um dia que jantavamos em casa de Carlos Mayer, e que Fradique lamentava, com melancolica sinceridade, o velho Portugal fidalgo e fradesco do tempo do snr. D. Jo?o V--Ramalho Ortig?o n?o se conteve:

Fradique volveu serenamente:

--Era bem mais digno e bem mais patriotico que em logar de vos v?r aqui, a v?s, homens de letras, esticados nas gravatas e nas id?as que toda a Europa usa, vos encontrasse de cabelleira e rabicho, com as velhas algibeiras da casaca de s?da cheias d'odes shaphicas, encolhidinhos no salutar terror d'El-Rei e do Diabo, rondando os pateos da casa de Marialva ou d'Aveiro, ? espera que os senhores, de cima, depois de dadas as gra?as, vos mandassem por um pretinho, os restos do per? e o mote. Tudo isso seria dignamente portuguez, e sincero; v?s n?o merecieis melhor; e a vida n?o ? possivel sem um bocado de pittoresco depois do almo?o.

Com effeito, n'esta saudade de Fradique pelo Portugal antigo, havia amor do <>, estranho n'um homem t?o subjectivo e intellectual: mas sobretudo havia o odio a esta universal modernisa??o que reduz todos os costumes, cren?as, id?as, gostos, modos, os mais ingenitos e mais originalmente proprios, a um typo uniforme --com a monotonia com que o chinez apara todas as arvores d'um jardim, at? lhes dar a f?rma unica e dogmatica de pyramide ou de vaso funerario.

Bem barbeado, bem informado, Fradique mergulhava n'um banho ligeiramente tepido, d'onde voltava para as m?os vigorosas de Smith, que, com um jogo de luvas de l?, de flanella, d'estopa, de clina e de pelle de tigre, o friccionava at? que o corpo todo se lhe tornasse, como o de Apollo, <>. Tomava ent?o o seu chocolate; e recolhia ? bibliotheca, sala s?ria e simples, onde uma imagem da Verdade, radiosamente branca na sua nudez de marmore, pousava o dedo subtil sobre os labios puros, symbolisando, em frente ? vasta mesa de ?bano, um trabalho todo intimo ? busca de verdades que n?o s?o para o ruido e para o mundo.

A influencia d'este <> foi suprema na sua existencia. Fradique amou mulheres; mas f?ra d'essas, e sobre todas as coisas, amava a Mulher.

A sua conducta para com as mulheres era governada conjuntamente por devo??es de espiritualista, por curiosidades de critico, e por exigencias de sanguineo. ? maneira dos sentimentaes da Restaura??o, Fradique considerava-as como <> superiores, divinamente complicados, differentes e mais proprios de adora??o do que tudo o que offerece a Natureza: ao mesmo tempo, atrav?s d'este culto, ia dissecando e estudando esses <>, fibra a fibra, sem respeito, por paix?o de analysta; e frequentemente o critico e o enthusiasta desappareciam para s? restar n'elle um homem amando a mulher, na simples e boa lei natural, como os Faunos amavam as Nymphas.

As mulheres, al?m d'isso, estavam para elle classificadas em especies. Havia a <>, fl?r de luxo e de mundanismo culto: e havia a <>, a que guarda o lar, diante da qual, qualquer que fosse o seu brilho, Fradique conservava um tom penetrado de respeito, excluindo toda a investiga??o experimental. <>. Na presen?a, por?m, d'aquellas que se <> e vivem todas no ruido e na phantasia, Fradique achava-se t?o livre e t?o irresponsavel como perante um volume impresso. <>.

Seriam estas subtilezas as d'um homem que theorisa e idealisa o seu temperamento de carrej?o para o tornar litterariamente interessante? N?o sei. O commentario mais instructivo das suas theorias dava-o elle, visto n'uma sala, entre <>. Certas mulheres muito voluptuosas, quando escutam um homem que as perturba, abrem insensivelmente os labios. Em Fradique eram os olhos que se alargavam. Tinha-os pequenos e c?r de tabaco: mas junto d'uma d'essas mulheres de exterior, <>, tornavam-se-lhe immensos, cheios de luz negra, avelludados, quasi humidos. A velha lady Mongrave comparava-os <>. Havia alli com effeito um acto de allicia??o e de absorp??o--mas havia sobretudo a evidencia da perturba??o e do encanto que o inundavam. N'essa atten??o de beato diante da Virgem, no murmurio quente da voz mais amollecedora que um ar de estufa, no humedecimento enleado dos seus olhos finos,--as mulheres viam apenas a influencia omnipotentemente vencedora das suas gra?as de F?rma e d'Alma sobre um homem esplendidamente viril. Ora nenhum homem mais perigoso do que aquelle que d? sempre ?s mulheres a impress?o clara, quasi tangivel--de que ellas s?o irresistiveis, e subjugam o cora??o mais rebelde s? com mover os hombros lentos ou murmurar <> Quem se mostra facilmente seduzido--facilmente se torna seductor. ? a lenda india, t?o sagaz e real, do espelho encantado em que a velha Maharina se via radiosamente bella. Para obter e reter esse espelho, em que com tanto esplendor se reflecte a sua pelle engilhada--que peccados e que trai??es n?o commetter? a Maharina?...

Creio, pois, que Fradique foi profundamente amado, e que magnificamente o mereceu. As mulheres encontravam n'elle esse s?r, raro entre os homens--um Homem. E para ellas Fradique possuia esta superioridade inestimavel, quasi unica na nossa gera??o--uma alma extremamente sensivel, servida por um corpo extremamente forte.

A forte express?o de virtude que n'elle logo me impressionou foi a sua incondicional e irrestricta indulgencia. Ou por uma conclus?o da sua philosophia, ou por uma inspira??o da sua natureza--Fradique, perante o peccado e o delicto, tendia ?quella velha misericordia evangelica que, consciente da universal fragilidade, pergunta d'onde se erguer? a m?o bastante pura para arremessar a primeira pedra ao erro. Em toda a culpa elle via a irremediavel fraqueza humana: e o seu perd?o subia logo do fundo d'essa Piedade que jazia na sua alma, como manancial d'agua pura em terra rica, sempre prompto a brotar.

A sua bondade, por?m, n?o se limitava a esta express?o passiva. Toda a desgra?a, desde a amargura limitada e tangivel que passa na rua, at? ? vasta e esparsa miseria que com a for?a d'um elemento devasta classes e ra?as, teve n'elle um consolador diligente e real. S?o d'elle, e escriptas nos derradeiros annos estas nobres palavras:--<> Que, na tumultuosa caminhada, portanto, onde passos sem conta se misturam--cada um ceda metade do seu p?o ?quelle que tem fome; estenda metade do seu manto ?quelle que tem frio; acuda com o bra?o ?quelle que vai trope?ar; poupe o corpo d'aquelle que j? tombou; e se algum mais bem provido e seguro para o caminho necessitar apenas sympathia d'almas, que as almas se abram para elle transbordando d'essa sympathia... S? assim conseguiremos dar alguma belleza e alguma dignidade a esta escura debandada para a Morte>>.

Decerto Fradique n?o era um santo militante, rebuscando pelas viellas miserias a resgatar: mas nunca houve mal, por elle conhecido, que d'elle n?o recebesse allivio. Sempre que lia por acaso, n'um jornal, uma calamidade ou uma indigencia, marcava a noticia com um tra?o a lapis, lan?ando ao lado um algarismo--que indicava ao velho Smith o numero de libras que devia remetter, sem publicidade, pudicamente. A sua maxima para com os pobres --era <>. As crean?as, sobretudo quando necessitadas, inspiravam-lhe um enternecimento infinito; e era d'estes, singularmente raros, que encontrando, n'um agreste dia de inverno, um pequenino que pede, tranzido de frio--param sob a chuva e sob o vento, desapertam pacientemente o paletot, descal?am pacientemente a luva, para vasculhar no fundo da algibeira, ? procura da moeda de prata que vai ser o calor e o p?o d'um dia.

Nos ultimos tempos, preoccupava-o sobretudo a miseria das classes--por sentir que n'estas Democracias industriaes e materialistas, furiosamente empenhadas na lucta pelo p?o egoista, as almas cada dia se tornam mais s?ccas e menos capazes de piedade. <>

--Era necessario que viesse outro Christo! murmurei eu um dia.

Fradique encolheu os hombros:

--Ha de vir; ha de talvez libertar os escravos; ha de ter por isso a sua igreja e a sua liturgia; e depois ha de ser negado; e mais tarde ha de ser esquecido; e por fim h?o de surgir novas turbas de escravos. N?o ha nada a fazer. O que resta a cada um por prudencia ? reunir um peculio e adquirir um revolwer; e aos seus semelhantes que lhe baterem ? porta, dar, segundo as circumstancias, ou p?o ou bala.

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