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Read Ebook: O Christão novo Romance Historico do Seculo XVI by Macedo Diogo De

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Ebook has 723 lines and 28964 words, and 15 pages

O CHRIST?O NOVO

PORTO IMPRENSA PORTUGUESA Rua do Bomjardim, 181 1876

O CHRIST?O NOVO

O CHRIST?O NOVO

PORTO IMPRENSA PORTUGUESA Rua do Bomjardim, 181 1876

ALGUMAS PALAVRAS

O CHRIST?O NOVO

CIUMES DE UM REI

Por uma das mais somnolentas e placidas noites dos fins de outubro de 1553, no desv?o de esguia janella do palacio dos nossos reis estava casual ou intencionalmente encoberto pelas dobras de soberba cortina de rendas de Flandres um personagem vestido com gib?o de veludo preto.

Usava elle de curta cabelladura c?r de castanha e n?o inculcava mais de cincoenta annos de idade. Em volta do pesco?o alvejava-lhe uma das amplas gorgueiras encanudadas que, na frase picaresca de um novellista espanhol, davam ? cabe?a o irrisorio aspecto de um mel?o collocado em cima de um prato de porcelana branca. Pronunciava-se-lhe bem um nariz em demasia grosso, era baixo da corporatura como qualquer burguez e parecia refor?ado dos musculos como um legitimo descendente de Hercules.

Para melhormente sobresairem as tintas: <>

Dominava-o finalmente a prurigem da impaciencia ou da curiosidade. Translusiam-lhe no rosto arredondado a fei??o sombria do seu caracter e no sorriso confrangido a indecisa severidade do seu genio. Algum acontecimento inesperado lhe impressionara sobremaneira o espirito e certamente era essa uma das mais criticas situa??es a que submettera a sua delicada sensibilidade.

Nada com effeito de mais critica e extraordinaria situa??o.

--Que nunca eu mere?a o vosso desdem, exprimia-se elle com accento de ternura e de respeito. Confio nos sentimentos do vosso cora??o e da vossa nobresa, senhora. A n?o depositar nas vossas m?os a redoma das minhas esperan?as, teria levado o meu corpo ? defens?o da pra?a de Arzilla ou das heroicas muralhas de Dio...

--Socegae, Dom Prior. Nada de perder o animo. Bem sabeis que de pouco serve o meu valimento; mas ainda assim me decidirei quanto possa em vosso auxilio.

--? tudo o que vos supplico, porque sei que nada vos recusa el-rei...

--Em pouco mais pensa el-rei do que no zelo da religi?o e no culto de Deus. As nossas pra?as de Africa v?o sendo abandonadas pelas lan?as dos portugueses e fracos s?o os refor?os de soldados e muni??es com que se acode aos ricos dominios das Indias. Escuta l? el-rei os meus conselhos!

--A quem ha de ouvir sen?o a v?s, senhora?

--Attende em mais e em tudo o reverendo Sim?o Rodrigues e esse terrivel prelado Jo?o Soares. Elle n?o conhece outro amor que n?o seja a puresa da f? e n?o respeita outros homens que n?o sejam os jesuitas... Amor do povo e da patria como o nutriam em seus heroicos seios seu pai e av? Dom Manoel e Dom Jo?o! J?mais esses bons monarchas offenderam a religi?o de Christo e sempre todavia se cumularam de gloria sem tribuanes de inquisi??o e sem ordens de jesuitas...

--N?o vos tacharei de injusta por n?o faltar-vos ao respeito, senhora minha. Certo ? que Dom Jo?o presta ouvidos a Sim?o Rodrigues, criou o venerando collegio de Coimbra, estabeleceu em nossos reinos a mesa do Santo Officio e toda a sua alma se affervora no zelo da religi?o catholica; mas todas essas virtudes s?o effeito de piedade e n?o de falta de civica devo??o. Ama tanto a fortuna dos filhos de Loyola e dos discipulos de Torquemada como o bem dos seus vassallos...

--N?o que o n?o fadaram os c?us com a vossa indole, Dom Luiz. Por estas lagrimas o digo, accrescentou levando o len?o aos olhos. Que differen?a tam grande entre irm?o e irm?o! A v?s n?o vos fallece galantaria nem juiso. Sois valente e generoso a um tempo. Todos vos apontam como enlevo das damas, captivaes as affei??es do povo e mereceis a estima??o dos mais esfor?ados cavalleiros da c?rte...

--N?o me lisongeeis assim, que podem escutar-vos e de mim curtirem ciumes.

--Ninguem me culpar? perante Deus nem perante os homens. Sabe de sobejo meu esposo quaes s?o os meus sentimentos a seu respeito. Amor com amor se paga e por isso n?o deve tomar a mal que lhe eu pague com indifferen?a as suas frias indifferen?as.

--Julgo que nada padecereis, senhora. Mas fallo por mim...

Ainda n?o eram concluidas taes palavras quando de repente a cortina se desvenda e o personagem que se conservara achegado ao peitoril da janella se adianta com passo grave.

Parecia, embora a frase tenha laivos de sedi?a, a estatua severa do Commendador. Era agora, ao contrario das c?res naturaes, pallido e altivo do rosto. Dos grossos labios desferia um sorriso de neve. Dos seus olhos entre verdes e asues dardejava um lampejo de indigna??o que devera ferir como o raio.

Talvez se esperasse a tremenda explos?o de colera por muitos dias sopitada. Entretanto o grave personagem declarou com serenidade:

--Nada receeis, meu nobre irm?o...

Era para Dom Luiz das mais solemnes e apertadas semelhante situa??o. Antes mil veses se quisera em luta encarni?ada com os mouros de Asamor ou com as hordas do samorim de Calicut. Dom Luiz de Beja, Prior do Crato, digno infante de Portugal e esfor?ado filho de Dom Manuel foi havido sempre no consenso publico por cavalleiro valeroso e destemido. Em provas de coragem n?o no excederam os Pachecos nem os Albuquerques e ninguem com mais galhardia soube ainda no officio das armas brandir uma lan?a ou empunhar uma espada. D'elle recontam chronistas e historiadores que principe nenhum soube dar-se ao respeito melhormente ou faser em sua vida com que o amassem tanto. <

<

<>. Obedeceu Dom Diogo das Torres e cuidou de offerecer-lh'a. Tomando-a ent?o e pondo a cor?a na cabe?a encantadora, ella lhe disse: <>

Mas agora a conjunctura n?o demandava feitos de valor nem proesas de galanteria. Atrevera-se Dom Luiz entrar a s?s em aposentos que apenas n?o eram vedados ? pessoa do monarcha portuguez: a alcova nupcial de Catharina de Austria, essa virtuosa irman do Cesar das Espanhas, o victorioso imperador Carlos V!

Mal decorreram alguns instantes quando se voltou el-rei para sua esposa a diser-lhe pausadamente e com um sorriso glacial:

--Deveis desculpar-me, senhora, o vir interromper-vos nos vossos galanteios. Por Deus que vos dou uma li??o que vos deve servir para de outra vez terdes em mais recato o pudor e a honra de uma rainha; mas sempre se desculpam os maus humores de um esposo e por isso espero de v?s que n?o tomeis a mal a minha presen?a.

--Jamais tive galanteios que n?o fossem para v?s, senhor meu esposo!

Sorriu o monarcha d'esta vez com aquelle sorriso contrafeito que lhe era peculiar e por ventura se dispunha a retorquir em termos de menos restricta etiqueta quando o infante se lhe dirige assim:

--Assaz vos hei provado, meu irm?o e senhor, a for?a da minha lealdade e o quilate da minha honradez. Sabei que junto da camara de vossa altesa n?o me trouxeram galanteios. Antes retalhara o cora??o com o gume da minha espada do que faltar algum dia ? fidelidade e ?s homenagens que a v?s e a ella vos devo. Miss?o de outra naturesa me guiou ? presen?a da esposa de vossa altesa serenissima. Vim pedir-lhe, senhor, que vos amolgue o genio ? compaix?o e vos decida a resgatar a honra de Dona Violante Gomes...

--Insensato que sois, meu irm?o! Violante Gomes talvez algum dia venha a ser vossa esposa; mas juro-vos... juro-vos que, em quanto eu viva, nunca Dom Jo?o consentir? que uma barregan se associe ? familia dos monarchas de Portugal!

Inesperadamente assomou um vislumbre de colera ?s faces amarellecidas do infante. Pouco lhe quedaria para se esquecer da obediencia que jurara a el-rei, quando Catharina de Austria adianta dous passos e se colloca de permeio como decidida a conjurar a tempestade.

--? de justi?a, aventurou-se a interceder, o que vos implora o infante Dom Luiz. Far? o vosso rigor com que mais se deva tomar-vos por tiranno que por monarcha. Elle falla em nome da humanidade e da honra, duas virtudes que o vosso espirito n?o poder? desconhecer nem p?de repulsar. Por isso n?o vos merece a resposta do orgulho e do fanatismo...

--Diseis bem, applaudiu Dom Jo?o com modos brandos e com uma indefinivel express?o que s? elle e Machiavelo sabiam fingir. Diseis bem; mas esses negocios ficam para mais tarde. Veremos se elles interessam ao esplendor da religi?o e ao bem do estado.

Estendendo depois o bra?o para a porta do aposento, pareceu indicar a Dom Luiz que era chegado o desfecho da entrevista.

Dom Luiz de Beja, baixando a cabe?a e n?o arredando os olhos do ch?o, dirigiu-se machinalmente para a porta e se retirou em completo silencio.

Nasceu a 2 de janeiro de 1502.

OS REIS N?O COSTUMAM PERDOAR AS OFFENSAS RECEBIDAS

--Tomae cuidado. Os reis n?o costumam perdoar as offensas que recebem.

Ao misterioso aviso quasi que Dom Luiz n?o prestara ouvidos. Embu?ando-se cautelosamente na sua fina capa de panno verde e carregando sobre os olhos o seu amplo chapeu de feltro enfeitado com bella pluma branca, atravessou a larga escadaria e em dous momentos se apresenta no meio do espa?oso terreiro.

O Tejo, esse rio de ar?as de ouro tam decantado pelos poetas, dormia placidamente. Soaram onze horas e o ceu mostrava-se empanado de sombrias nuvens. Raras pessoas transitavam pelas ruas da opulenta capital. Apenas de longe a longe o bronze dos campanarios vinha alterar a prolongada monotonia da noite.

O infante, olhando a custo para as aguas ensombradas do Tejo, parecia meditar. Depois abandonou o terreiro e a passo lento seguiu pela rua da Palha a direc??o da pra?a do Rocio.

Absorvido em estranhos pensamentos ia elle no seu caminho quando lhe surdem inesperadamente de cara tres vultos agigantados.

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