Read Ebook: Historia diplomatica do Brazil: O Reconhecimento do Imperio by Lima Oliveira
Font size:
Background color:
Text color:
Add to tbrJar First Page Next Page
Ebook has 608 lines and 74494 words, and 13 pages
Rita Farinha
RECONHECIMENTO
DO IMPERIO
OLIVEIRA LIMA
Historia Diplomatica do Brazil
Reconhecimento
do Imperio
H. GARNIER, LIVREIRO-EDITOR
TRABALHOS DO AUCTOR
Sept Ans de R?publique au Br?sil , extrait de la <
? MEMORIA DE UM AMIGO
Dedicando ? memoria do bar?o d'Itajub? este ensaio, o primeiro de uma serie sobre a nossa historia no exterior, desejo relembrar esse amigo, que durante trez saudosos annos foi meu chefe na Lega??o em Berlim, e cuja morte prematura significou para a diplomacia brazileira, n'aquelle momento, a perda do seu mais completo representante.
Digo completo, porque elle reunia ? finura da intelligencia e ? pratica dos negocios, a distinc??o das maneiras e a formosura do caracter. Pode-se de certo ser um grande diplomata sem o ultimo predicado: o j? classico exemplo de Talleyrand ahi est? para proval-o. A experiencia dos negocios pode ser supprida pelos rasgos de genio: Napole?o, aos 28 annos, dirigia as negocia??es de Campo Formio com a pericia consummada que Albert Sorel nos descreveu em um bello trabalho. Itajub? era porem o equilibrio moral em pessoa. N'elle algumas qualidades se n?o haviam desenvolvido extraordinariamente ? custa d'outras. Methodico em extremo, a chancellaria era o seu templo, o expediente o seu sacerdocio, sem que comtudo a rotina o tornasse imbecil, ou sequer a burocracia lhe desmanchasse a linha fidalga. A certa hora aquelle funccionario modelo convertia-se muito naturalmente--porque n'elle nada havia de affectado--no homem de sociedade mais correcto e mais attrahente. ? banca de trabalho nunca conheci intelligencia mais viva, percep??o mais prompta dos diversos lados de uma quest?o. Em um sal?o nunca conheci pessoa mais ? sua vontade, tendo uma resposta finamente espirituosa, nunca maldosa, para tudo, igualmente amavel para com todos.
Esta amabilidade era tanto mais captivante, quanto derivava n?o s? da sua educa??o, como do seu cora??o. Itajub? era, al?m de intelligente e distincto, bom, fundamentalmente bom, de uma bondade simples e tocante. A sua alma rejubilava discretamente ? id?a do bem que n'um dado momento podia praticar, e atormentava-se com o mal--para outrem--que n?o podia evitar. Para outrem note-se, porque, no que lhe dizia respeito, mostrava uma impassibilidade que dava a medida do seu espirito superior. N?o que fosse indifferente aos ataques ou ? m? vontade. Sua sensibilidade era em demasia delicada para permittir-lh'o, mas sabia como genuino mundano esconder a sua contrariedade, sem, christ?o verdadeiro, guardar o mais leve rancor.
Repito, Itajub? era o equilibrio moral em pessoa: igualmente solicito no desempenho dos seus deveres officiaes e sociaes, polido at? o requinte, generoso de verdadeiras atten??es--que ? bem mais difficil do que ser generoso de dinheiro--affectuoso at? a ternura para os seus, que o adoravam, e para os amigos, que o estremeciam.
O nome do bar?o d'Itajub? n?o ficou ligado em nossa historia diplomatica a nenhuma conven??o particularmente notavel, mas a um sem numero de pequenas negocia??es delicadas e a algumas espinhosas, que elle sabia guiar com m?o segura e resolver com um tacto perfeito. Ministro em Madrid, em Washington, em Roma, em Pariz e em Berlim, nunca se lhe deparou occasi?o para diplomacias de alta escola, nem elle a procurava. Achava com raz?o que, no caminhar diario dos negocios, ha farto ensejo de prestar servi?os para quem os n?o visa como meio de chamar a atten??o. A sua excellente posi??o social em todas aquellas capitaes facilitava-lhe, de resto, a solu??o de qualquer quest?o, reflectindo-se toda em lustre do paiz que elle personificava.
Oliveira Lima.
Londres, 25 de Janeiro de 1901.
HISTORIA DIPLOMATICA DO BRAZIL
RECONHECIMENTO DO IMPERIO
A Independencia consummou-se em 1822; o reconhecimento do Imperio do Brazil pelo Reino de Portugal apenas teve lugar em 1825, e antes da ex-metropole nenhuma na??o europ?a, nem mesmo a Inglaterra de Canning, abalan??ra-se a receber em seu convivio official a colonia insurgente. De 1823 a 1827 coube pois ? joven diplomacia brazileira pugnar na Europa pela admiss?o no areopago politico do mundo civilizado da nova na??o americana, creada pela ousadia e decis?o de um Principe, pelo sentimento latente e crescente da desuni?o, pela habilidade e patriotismo de alguns estadistas, pelo enthusiasmo e confian?a de numerosos espiritos cultos, e pela valiosa coopera??o de um almirante inglez em ostracismo social.
Sem esta ultima contribui??o n?o ? exaggerado dizer que os esfor?os das demais corriam grave risco de ficarem frustrados. Com effeito, senhores os Portuguezes do norte do Brazil, estabelecidos em terra e no mar, e sendo absurdo pensar n'uma expedi??o terrestre sahida da capital, s? poderiam ter sido expellidos das suas posi??es por meio de uma esquadra, a qual se formou ?s carreiras e com benemerito vigor local, supprindo elementos da officialidade estrangeira, especialmente da britannica que acabava de se distinguir na liberta??o do Per? e do Chile, o que havia ainda de escasso e deficiente na marinhagem nacional. Era esta tanto mais inexperiente quanto, sob o dominio portuguez, o proprio commercio de cabotagem andava vedado aos Brazileiros. Na Inglaterra acontecia justamente que a termina??o das guerras napoleonicas, depois de revolucionada a Europa, deix?ra a meio soldo e sem pasto para sua actividade muitos officiaes de valor e ambi??o, que sobremaneira estimavam encontrar em outros campos de batalha emprego para seus gostos e habilita??es.
Caldeira Brant e Gameiro Pessoa tinham sido encarregados de aplanar as differen?as entre as duas na??es sem propriamente solicitarem a media??o britannica, mas tendo ordem de communicar ao Foreign Office os seus passos e tentames, e de pedir e receber os conselhos de Canning. Caldeira Brant anteriormente ? sua miss?o residira na Inglaterra, officialmente acreditado na qualidade de agente do Governo do Brazil. Como tal se occup?ra de variados negocios, entre outros de construc??es navaes e alistamento de marinheiros, at? Agosto de 1823, mez em que partira para o Imperio.
A encarregatura de Hyppolito foi muito curta e pouco interessante. Em Novembro de 1823 era o cavalheiro Gameiro, que estava servindo de encarregado de negocios em Pariz, removido no mesmo caracter para Londres, s? recebendo porem a respectiva communica??o em Mar?o de 1824. O pobre Hyppolito fallecia entretanto, quando via despontar o triumpho do seu ideal, sem poder desfructar a victoria e deixando t?o pobre a senhora ingleza que despos?ra, que o Imperador, a pedido do duque de Sussex, mandou conceder-lhe uma pens?o de cem libras annuaes.
O recebimento, pelo menos officioso, de Gameiro n?o padecia duvida, apezar das intimas liga??es de Portugal com a Inglaterra. Nem podia ser d'outro modo. A Fran?a, si bem que n?o permittindo a reciprocidade, acabava de despachar como encarregado de negocios para o Rio de Janeiro o conde de Gestas; a Prussia at? manifest?ra desejos de concluir um tratado, e o consul britannico Henry Chamberlain exercia no Brazil func??es diplomaticas que, no rigoroso acatamento dos preceitos do direito das gentes, s? deveriam caber a um agente acreditado perante um governo legalmente constituido. O reconhecimento formal estava porem longe ainda de achar-se ultimado, e era essa a chave que para o Brazil abriria a porta a todas as outras negocia??es, mesmo a da aboli??o do trafico de escravos com que o Imperador acenava ? Inglaterra, e cuja regula??o inicial no tratado de 1810 com Portugal e na conven??o de Londres de 1817 andava t?o imperfeita ou mal interpretada, que fornecia azo a seguidos protestos do consul Chamberlain.
Nas instruc??es mandadas a Gameiro, ap?s insinuado que outras potencias europ?as poderiam roubar ? Inglaterra a prioridade no passo de amizade internacional que o reconhecimento significava, assim affectando os interesses commerciaes britannicos, e de reaffirmada a resolu??o inabalavel do Imperador e do seu povo em manterem a attitude tomada, resumiam-se os motivos que tivera o Brazil para desligar-se de Portugal, avultando entre elles a retirada de D. Jo?o VI do Rio de Janeiro e a tyrannia das C?rtes demagogicas de Lisboa, e salientava-se <
Declarando estar prompto para tratar com seu Augusto Pai sobre a base do reconhecimento da cathegoria politica assumida pelo Brazil, e por este modo facultar a Portugal <
Viera a combinar-se que o gabinete de St-James, protector declarado de Portugal, e o Imperador da Austria, sogro de D. Pedro I, seriam conjunctamente os medianeiros ou antes assistentes na paz e reconcilia??o directamente negociadas em Londres entre a metropole e a colonia da vespera. Canning, em seu louvavel empenho de preservar a paz quanto possivel, gostava de proceder de harmonia e at? favorecer os designios das potencias continentaes, sempre que esses n?o fossem adversos aos interesses britannicos. Os bons officios da Gr? Bretanha haviam sido primeiro suggeridos por Palmella, ao responder a uma declara??o do novo ministro inglez, Sir Edward Thornton, de que o gabinete britannico estando persuadido da impossibilidade de restabelecer-se a sujei??o, voluntaria ou for?ada, do Brazil, era conveniente concordar-se logo no modo de resolver a pendencia, satisfactoriamente para a independencia politica do Brazil e para a soberania em ambas as partes da monarchia portugueza da Casa de Bragan?a.
Um pouco depois, por effeito de conselhos contrarios dados em Lisboa ao gabinete da Bemposta, o conde de Villa Real, ministro portuguez em Londres, vibrou como uma amea?a a interferencia das potencias continentaes. Canning porem, que combatia no Velho Mundo os dictames reaccionarios da Santa Allian?a e os desconhecia com rela??o ao Novo, declinou para o caso vertente toda e qualquer interven??o de semelhante natureza. Abria apenas uma excep??o para a Austria pela raz?o do intimo parentesco entre as c?rtes de Vienna e do Rio de Janeiro, ao ponto mesmo de prometter suspender eventualmente o reconhecimento do Imperio Brazileiro at? dar mostras de consummar-se a media??o austriaca, si preferida ? britannica. Os bons officios da Inglaterra n?o podiam todavia ser evitados, dada a sua posi??o de ascendencia em Lisboa como no Brazil, e o Governo Portuguez volveu a cortejal-os, no intuito de por meio d'elles obter do Imperio as condi??es mais suaves para o orgulho da m?i patria. Por seu lado Canning, servindo-se do consul Chamberlain, insinuou a vantagem d'aquelles bons officios no espirito dos governantes brazileiros, a cujo conhecimento incumbiu-se de levar posteriormente as disposi??es mais conciliadoras de Portugal, de entrar em negocia??es para regular a futura success?o das duas partes da monarchia e restabelecer as primitivas rela??es commerciaes existentes entre os dous reinos.
N?o era facil empreza, mesmo para o genio diplomatico de Canning, o desmanchar as desconfian?as e attritos levantados entre Portugal e Brazil, fazendo ver a este quanto a amizade do Velho Mundo lhe seria proveitosa e como lhe cabia angarial-a pela sua modera??o e condescendencia, e esfor?ando-se por annullar n'aquelle a procrastina??o e m? vontade estimuladas pelas potencias continentaes, as quaes pintavam o gabinete britannico como exclusivamente devotado a fomentar os interesses brazileiros.
E a Austria entrava no negocio cheia de benevolencia, porque Canning convenc?ra t?o perfeitamente Metternich que a destrui??o do throno brazileiro, fatal no caso de falhar o reconhecimento, seria mais perniciosa ao principio monarchico, por ambos os estadistas acatado, do que a acceita??o da separa??o dos dous reinos, que o Chanceller austriaco, ap?s demorar por alguns mezes sua resposta ao gabinete de Lisboa, declar?ra sem ambages que lhe n?o parecia possivel restabelecer-se a situa??o anterior ? Independencia e que o mais avisado seria, na hypothese muito provavel do Brazil n?o consentir em acceder a uma autonomia completa e effectiva, debaixo da suzerania portugueza e sob o governo de um principe portuguez, assegurar a cor?a americana para a Casa de Bragan?a. O Governo Austriaco dizia-se prompto at? a annunciar ao Imperador do Brazil, uma vez effectuada, a concess?o da independencia, a qual todavia nunca reconheceria sen?o depois de o fazer Sua Magestade Fidelissima.
A boa vontade da Austria, inspirada pelas considera??es de familia, n?o era porem tudo, mesmo que n?o variasse, segundo veio a acontecer. Canning perceberia a breve trecho, conforme escrevia a Lord Liverpool poucos mezes depois, que <
Um momento houve mais tarde em que Canning assustou-se dev?ras com um boato corrente, de ter Telles da Silva, o agente brazileiro em Vienna, promettido ao Chanceller desistir o Imperador, em troca do reconhecimento, da perfilhada orienta??o liberal, e chegou a perguntar por escripto a Brant e Gameiro si era verdadeira tal inten??o. O boato era falso, ainda que lhe dessem c?r a dissolu??o for?ada da Constituinte e as subsequentes deporta??es politicas, mas o certo ? que, segundo l?-se na correspondencia dos nossos enviados, Neumann iria successivamente esfriando do seu primitivo interesse pela causa brazileira, acabando por trabalhar de m?os dadas com o plenipotenciario portuguez, conde de Villa Real.
A reconquista da America Hespanhola em proveito do inepto representante dos Bourbons d'Hespanha, af?ra o immenso beneficio moral, traria com certeza para a Fran?a--assim o devaneavam Chateaubriand e o gabinete Vill?le--uma recompensa territorial avultada no Novo Mundo, a qual seria o nucleo da reconstitui??o do poderio colonial francez, perdido no decorrer do seculo anterior e com que se locuplet?ra a Inglaterra, empolgando o Canad? e alastrando-se pelo Hindost?o. Chateaubriand, que vague?ra pelos campos do Oeste americano, tornados ainda mais extensos pela solid?o immensa em que jaziam, e, contemplando as aguas barrentas do Mississippi, medit?ra longamente sobre os problemas politicos e moraes do universo, sentia mais do que qualquer outro a importancia da diminui??o soffrida pela Fran?a com a perda do Canad? e a aliena??o da Louisiana, cuja junc??o com a possess?o do norte, subindo a corrente do grande rio que parte longitudinalmente em dous os Estados Unidos, interceptaria a expans?o ingleza e fundaria um imperio latino onde hoje se espraia a magestosa democracia anglo-saxonica. O posto seria, alem de tudo o mais, excellente para exercer sobre a America Central e Meridional a hegemonia que os Estados Unidos j? estavam avocando e a que Luiz Napole?o mais tarde quiz insensatamente opp?r a do Imperio Mexicano estabelecido e protegido pelas aguias francezas
A serena liquida??o da quest?o brazileira seria, para a execu??o de t?o altos designios, um obstaculo quasi insuperavel, representando uma victoria para a Gr? Bretanha, que assim desfeiteava a Santa Allian?a, refor?ava a opini?o liberal do mundo em prol da independencia das colonias hespanholas, e em extremo difficultava o complemento do projecto de restaura??o ultramarina da auctoridade da metropole. N?o admira pois que a Fran?a se absorvesse na partida, usando de toda a sua pericia. Mesmo despedido Chateaubriand do ministerio, o que se deu a 5 de Junho de 1824, a politica franceza n?o variava o seu rumo e Vill?le, sen?o um ultra, pelo menos governado por elles, ficava para zelar-lhe a orienta??o geral, naturalmente antipathica ao Imperio, cujo soberano trahia em alguns actos a sua educa??o absolutista, mas cujos estadistas persistiam, com o seu instinctivo feitio democratico, em desafiar a legitimidade, o direito divino e outros fetiches do passado.
Si assim ousava ir d'encontro ? opini?o progressiva do seu paiz, n?o ? de espantar que o interesse mercantil do mesmo, combinado com a indifferen?a ou antes antipathia pela Hespanha, n?o fossem sufficientes para compellir o seu ingenito conservantismo a favorecer o movimento autonomista do Novo Mundo. T?o pouco sympathica era comtudo a attitude de Castlereagh ? opini?o predominante na Inglaterra, mesmo ? de antes da Reforma de Lord Grey; t?o avessas ao caracter politico britannico, aquella fascina??o pelas prerogativas das monarchias absolutas e qualquer identifica??o com os planos domesticos continentaes, que um observador como Greville, movendo-se no meio social mais exclusivo e aparentado com algumas das primeiras casas da Inglaterra, escrevia no seu diario que a perda do ent?o marquez de Londonderry f?ra grande para o partido e maior para os amigos, mas nulla para o paiz, e criticava sem rebu?o o proceder do Governo Inglez para com aquellas das na??es europ?as que se tinham fiado na Gr? Bretanha, ao tratarem da applica??o do seu ideal liberal.
Pensando assim, nenhuma tendencia propriamente reaccionaria podia ser-lhe sympathica. Os povos valiam no seu entender tanto quanto os reis, ou por outra, um rei s? merecia fidelidade quando reinava para o seu povo. Elle mesmo era um exemplo vivo do quanto j? logravam alcan?ar em sua patria o prestigio pessoal e o favor da opini?o. N?o passava do filho, singularmente dotado de talento, de um homem bem nascido mas quasi pobre, e de uma m?i honesta mas que tivera de fazer-se actriz depois de viuva, para manter-se a si e a elle. Este desprotegido do ber?o, ap?s uma brilhante ascen??o parlamentar, alguns annos de administra??o, uma curta embaixada e outros annos de estudado afastamento, vira-se quasi unanimemente indicado e f?ra novamente collocado por Lord Liverpool no Foreign Office, quando o tornou vago o suicidio de Lord Castlereagh.
As inclina??es litterarias de Canning levavam-no para a poesia satyrica, que traduzia a fei??o humoristica do seu espirito, no qual casava-se, n'uma combina??o encantadora, uma preoccupa??o repassada de gravidade dos problemas politicos do momento com uma certa levesa propria do tempo, da sociedade e do homem, e que o tornou alheio aos problemas propriamente sociaes. As suas preferencias mundanas conduziam-no para a vida elegante e refinada n'um circulo limitado e escolhido de apreciadores, nunca tendo conseguido a ambi??o t?o vasta quanto legitima que o impellia, vergar-lhe o animo ao ponto de cortejar a facil popularidade dos comicios e das plataformas. At? ser membro do gabinete, Canning escreveu muito mais do que fallou. As suas ora??es parlamentares mais notaveis datam quasi todas do tempo em que se sentava no Banco do Thesouro, quando com o prestigio do cargo passou a exp?r na sua forma um tanto diffusa mas cuidada, animada e persuasiva, as id?as e os conceitos que lhe acudiam em abundancia, e que at? ent?o confiava especialmente ? correspondencia privada com os seus intimos. Os seus ideaes politicos arrastavam-no, j? o sabemos, para a restitui??o dos direitos politicos aos Catholicos, a aboli??o da escravatura e o reconhecimento das nacionalidades americanas, sem que comtudo o liberalismo n'elle constituisse o desdobramento de uma natureza apaixonada, philantropica ou exhuberante de seiva. A localisa??o d'esse liberalismo na alma ponderada e equilibrada de Canning n?o correspondia portanto ao enthusiasmo de O'Connell, nem ao evangelismo de Wilberforce, nem ? exalta??o communicativa de Brougham. O defensor da America Latina era um estadista reflexivo, um monarchista convicto, um governante por temperamento; conservador por calculo si n?o por instincto no que dizia respeito aos negocios domesticos, patriota intransigente em quest?es de politica exterior, n?o recuando ante a solu??o extrema da guerra na aspira??o de salvaguardar a grandeza britannica, quando falhassem os meios suasorios, da paz e da diplomacia.
Pitt apparecia-lhe como o typo representativo da epocha, como o precursor do imperialismo que tinha de ser a caracteristica e a condi??o da orienta??o ingleza. Como Pitt, possuio elle nervo e mostrou audacia, e n?o foi sem raz?o que n'um celebre discurso, alludindo ? guerra da interven??o franceza na Hespanha, lhe foi dado exclamar com toda a emphase a que, no periodo litterario de Chateaubriand, nem a oratoria ingleza escapou: <
O pronome da primeira pessoa n?o foi muito do agrado dos collegas de Canning no gabinete, mas traduzia a realidade. A interven??o da Fran?a nos negocios da Hespanha, combatida at? o ultimo momento pelo ministerio Liverpool--receosa a Inglaterra d'essa renova??o anachronica do velho Pacto de Familia--e apenas tolerada com as trez condi??es, que a Fran?a respeitaria Portugal, deixaria em paz, entregue ?s suas luctas e fac??es, a America Hespanhola, e n?o permaneceria indefinidamente al?m dos Pyreneus, determinou Canning, e Canning mais que ninguem na Gr? Bretanha, a procurar, nas colonias emancipadas das metropoles peninsulares, um contrapeso valioso para a balan?a internacional, e uma nova e mais extensa base sobre que apoiar a influencia britannica. O seu systema politico, inverso do de Castlereagh, tinha, como vimos, por fundamento que a Inglaterra devia ser o fiel da balan?a, n?o s? entre na??es inimigas, como entre principios inimigos. Sendo o anti-liberal o prato que ent?o pendia, por amor do proprio equilibrio Canning lan?ou o poder moral e material da sua patria no outro prato, que tinha reunido contra si o peso da Europa continental.
O meio era indubitavelmente favoravel ? ac??o da novel diplomacia brazileira. O commercio britannico, cujo influxo na Camara dos Communs ? consideravel pelo facto mesmo de achar-se representado n'essa assembl?a n'uma vasta propor??o , aspirava abertamente ? tranquillidade publica do outro lado do Oceano, e com tal intuito favoneava quanto podia o reconhecimento do Imperio, cuja grandeza territorial e fartura de recursos promettiam um campo remunerador ? explora??o mercantil europ?a. Aferindo as cousas pela craveira ingleza e medindo quanto no seu paiz valia a influencia do commercio sobre a marcha dos negocios publicos, ? que o consul geral Chamberlain aconselhava no Rio de Janeiro o Ministro de Estrangeiros Carvalho e Mello a cessar o Governo de fazer apprehender os navios mercantes portuguezes e, pelo contrario, abrir-lhes os portos brazileiros. Restabelecido o trafico entre os dous paizes e accumulados os creditos commerciaes portuguezes no Brazil, os proprios negociantes do Reino sentiriam o maximo interesse em promover a reconcilia??o, antepondo as vantagens praticas ?s susceptibilidades patrioticas.
As garantias eram as seguintes: 1.^a, que a Santa Allian?a n?o auxiliaria a Hespanha no reduzir ? obediencia as colonias insurgentes; 2.^a, que o trafico mercantil n?o volveria a ser exclusivo da m?i patria, ficando aberto a todas as bandeiras. Semelhante promessa por parte da Inglaterra estava porem longe de ser definitiva, no pensamento dos que a formulavam. N?o passava de uma dila??o. As garantias da Hespanha apenas temporariamente satisfaziam a Canning, para quem o reconhecimento das nacionalidades da America Latina era resolu??o assente, e que formalmente declarou ? Hespanha que, no momento opportuno, o Governo Britannico adoptaria as medidas convenientes para executar o seu designio sem mais entender-se com ella .
As colonias hespanholas da America j? tinham ali?s todas dado provas mais que sufficientes da vitalidade que n'ellas borbulhava. Buenos-Ayres, a que primeiro, rebellando-se contra o usurpador, por menos guarnecida e sopitada e mais pobre e descurada logrou separar-se da m?i patria, n?o s? derrub?ra o poderio dos seus vice-reis, como arm?ra expedi??es libertadoras que com Belgrano tinham chegado sem proveito ao Paraguay, com Balcarce attingido ousadamente o Alto Per?, e com San Martin denodadamente corrido ao soccorro do Chile depois do fracasso da insurrei??o local. Buenos Ayres tambem por si resistira ?s intrigas francezas e austriacas, soffregas por imp?rem-lhe um principe da Casa de Bourbon ou da de Habsburgo depois de mallograda a candidatura de D. Carlota Joaquina, e, conservando com amor a sua liberdade, ainda que esta n?o passasse de uma mescla de tyrannia e de anarchia, affirm?ra em 1826 no Congresso de Tucuman a sua independencia e das provincias que lhe gravitavam em torno, assim consagrando o movimento de 25 de Maio de 1810, em que f?ra deposto o vice-rei Cisneros e acclamada a junta governativa.
No resto dos vice-reinados a contenda com os elementos fieis ao dominio da metropole sob n?o importa que regimen, pass?ra por alternativas, ora jubilosas, ora cruciantes, e motiv?ra o derramamento de muito sangue generoso e muito sangue leal em scenas de carnificina que d?o ? historia da emancipa??o da America Hespanhola uma tonalidade rubra que a da America Portugueza n?o conheceu. Na primeira a lucta foi incomparavelmente mais porfiada. Foi antes uma campanha prolongada que come?ou logo em 1809, quando chegaram al?m mar as primeiras noticias da invas?o da Hespanha pelos exercitos de Napole?o, e ainda durava no Per? quando a Inglaterra, ap?s a entrada em Madrid e em Cadiz das for?as do duque d'Angoul?me, entrou a disp?r o reconhecimento das republicas que haviam alcan?ado a victoria e ensaiado a pacifica??o. O espirito de independencia seguira levando com effeito a melhor, e o gabinete inglez encontrava, nas decididas vantagens obtidas pelos revolucionarios americanos, a mais completa justifica??o da politica momentaneamente tentada pelos ministros de 1797, de, em opposi??o ? Hespanha, ajudarem moral e praticamente a liberta??o das suas possess?es no Novo Mundo.
Canning julgou n?o ser ainda chegado o momento indicado e declinou a suggest?o de Rush, a qual levantava forte opposi??o no seio do gabinete. Os Estados Unidos aproveitaram-se porem e deram express?o concreta ? insinua??o que f?ra feita pelo Secretario dos Negocios Estrangeiros de Jorge IV, d'ella resultando a chamada doutrina de Monroe. O instante verdadeiramente opportuno para a sua ac??o, vangloriou-se Canning de tel-o escolhido um pouco depois, quando Buenos Ayres entrou a soldar as suas desconjunctadas provincias confederadas, a Colombia a escapar ao perigo que lhe acarret?ra o embarque para outro vice-reinado do seu exercito nacional libertador, e o Mexico a forrar-se das loucas tentativas dos pretendentes como Iturbide.
Canning entretanto n?o entendia opp?r-se em caso algum ao estabelecimento de uma monarchia no Mexico, mesmo que fosse em proveito de uma infanta hespanhola. No seu pensar esse acontecimento, que extenderia ao continente norte o principio monarchico j? estabelecido no sul, obstaria at? a tra?ar-se a linha de demarca??o de que elle mais se arreceava, a saber, America contra Europa, como davam mostras de pretender os Estados Unidos e seria fatal n'uma geral democracia transatlantica. Que assim procedendo, obedecia o illustre estadista ? sua perspicacia e n?o a moveis egoistas, j? o verific?mos. O espirito politico de Canning attingira o gr?o de vis?o e de tolerancia em que a preoccupa??o das formas de governo desapparece perante as considera??es mais puras, mais levantadas ou mesmo simplesmente mais patrioticas, porque elle n?o occultava, na sua feliz express?o, que em vez de Europa, gostaria de quando em vez de ler--Inglaterra.
N'uma carta escripta em 16 de Setembro de 1823 a Sir Henry Wellesley, ent?o embaixador em Vienna, acha-se mais uma vez affirmada a sua liberrima theoria das formas de governo. N?o tinha, dizia, objec??o alguma a que a monarchia absoluta continuasse a florescer onde era o producto proprio do solo e onde estivesse contribuindo para a felicidade, ou para a tranquillidade do povo. A harmonia do mundo politico n?o ficaria comtudo destruida por causa da variedade de institui??es civis, em Estados differentes, assim como a harmonia do mundo physico n?o ? perturbada pelas grandezas diversas dos corpos que constituem um systema. O Evangelho proclamou que ha uma gloria do sol, outra gloria das estrellas, e assim por diante. O principe de Metternich parecia ser de opini?o contraria--que todas as glorias deviam ser iguaes, e estava at? disposto a tentar a experiencia com a Inglaterra, para tornar a gloria d'ella o mais possivel identica ? do sol e da lua do Continente. Metternich porem que nos deixe socegados em nossa esphera, accrescentava Canning, ou tocaremos uma musica muito desafinada.
Canning era de opini?o que uma na??o tinha por dever reservar suas energias para dadas occasi?es, e n?o andar desperdi?ando-as em contendas que se podessem evitar. Por isso labutava por despir o acto que daria validade internacional ?s colonias emancipadas da tutela hespanhola, de toda e qualquer apparencia de hostilidade. Na occasi?o em que, resolvendo agir, resolveu a agirem gabinete e cor?a, reconhecendo a entrada d'aquellas colonias no gremio das na??es, j? n?o mais se tratava, com effeito, de retaliar pelas injurias recebidas ?s m?os das auctoridades da metropole pelos vehiculos do commercio britannico, nem sequer de n'um impeto de enthusiasmo ajudar os estados embryonarios a alcan?arem sua liberdade. Tratava-se t?o s?mente de admittir os factos consummados e entrar em rela??es officiaes com as unicas auctoridades constituidas do Novo Mundo. Canning desejava no emtanto fazer sobresahir a neutralidade de facto guardada pela Inglaterra, chegando a consentir na justifica??o eventual da Hespanha no pretender favores mercantis especiaes das suas possess?es emancipadas.
O seu interesse no reconhecimento pacifico da independencia do Imperio era de resto multiplo e de facil comprehens?o. ? Inglaterra convinham freguezes ricos e alliados fortes, n?o freguezes arruinados e alliados desmantelados pela guerra. Demais, a forma monarchica de governo adoptada pelo novo Brazil estava, em face da poderosa fac??o demagogica nacional, para assim dizer dependente da prompta sanc??o europ?a. O exemplo da cordialidade restabelecida entre a m?i patria portugueza e a sua ex-colonia, com todo um cortejo de vantagens economicas, devia al?m d'isso ser efficacissimo para a Hespanha e para a Santa Allian?a, que a sustentava em sua improficua obstina??o.
Portugal n?o contava portanto demover-se da sua postura sem primeiro ter exgottado os ardis e delongas da diplomacia, e sem bem experimentar a rigidez da decis?o de Canning, para a qual influira, af?ra os expostos e palpaveis motivos, a attitude sympathica e correcta do Brazil official, contrastando com a hostilidade ? Inglaterra, evidenciada pelas C?rtes de Lisboa. Verdade ? que o Governo Constitucional estrebuchava nas ancias da morte desde a Villafrancada, e que a plena auctoridade restabelecida do soberano buscaria instinctivamente firmar-se na amizade britannica, tradicional na sua dynastia, ainda que fossem fortissimas as seduc??es empregadas pela Santa Allian?a para angariar mais este sequaz.
Add to tbrJar First Page Next Page