Read Ebook: Historia diplomatica do Brazil: O Reconhecimento do Imperio by Lima Oliveira
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Portugal n?o contava portanto demover-se da sua postura sem primeiro ter exgottado os ardis e delongas da diplomacia, e sem bem experimentar a rigidez da decis?o de Canning, para a qual influira, af?ra os expostos e palpaveis motivos, a attitude sympathica e correcta do Brazil official, contrastando com a hostilidade ? Inglaterra, evidenciada pelas C?rtes de Lisboa. Verdade ? que o Governo Constitucional estrebuchava nas ancias da morte desde a Villafrancada, e que a plena auctoridade restabelecida do soberano buscaria instinctivamente firmar-se na amizade britannica, tradicional na sua dynastia, ainda que fossem fortissimas as seduc??es empregadas pela Santa Allian?a para angariar mais este sequaz.
O golpe de vista antolhava-se pois favoravel ? ex-metropole, para a qual a desordem no Brazil significava a perspectiva de melhores tempos. D'ahi uma recrudescencia em Lisboa de esperan?as e de impertinencia. Em Londres o ministro Villa Real exigira na Nota Verbal ao Foreign Office de 4 de Mar?o de 1824, a mesma ali?s em que Portugal entrou a fraquejar, que, em observancia dos antigos tratados de allian?a entre as duas na??es, a Inglaterra n?o celebrasse conven??o alguma com o <
Na sua communica??o ao ministro Carvalho e Mello, successor de Carneiro de Campos, o consul Chamberlain especificava como sendo os seguintes os tratados invocados por Portugal em abono da sua reclama??o: Tratado de Londres de 29 de Janeiro de 1642, artigo 1.^o, Tratado de Westminster de 10 de Julho de 1654, artigos 1.^o e 16.^o, e Tratado de Whitehall de 23 de Junho de 1661, artigo secreto. No proprio mez da proclama??o da Independencia do Brazil e na previs?o d'esta occorrencia, o Governo Portuguez, o qual durante o mesmo predominio das C?rtes pens?ra em entrar com a Hespanha n'uma allian?a defensiva e offensiva, juntando-se os seus recursos e armamentos com o fim de subjugarem as respectivas possess?es rebelladas, inst?ra com o Governo Britannico para concluir um tratado garantindo a Constitui??o approvada e a integridade do dominio lusitano. Apezar do governo liberal amea?ar fechar o accordo com o correlegionario hespanhol e necessariamente prejudicar a influencia ingleza at? ent?o absorvente, Canning excus?ra-se ao convite, que s? vinha p?r estorvos ao seu plano de organiza??o autonomica do mundo latino-americano, e n?o lhe parecia deduzir-se como clausula obrigatoria das solemnes conven??es de amizade pactuadas entre as duas na??es.
? claro que os dous tratados, de 1642 e 1654, estipulavam nos termos mais explicitos que nenhum dos dous paizes consentiria em que fosse perpetrada injuria por guerra ou por tratado contra o outro paiz; que n?o seria concedido asylo nos territorios de um aos insurgentes contra o poderio do outro, e que ficariam f?ra da lei os transgressores das disposi??es contidas nos referidos tratados. Mais do que isso--o tratado de 1661, celebrado por occasi?o do casamento de Carlos II com a Infanta de Portugal, rezava muito cathegoricamente que a Gr? Bretanha protegeria a integridade do dominio colonial portuguez. O Governo de Lisboa sustentava que a tomada pelas for?as do Governo independente do Rio de Janeiro das provincias brazileiras fieis ? auctoridade portugueza; a persistencia nas hostilidades a despeito da attitude pacifica voluntariamente assumida por Portugal, e sobretudo o engajamento na marinha e exercito imperiaes de subditos britannicos, constituiam flagrantes viola??es dos tratados em vigor. Estes tratados n?o podiam porem, contestava nossa Chancellaria, prever o conflicto entre por??es da mesma monarchia, da qual uma reclamasse <
Levando a 5 de Maio de 1824, por ordem de Canning, ao conhecimento do nosso Ministerio de Estrangeiros o conteudo da Nota Verbal do ministro Villa Real, o consul Chamberlain ajunt?ra achar-se S. M. Britannica disposto a n?o abandonar o seu velho alliado Rei de Portugal, e reiter?ra as representa??es do Governo Inglez contra <>. O Governo Britannico <
O Governo Imperial explicava que n?o s? seria desairoso e offenderia o espirito publico, naturalmente susceptivel n'uma crise semelhante, o ordenar publicamente o Imperio a suspens?o das hostilidades quando a paz se n?o achava ainda firmada, como daria ensejo a propagar-se a calumnia assacada pelos demagogos ao Imperador, de estar em connivencia secreta com seu Pai. Isto quando a separa??o era um facto consummado e absolutamente ao abrigo de qualquer reconsidera??o. O gabinete do Rio devia j? estar farto de repetir o que representava a pura verdade historica--que a independencia do Brazil n?o f?ra o simples resultado de um movimento brusco e repentino de despeito ou de revolta: f?ra a coroa??o calculada e consciente de uma serie de actos praticados pelo paiz em defeza propria, desde que a politica franca e inequivocamente anti-brazileira das C?rtes de Lisboa obrigou o monarcha a regressar para Portugal, e pretendeu compellir o reino ultramarino a deixar-se novamente imp?r a tutela do outro reino.
D. Pedro n?o podia ter interesse pessoal na separa??o, que lhe diminuia o patrimonio: si accedeu em p?r-se ? frente do movimento de desuni?o, ? que o amor proprio offendido, a conveniencia do momento historico e mesmo a justi?a da causa brazileira dictavam-lhe este procedimento, desejado e applaudido tanto pelos que ambicionavam obter depressa a emancipa??o do Brazil, como pelos que receavam ver cahir o paiz nas m?os da fac??o extrema ou fragmentar-se a immensa colonia. A independencia n?o corr?ra no emtanto t?o facil e rapida quanto poderia deduzir-se do aspecto quasi incruento do conflicto. O partido portuguez era poderoso, tinha soldados aguerridos, armas e mais dinheiro. O partido nacional possuia massas indisciplinadas, as armas de carrega??o que ia importando por intermedio dos seus agentes na Europa, e os montes de papel moeda que, a guisa de destro?os de um naufragio, annunciavam o sossobrar do Banco do Brazil, creado pelo governo paternal de D. Jo?o VI para desenvolver a economia brazileira, e que pass?ra a ser, com seus cofres vasios de numerario e seus livros de caixa prenhes de passivo, o emblema do descalabro financeiro da colonia que no seculo anterior fizera a opulencia de Portugal. O impeto do movimento separatista foi comtudo t?o indomavel, que as for?as militares da metropole cederam ante as amea?as palavrosas mais ainda do que diante das demonstra??es bellicosas, que o sentimento de antagonismo ao Reino foi gradualmente tomando consistencia, linhas e fei??es com as provoca??es reaes e imaginadas, e que o divorcio dos espiritos attingiu o seu auge no momento mais azado para vingar e para for?ar a deferencia das outras na??es.
As preten??es de Portugal tinham sido, com os argumentos expostos, habilmente discutidas no Rio de Janeiro entre o Ministerio de Negocios Estrangeiros do Imperio e o Consulado de S. M. Britannica, mas, para serem efficientes, as negocia??es tinham que transportar a sua s?de para Londres, pelo menos emquanto se n?o chegasse a uma primeira intelligencia, que fizesse apparecer a perspectiva da reconcilia??o. A Nota do conde de Villa Real offerecia, no dizer da communica??o ingleza a Carvalho e Mello, <
N'outro ponto ainda a dissocia??o do Imperador com o meio tornar-se-hia mais para diante distincta. D. Pedro de Bragan?a, soldado at? a medulla, era antes o monarcha talhado para um paiz enthusiasta do exercito do que para um paiz fundamentalmente paizano, a custo fascinado pelas glorias das batalhas. Esse mesmo antagonismo n?o se dava entretanto no momento da emancipa??o como se daria por occasi?o da guerra da Cisplatina, porque ent?o todas as energias convergiam para a manuten??o da liberdade politica alfim alcan?ada, e a animosidade contra as ambi??es de recoloniza??o por parte da metropole despertava na alma nacional a somnolenta fibra militar.
Da parte dos plenipotenciarios brazileiros escolhidos para a miss?o de Londres, devia evidentemente manifestar-se o maior fervor no cumprimento das ordens recebidas. Antes de tudo, tratava-se do baptisado politico da nova patria, fundada com o alvoro?o natural ? na??o que adquire a consciencia de haver attingido a sua virilidade. Pessoalmente, Gameiro Pessoa, o futuro visconde de Itabayana, gosava em alto gr?o da confian?a e estima do Imperador, e era apenas legitimo que se sentisse ancioso por honrar a elevada distinc??o de que f?ra recipiente, com prestar os melhores servi?os ao seu paiz e ao soberano em plena popularidade. Felisberto Caldeira Brant, o futuro marquez de Barbacena, era um militar de calma energia e um politico de commedida ambi??o, o qual devia nutrir pelo Reino um odio hereditario, como neto do faustuoso contractador de diamantes que maravilh?ra a colonia com suas audacias, riquezas e liberalidades, antes de ir expirar em Lisboa sob o peso de graves accusa??es de fraude, livrando-o o terremoto de 1755 da clausura no Limoeiro desabado, mas n?o lhe restituindo a opulencia, nem a honra, nem a paz d'alma.
Homem de variadas aptid?es, o marechal Caldeira Brant tornou-se conhecido como guerreiro, como negociante, como diplomata e como administrador. Pelejou nos mares d'Angola e nos campos da Cisplatina. Commerciou na pra?a da Bahia, e com igual desembara?o representou depois o Imperio em C?rtes europ?as e privou com os personagens mais importantes da epocha. Foi estadista benemerito, tendo atravessado um largo aprendizado para a vida publica e havendo-se salientado, antes mesmo de entrar na politica, pelas suas id?as intelligentes e progressistas: assim introduziu o primeiro a vaccina no Brazil, abriu estradas, importou machinismos bellicos, agricolas e de navega??o, inclusive a primeira machina a vapor, e interessou-se por estabelecimentos de credito, pelo desenvolvimento da lavoura e pela coloniza??o das terras.
Para os dous enviados de D. Pedro I, a Lega??o do Brazil n?o foi certamente uma sinecura. O proprio reconhecimento appareceu-lhes bem mais difficil do que ? primeira vista se imaginava. Varias quest?es, conforme ? sabido, andavam-lhe connexas, e n?o era facil achar-lhes solu??o que agradasse a ambas as partes.
Primeiramente, havia a quest?o de dignidade, pretendendo Portugal que a admiss?o da independencia do Brazil fosse materia da negocia??o diplomatica e n?o preliminar d'ella, e pensando o Brazil do modo justamente opposto. Depois, havia a quest?o da success?o, motivada pela coincidencia de ser o Imperador o filho primogenito e legitimo herdeiro do Rei. A Inglaterra, certamente para evitar o pouco auspicioso dominio de D. Miguel, mostrava desejar que as duas cor?as se reunissem, ap?s o fallecimento de D. Jo?o VI, na cabe?a de D. Pedro: subentendia-se ou n?o no espirito dos estadistas inglezes que o Imperador opportunamente as repartiria, como veio a succeder, formando com a sua progenie duas dynastias. Opinava Metternich, com melhor senso e previdencia e contra o juizo dos representantes d'Austria no Rio de Janeiro e em Londres, que a reconcilia??o na familia e dominios de Bragan?a se n?o poderia operar de uma maneira permanente ou pelo menos duravel sem uma separa??o inicial, absoluta e perpetua das duas cor?as, tanto mais razoavel quanto Portugal nunca se sujeitaria a ser, por um instante sequer, colonia do Brazil. D. Miguel por esse tempo chegava exilado ? c?rte de Vienna e o Chanceller, que decerto se mirava n'esse espelho reaccionario, n?o levaria ? paciencia deixar sem destino t?o formosa voca??o auctoritaria.
Sobre o assumpto capital da success?o, Caldeira Brant e Gameiro nenhumas instruc??es tinham recebido e viram-se na necessidade de mandar pedil-as de Londres. O Imperador visivelmente abordava o negocio da regula??o dos seus direitos de success?o com muita reserva mental, preferindo ali?s n?o comprometter-se de antem?o a respeitar uma composi??o que os menoscabasse. O agente austriaco no Rio de Janeiro n?o passaria n'este ponto de receptaculo da opini?o imperial, que facilmente haveria sido suggerida por transmiss?o ao encarregado de negocios em Londres da c?rte de Vienna. Os ideaes politicos do bar?o de Neumann n?o abrangiam por certo as emancipa??es coloniaes, e tudo quanto fosse de molde a favorecer a legitimidade attrahia-o por instincto. Faltava-lhe a vis?o limpida ou cynica do homem d'Estado, que em Metternich se sobrepunha aos preconceitos cortez?os.
O primeiro passo dado em commum por Caldeira Brant et Gameiro, no desempenho da sua ardua miss?o diplomatica, foi procurarem o bar?o de Neumann, a pedir-lhe que encaminhasse para Lisboa a communica??o da chegada a Londres dos plenipotenciarios brazileiros e solicitasse a nomea??o de plenipotenciarios portuguezes, que com aquelles se entendessem para firmar a paz. A Austria estava a come?o--como por fim estaria de novo--em t?o boas disposi??es para com o Imperio, que o seu encarregado de negocios na Inglaterra dissera ao banqueiro Rothschild que podia sem risco de desagradar ? Santa Allian?a contractar o emprestimo brazileiro de tres milh?es esterlinos, que os nossos enviados tinham instruc??es para negociar sob hypotheca das rendas aduaneiras.
O ministro portuguez, conde de Villa Real, abstivera-se de entrar em rela??es formaes com os enviados do Governo Brazileiro at? receber ordens positivas de Lisboa, para onde empurr?ra o negocio da abertura das proposi??es de paz e para onde Canning, o qual por occasi?o da subida de Palmella ao poder sust?ra a discuss?o directa com o Brazil do seu reconhecimento, preferindo sondar a tal respeito o novo gabinete, escreveu tambem ao ministro inglez Thornton, que influisse no sentido de uma prompta solu??o no despacho da auctorisa??o. A 26 de Maio j? Villa Real recebia os plenos poderes para negociar, tendo ali?s sido feita a sua nomea??o antes de chegada ?s m?os de Palmella a communica??o de Caldeira Brant e Gameiro, a qual obteve a polida resposta que podia antecipar-se da penna do culto diplomata e perfeito homem do mundo.
O regimen monarchico-democratico uma vez varrido pela Villafrancada, o marquez de Palmella f?ra chamado por D. Jo?o VI para o ministerio de Estrangeiros afim de deslindar a embrulhada situa??o externa legada pelas C?rtes, cujas rela??es com os outros Governos estavam geralmente rotas. Como notorio, era Palmella um liberal moderado, que sinceramente pensava na outorga de uma Carta Constitucional pelo soberano, ainda que a lembran?a despertasse uma grande opposi??o por parte dos gabinetes da Santa Allian?a. Como acontece a todos os moderados em circumstancias apuradas e momentos criticos, foi negativo e impopular: accusavam-no a um tempo, os reaccionarios de pedreiro livre, e os liberaes de corcunda, e, hesitante entre os dous fogos, elle nada ousava de decisivo ou sequer de decidido. O regimen liberal carecia de ser implantado pelas armas para tornar-se fecunda a ac??o de Palmella.
A Inglaterra tinha pressa de liquidar o assumpto, porque importantes interesses commerciaes de subditos britannicos se tinham creado no Brazil ? sombra da amizade portugueza, augmentando de anno para anno o numero de casas inglezas nos portos e avolumando-se portanto o intercurso de mercadorias. O seu objectivo diplomatico era fazer seguir o tratado de reconhecimento do Imperio de outro para obten??o de favores mercantis e para completa aboli??o do trafico de escravos, no espirito das anteriores disposi??es entre Portugal e a Gr? Bretanha e das conclus?es do Congresso de Vienna, onde aquella aboli??o f?ra consagrada como principio.
A Inglaterra que em 1807, certamente por philantropia e espirito liberal, extinguira o trafico nas proprias colonias, pretendia agora extirpal-o de vez em todo o mundo por espirito tambem de egoismo ou de conserva??o, n?o lhe convindo alimentar, merc? da barateza do trabalho servil, concorrentes temiveis aos seus estabelecimentos tropicaes. Conforme ? sabido, a aboli??o do trafico f?ra consignada anteriormente, como promessa de gradual extinc??o, no tratado celebrado em 1810 com a c?rte do Rio de Janeiro, e, fundada n'elle, entrou a marinha britannica a capturar nos mares d'Africa navios portuguezes com carregamentos d'Africanos, pelo que a Inglaterra, em virtude dos energicos protestos do conde da Barca, teve de pagar em 1815 trezentas mil libras esterlinas de indemniza??o. No mesmo anno de 1815, a 8 de Fevereiro, as oito potencias signatarias do tratado de Pariz, as quaes prepararam os actos finaes do Congresso de Vienna e dirigiram os trabalhos d'esta celebre reuni?o de soberanos e ministros, assignaram uma declara??o reprovando o trafico e manifestando collectivamente sua inten??o de abolil-o: entre essas potencias contava-se Portugal.
Como certas contempla??es eram porem devidas a certos interesses, a certos habitos, a certas preven??es mesmo, n?o se estabeleceu um prazo fixo para a referida aboli??o: deixou-se em aberto afim de ser determinado de accordo com as conveniencias de cada potencia. N'esta quest?o, como na da annexa??o da Saxonia ? Prussia e da avassalla??o da Italia ? Austria, Talleyrand soube insinuar-se no espirito dos outros delegados e manobrar com t?o consummada habilidade, que conseguio dar as cartas mais ou, pelo menos, tanto quanto Metternich. O diplomata francez ajudou muito o ent?o conde de Palmella nos seus esfor?os para neutralizar os da Inglaterra, que queria arrancar ? Hespanha e a Portugal a aboli??o immediata do trafico de escravos. Em vez d'esta, o tratado de 22 de Janeiro de 1815, assignado em Vienna por Lord Castlereagh e pelos plenipotenciarios portuguezes--Palmella, Saldanha da Gama e Lobo da Silveyra--estipulava que ficaria vedado aos subditos portuguezes traficarem em escravos em qualquer parte da costa d'Africa ao norte do equador. Permanecia comtudo de p? a promessa geral de que as duas partes contractantes fixariam o periodo, em que o commercio de negros teria de cessar inteiramente para os dominios portuguezes.
Thy chains are broken, Africa, be free Thus saith the island--empress of the sea.
Mais do que isso, aproveitando a ida para a India, em Fevereiro de 1823, do governador geral Lord Amherst, Canning incumbira-o de, no decurso da escala do seu navio no Rio de Janeiro, tratar com o Imperador e o seu ministerio do assumpto vital do trafico, fazendo-lhes ver que uma na??o independente n?o poderia decentemente preservar uma institui??o que era s?mente toleravel n'uma colonia, campo de cultivo e commercio, sem a dignidade de uma potencia soberana, nem as responsabilidades da defeza da sua integridade territorial. Al?m d'isso o Brazil permaneceria isolado, como uma vasta mancha negra, na America Latina livre, unico a sustentar um commercio odioso e universalmente reprovado. A justi?a britannica ser-lhe-hia facultada, como o soe ser a qualquer paiz, mas a amizade britannica, essa tinha de ser conquistada mediante aquelle sacrificio, que era uma depura??o. Procedendo com tamanha urgencia quanto denunciava essa incumbencia, confiada ?quelle que ia preencher o lugar acceito por Canning no momento do inopinado desapparecimento de Castlereagh, a Inglaterra n?o tencionava abandonar Portugal ? sua sorte; antes exigia do Brazil que o reconhecimento fosse logo correspondido <
Stapleton, o secretario particular, fiel amigo e historiographo de Canning, conta que Lord Amherst tratou do objecto da sua miss?o com Jos? Bonifacio, cujas inclina??es abolicionistas n?o padecem duvida, mas foram infelizmente platonicas. O ministro de D. Pedro recuou ante a perspectiva do descontentamento nacional, o qual podia at? amea?ar a propria existencia do novo regimen, e somente concordou n'uma diminui??o gradual e progressiva do numero de escravos importados, que daria em resultado a aboli??o completa do trafico dentro de muito poucos annos.
As instruc??es secretas mandadas a Caldeira Brant e Gameiro no anno immediato prescreviam-lhes, porem, que obtivessem o reconhecimento sem essa condi??o julgada desairosa, cuja retirada n?o significava todavia que o Imperador n?o estivesse disposto, como firmemente estava, a abolir no futuro um t?o deshumano commercio. A ultima concess?o que, segundo as mencionadas instruc??es secretas, o Brazil se inclinava a fazer afim de obter o almejado reconhecimento, o qual s? muito contrariado o Governo Imperial prestar-se-hia a acceitar conjunctamente com a aboli??o do trafico, era a de estabelecer-se o prazo de oito annos, como se project?ra em Vienna, ou mesmo o de quatro, mas com uma indemniza??o de 800 contos por anno nos quatro restantes, para compensar a falta dos direitos de importa??o sobre os negros e outros damnos. A ausencia de coloniza??o estrangeira que supprisse o trabalho escravo, a necessidade de prover nos annos proximos uma mais avultada entrada de Africanos para habilitar a lavoura a fazer face ? for?osa escassez ulterior, e os desarranjos agricolas e commerciaes que a termina??o do trafico acarretaria, eram outras tantas raz?es ponderosas que aconselhavam a fixa??o de um prazo e excluiam por nociva a aboli??o immediata.
No fundo esta quest?o do trafico approximava ent?o os dous paizes mais do que os dividia. A Inglaterra estava ainda justamente persuadida de que muito melhor lhe iria em obter a extinc??o pela iniciativa do Governo Imperial, do que por meio de press?o exterior. O Brazil come?ava ligeiramente a convencer-se--e pena foi que n?o continuasse a pensar assim--de que o espirito do seculo n?o permittiria a preserva??o de condi??es sociaes em que fosse elemento o escravo, e que o dia chegaria no qual, n?o havendo formulado espontaneamente a concess?o, teria de ceder violentado. Effectivamente, no despacho de 28 de Agosto de 1824, em vista da correspondencia recebida da Lega??o em Londres, mandava o Governo Imperial desistir at? da citada indemniza??o pecuniaria, <
A Inglaterra no emtanto possuia, al?m dos commerciaes e humanitarios, motivos de natureza restrictamente politica para desejar n?o ser vencida por qualquer outra potencia do Velho Mundo nas boas gra?as do Brazil. A sua rivalidade com a Fran?a, rivalidade tradicional e caracteristica na historia europ?a, encontr?ra na Peninsula. Iberica, merc? da localiza??o do conflicto geral entre absolutismo e constitucionalismo, um campo de verdadeira cultura intensiva. Depois da guerra d'Hespanha e das faceis victorias do duque d'Angoul?me, a influencia dos Bourbons de Fran?a torn?ra-se poderosissima na c?rte parente de Madrid. Na c?rte de Lisboa Hyde de Neuville estava em alguns casos conseguindo mais do que Thornton, n?o s? pela liga??o pessoal com Subserra, como pelo facto de representar uma monarchia que, longe de permittir ? inunda??o democratica fertilizar a administra??o publica, antepunha um dique de preconceitos ? mar? popular.
Os politicos do Rio de Janeiro, para os quaes a amizade britannica, da na??o senhora dos mares, era bem mais importante do que a franceza, com bastante tino pensaram em explorar essa conhecida rivalidade com o fito de mais facilmente obterem a classifica??o politica do Imperio, e tampouco se descuidaram de jogar outras cartas diplomaticas. Nas instruc??es ostensivas de Caldeira Brant e Gameiro notava-se--um mez depois de proclamada a doutrina de Monroe, a qual Canning, ao suggeril-a indirectamente n'um momento de apuro, certamente n?o antevia quanto poderia de futuro tornar-se infensa ? propria Inglaterra--que o estabelecimento de uma possante monarchia constitucional no hemispherio sul da America operaria como uma barreira opposta < ambiciosa e democratica politica dos Estados Unidos, afim que para o futuro n?o prevale?a a politica americana ? europ?a.>> Esta raz?o n?o era futil para que a Inglaterra hesitasse em urgir Portugal. Era pelo contrario uma das mais convincentes para o estadista que geria as rela??es externas do Reino Unido.
Na verdade, mais do que a suggest?o das palavras ao ministro Rush, aproveitou ? Republica a indica??o fornecida pela propria attitude de Canning para com a metropole hespanhola, si bem que n?o tivesse igualado a postura aggressiva de Pitt, reflectida na famosa proclama??o de Sir Thomas Picton, convidando o povo venezuelano a <
Canning queria, pelo contrario, incluir logo no tratado de reconhecimento a regula??o da heran?a do throno portuguez, que visivelmente o preoccupava, presentimento do qual se pode colligir a agudeza da sua vis?o politica.
Quanto a Villa Real, assignalou a entrevista pedindo, antes mesmo de fallar em reconhecimento, explica??es sobre trez pontos, que correspondiam ?s condi??es portuguezas para a entrada em rela??es diplomaticas com a ex-colonia: a cessa??o das hostilidades; o restabelecimento das rela??es commerciaes, e a restitui??o das propriedades de Portuguezes sequestradas e das embarca??es aprezadas, ou a indemniza??o equivalente.
O ministro portuguez, como cabia a um bom diplomata, n?o deixou de fazer valer--e a referencia produziu impress?o nos circumstantes--que D. Jo?o VI, assim que reassumira a plenitude do seu poder, mand?ra espontanea e generosamente suspender as hostilidades. Habilmente porem acudiram Caldeira Brant e Gameiro que D. Pedro de facto havia feito o mesmo: de direito n?o ousaria fazel-o mais expressiva ou terminantemente, visto n?o ser, como seu Pai, monarcha absoluto. A evoca??o das limita??es constitucionaes tinha o cond?o de agradar sempre a um ministro, como Canning, que luctava contra os restos do poder pessoal na monarchia britannica.
Tendo os enviados brazileiros aproveitado perfeitamente o ensejo offerecido pelo portuguez para occuparem-se da expedi??o de 10,000 homens, com 5,000 mercenarios hanoverianos, a qual amea?ava partir de Lisboa para o Brazil, ficou combinado que tal expedi??o quedaria em projecto , si por parte do Brazil continuassem effectivamente suspensas as hostilidades. Por seu lado prometteram Caldeira Brant e Gameiro encaminhar para o Rio de Janeiro, a Luiz Jos? de Carvalho e Mello, as proposi??es do plenipotenciario de S. M. Fidelissima.
A 19 de Julho teve lugar no Foreign Office a segunda conferencia, ? qual tambem assistiu o principe Esterhazy, j? de regresso da Austria e removido para a embaixada de Pariz. Deu-se nova e infructifera insistencia dos plenipotenciarios brazileiros para arrancarem ao conde de Villa Real o reconhecimento da Independencia, e como elle se recusasse, para levarem as c?rtes medianeiras a obterem-no. Fazendo Caldeira Brant e Gameiro depender tudo mais d'aquelle reconhecimento, e n?o indo as instruc??es do plenipotenciario portuguez, conforme declarou depois n'uma entrevista confidencial com os brazileiros realizada a 1^o de Agosto, al?m da auctorisa??o para o reconhecimento da autonomia, n?o da soberania do Brazil, a negocia??o teria entrado n'um becco sem sahida si Canning, com sua habitual presen?a d'espirito, n?o houvesse, para remover a difficuldade, tomado o expediente de avocar ?s potencias medianeiras a tarefa de redigirem e apresentarem o tratado de reconcilia??o. E como o principe Esterhazy advertisse que a c?rte austriaca apenas queria conciliar id?as e n?o suggeril-as, o Inglez propoz-se assumir s?sinho o trabalho e a responsabilidade. Por sua vez Villa Real observou, que n?o possuia poderes para mais do que para discutir as proposi??es brazileiras, podendo comtudo encaminhar para Lisboa qualquer projecto de Canning.
O plenipotenciario portuguez defendia com pertinacia uma causa de antem?o perdida.
Ficou demonstrado, uma vez ainda depois da guerra naval com os Hollandezes na costa do norte do Brazil, quanto vale no mar a ligeireza: as naus portuguezas, mais pesadas, n?o podiam escapar, quando isoladas ou interceptadas, ?s embarca??es mais velozes da marinha brazileira, nem tampouco podiam perseguil-as de combina??o. Deixando em paz o resto da esquadra dos adversarios, Cochrane aproveitou-se d'essa sua maior facilidade de movimentos para fazer-se de vela para o Maranh?o, que, sem derramar gotta de sangue, audaciosa e astutamente reduziu ? auctoridade imperial antes de chegar o refor?o portuguez. No Par? o capit?o Grenfell, para alli despachado pelo almirante, procedeu de modo analogo e com identico afortunado resultado, podendo a improvisada esquadra nacional gabar-se no fim da curta campanha de ter, sem sacrificio de uma nau, subjugado duas enormes provincias e aprezado mais de 120 navios portuguezes.
E sabido que, apezar das legitimas reclama??es de Lord Cochrane e da sua soffrega marinhagem, o Imperador n?o mandou proceder ? condemna??o e adjudica??o das embarca??es capturadas e bens sequestrados, conscio de que tal acto excitaria extrema animosidade em Portugal e causaria m? impress?o na Inglaterra, e desejando conservar toda a propriedade portugueza em deposito para opportunamente restituil-a, quando fosse celebrada a reconcilia??o com a m?i patria. O Governo Imperial, cuja seguran?a contra a opini?o nativista n?o era comtudo tanta que o tivesse permittido abolir por acto publico as hostilidades, quando para este passo o instigava o Governo Britannico, porta-voz do Portuguez, queria manifestar por aquella forma ao Reino e ? Europa a sua honestidade e modera??o.
Considerando todas estas raz?es, o exgottamento de Portugal e a tolerancia do Brazil no assumpto das prezas, Villa Real entendeu, n?o obstante a sua sobranceria de gentilhomem-diplomata, dever abrir-se um poucachinho mais na entrevista confidencial de 1^o de Agosto com Caldeira Brant e Gameiro, na qual affirmou com segunda inten??o estar-lhe formalmente vedado ouvir e encaminhar proposi??es de independencia que n?o fossem acompanhadas de justas compensa??es. Perguntado n'um tom indifferente pelos nossos enviados quaes poderiam ser essas suppostas compensa??es, respondeu, na apparencia vagamente, que julgava serem, pelo menos, a reuni?o por morte de D. Jo?o VI das duas cor?as na cabe?a de D. Pedro, ou dos seus successores immediatos ou collateraes; favores especiaes ao commercio portuguez, e assump??o pelo Brazil de parte da Divida Publica portugueza. Caldeira Brant e Gameiro responderam que, por emquanto, lhes falleciam instruc??es para tratarem dos pontos aventados, havendo, quanto ao primeiro, o Imperador propositalmente querido separar seus interesses pessoaes dos geraes do Imperio. N?o deixaram entretanto os plenipotenciarios brazileiros de ir logo apontando o perigo, sen?o a impossibilidade da reuni?o das duas monarchias, a qual no dizer de Villa Real o Governo Britannico julgava factivel <
A 9, 11 e 12 de Agosto tiveram lugar no Foreign Office novas conferencias plenarias, em que voltou longamente ? discuss?o a quest?o do reconhecimento preliminar reclamado pelo Brazil e das condi??es preliminares exigidas por Portugal, sem outro effeito mais do que evidenciar a crescente m? vontade da Austria em ajudar as preten??es do Imperio sul-americano. Nem Metternich, que subordinava todas as considera??es publicas e de familia ? da preserva??o da Allian?a tendente ao <
Na conferencia seguinte com effeito voltou Villa Real ? carga com as suas trez proposi??es, insistindo na pouca vontade em annuir a essas condi??es que denunciava a resposta do ministro Carvalho e Mello ao consul Chamberlain, e amea?ando interromper a negocia??o encetada at? receber novas ordens do seu Governo. S? n?o levou a cabo a amea?a pela opposi??o dos trez medianeiros, que n?o quizeram que, por motivo de um emperro considerado pueril, ficassem gorados os seus desejos e esfor?os para uma pacifica??o inevitavel e inadiavel. No tocante ?s queixas do ministro portuguez, s? era dado aos nossos enviados replicar com evasivas, e isto executaram-no com geito. Lembraram que a reclama??o transmittida por Chamberlain e compendiando o preliminar desideratum portuguez, f?ra anterior ? abertura das negocia??es de Londres, e que a replica do Ministro de Estrangeiros correspondia ? phase que preced?ra o exercicio dos bons officios das duas potencias amigas. N'aquelle instante, porem, as inten??es do Governo Brazileiro dirigiam-se no sentido de concorrer para a cessa??o das hostilidades, suspens?o dos sequestros e facilidades das rela??es commerciaes entre o Imperio e o Reino. Carecia comtudo o Imperador de proceder com toda a deferencia para com a opini?o publica, a qual se manifestava adversa a qualquer composi??o com a ex-metropole antes de reconhecida a independencia da ex-colonia, e no Novo Mundo se sentia capaz de imp?r ao throno, ainda mal firmado, as suas preferencias.
Invocando o espectro da anarchia, que as difficuldades domesticas poderiam gerar, o Governo Brazileiro era mais sincero do que pareceria ? primeira vista, para quem apenas se lembrasse da oppress?o exercida sobre a America pelas duas metropoles da Peninsula Iberica. O povo j? n?o era o mesmo dos bons tempos coloniaes, quando o throno de Portugal exercia de longe para o Brazileiro nato a attrac??o do fetiche para o Africano bo?al. A C?rte permanec?ra treze annos no Rio de Janeiro, n?o mais a c?rte dos vice-reis, com suas pequenas tyrannias e suas ridiculas vaidades, mas a verdadeira C?rte dos Bragan?as, n?o menos ign?ra e moralmente corrupta, no seu conjuncto, do que aquella. O contacto de todos os dias com a fidalguia do Reino, junto com a franca leitura de livros estrangeiros e a convivencia com os estrangeiros--e n'estes pontos o governo de D. Jo?o VI foi perfeitamente liberal--tinham destruido at? o respeito pela realeza. A sympathia pelas institui??es e costumes de outros povos surgiu simultaneamente com o desapparecimento da confian?a nas institui??es e costumes de casa, ou por outra vingava a ambi??o de transformar umas e outros.
O quadro tra?ado por Mathison da s?de da monarchia portugueza ? em muitos sentidos degradante, mas exacto. A emigra??o do Reino transport?ra, com seus thesouros, os seus favoritismos e as suas intrigas, e a administra??o publica, salvo esfor?os individuaes dignos dos maiores encomios, desgra?adamente mold?ra-se pela da metropole. O erario n?o podia fazer honra aos gastos da cor?a, que raramente se traduziam por beneficios publicos, lucrando antes a camarilha com a prodigalidade regia e continuando o paiz sem esquadra que defendesse os seus disseminados e amea?ados dominios, a cidade sem edificios que lhe dessem f?ros de capital, o povo sem instruc??o nem bem estar que lhe grangeassem devo??o civica e lealdade dynastica. O peculato assent?ra por toda a parte os seus arraiaes; o suborno era um systema consagrado; a venda de honrarias, dignidades e posi??es uma cousa admittida; o contrabando uma func??o creada sen?o reconhecida, posto que perturbadora do organismo economico. A moeda andava legalmente falsificada, sendo os pesos de prata hespanhoes, avaliados ao par em 800^, refundidos em pe?as de trez patacas ou 960^, e passando o cobre por identica adapta??o. Sobre esta circula??o metallica avariada repousava o credito da circula??o fiduciaria, e Estado e Banco auxiliaram-se com uma permuta de favores equivocos at? que, retirando-se de novo para Portugal, a C?rte arrecadou o dinheiro e fundos nacionaes e deixou o Banco limpo de numerario e sobrecarregado de notas desvalorisadas. Esta situa??o era patente e criticada desde que a critica conquist?ra sua franquia, e t?o impressiva torn?ra-se a influencia da opini?o que o Imperador, particularmente quando era ainda principe real, cortejava o mais afanosamente a popularidade das ruas e m?rmente a do exercito, apparecendo repetidamente em publico, passando continuas revistas ?s tropas, correspondendo pressurosamente ?s sauda??es, protestando em proclama??es o seu devotamento ? terra em que cresc?ra e que chamava sua.
Essa terra elle s? a poderia porem chamar verdadeiramente sua, depois que lh'o permittissem as potencias do Velho Mundo, e o meado do anno de 1824 j? decorr?ra sem que as respectivas negocia??es se approximassem do seu desfecho. Pelo contrario, ao procurar discutir-se no Foreign Office o projecto de tratado offerecido por Canning, deu-se uma nova serie de recusas. Allegou immediatamente o ministro portuguez seu papel unico de transmissor de propostas brazileiras, que n?o envolvessem o desconhecimento dos legitimos e sagrados direitos de S. M. Fidelissima. Propuzeram ent?o os enviados brazileiros que o Secretario d'Estado britannico e os representantes da Austria endere?assem o projecto ao gabinete da Bemposta, para que este auctorisasse Villa Real a discutil-o. Furtaram-se porem os Austriacos ? miss?o, por julgarem-na f?ra do papel todo consultivo adoptado pela c?rte de Vienna, que n?o queria propriamente intrometter-se n'um negocio por ella considerado de familia, e muito preferia que a solu??o viesse do accordo directo entre as duas partes, sem recurso a terceiros. A verdade era, al?m dos ciumes de Metternich pela posi??o preponderante que estava cabendo a Canning na independencia do Novo Mundo, que a Austria chegava-se para Portugal e desamparava o Brazil ? medida que se dissipava a impress?o das C?rtes demagogicas de 1820 e que a politica de reac??o vingava em Lisboa sobre as aspira??es liberaes.
Ap?s as trez successivas entrevistas do Foreign Office e emquanto aguardavam a sequencia dos acontecimentos, tampouco ficavam inactivos os representantes do Imperio em Londres. A Lega??o accumulava n'aquelle tempo as func??es de consulado, de reparti??o fiscal e de casa de commiss?es. Comprava encommendas para o Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, e at? adquiria, tanto quanto nos Estados Unidos, navios de combate, pois a neutralidade affectada pelo Governo Britannico n?o era tamanha que impedisse geralmente essas manifestas viola??es. Nem deve admirar a liberdade com que na Inglaterra se permittiam o apresto e partida de expedi??es armadas, com homens, embarca??es e petrechos bellicos, para servirem no Brazil contra Portugal, quando a Fran?a, mau grado a sua politica ultra-conservadora, n?o reluct?ra a admittir os consules brazileiros nos seus portos sob o titulo de agentes commerciaes. Era necessario engajar muitos marinheiros para a armada nacional porque o nosso espirito, capitalmente refractario ? disciplina militar, j? n'esse momento obrigava a utilisarem-se no servi?o naval os mercenarios estrangeiros que t?o damninhos viriam a tornar-se no exercito. A Lega??o fazia igualmente opera??es financeiras, negociando emprestimos e emittindo apolices.
N?o soffreram sequer demora as novas instruc??es pedidas por Caldeira Brant e Gameiro, e que a 20 de Setembro chegaram do Brazil, auctorisando-os a celebrarem, uma vez que as negocia??es proseguissem com segura expectativa de obter-se o almejado reconhecimento, o armisticio preliminar de facto existente desde o inicio d'aquellas negocia??es, mas em cuja formal declara??o insistia sem recuar o ministerio portuguez. Esse armisticio seria de um anno para menos, <
Caldeira Brant e Gameiro accederam ao alvitre por motivo de uma justa deferencia pessoal para com o Secretario d'Estado, n?o escondendo porem que o projecto portuguez seria formalmente repellido no Rio de Janeiro. Para evidenciarem quanto estavam d'isso convencidos, fallaram at? em estipular-se na proxima futura conferencia, em que o tratado devia ser officialmente apresentado por Villa Real, um prazo para a renova??o das hostilidades no caso de rompimento das negocia??es. Canning offereceu-se para formular em pessoa a proposi??o e affirmou aos delegados imperiaes que, uma vez rotas as negocia??es com Portugal, elle por sua conta iniciaria outras para o reconhecimento pelo Governo Britannico da nova na??o americana, que os Estados Unidos acabavam justamente de reconhecer. Entretanto assegurava-lhes que a Inglaterra permaneceria neutral, dada a guerra, consentindo em que continuassem a servir na armada brazileira os officiaes e marinheiros britannicos, excep??o feita dos desertores.
Em troca do favor do adiamento da conferencia, evidenciou Canning o desejo de que, n?o permittindo as circumstancias o ajuste immediato de novo tratado, fosse prorogado por um anno mais o tratado de commercio em vigor entre a Inglaterra e o Brazil. Era este de resto o argumento capital com que o Secretario d'Estado dos Negocios Estrangeiros intentaria arrastar na senda que deliber?ra trilhar em opposi??o ? dos gabinetes continentaes, o gabinete de que fazia parte e onde sua vontade estava longe de ser omnipotente. Prevaleciam pelo contrario no seio d'elle as vistas do duque de Wellington e do Lord High Chancellor Eldon, contrarias ao reconhecimento dos paizes americanos, inclusive do Brazil, apezar de ter-se este organisado debaixo de uma forma monarchica de governo, e dos enviados do Imperador, com um leve e habil snobismo, trabalharem para obter o cumprimento dos desejos de seu Amo f?ra de toda associa??o com o enxame de Hispano-Americanos, pretendentes ao reconhecimento politico dos seus governos pela Gr? Bretanha, que ent?o pejavam a ante-camara do Foreign Office. Da sua banda Caldeira Brant e Gameiro, no mesmissimo intuito de actuarem sobre os politicos, sempre praticos, que dirigiam a marcha dos negocios publicos na Inglaterra, aconselharam o gabinete de S?o Christov?o a dar por caduco, ao fim dos quinze annos legaes, o tratado de 1810, mandando desde logo organisar uma pauta geral e commum de direitos aduaneiros para ser igualmente applicada ?s importa??es inglezas no Brazil.
Ninguem ignora quanto a quest?o commercial devia valer para Canning, como para qualquer outro estadista britannico. <
O presidente revoltoso de Pernambuco, Manoel de Carvalho, para fazer dinheiro embarc?ra para a Europa cargas de pau brazil, de que os nossos agentes em Londres reclamavam a restitui??o em proveito da Junta de Fazenda legal e local. Por seu lado porem o agente portuguez em Hamburgo, para onde f?ra remettida a consigna??o e para onde haviam sido despachadas outras cargas inglezas do mesmo artigo, pretendia ser todo esse pau brazil legitimamente pertencente a Portugal, visto constituir a sua posse um monopolio da Cor?a. Acontecia que a Inglaterra se negava a reconhecer analoga preten??o da Hespanha aos productos das minas americanas, e em semelhante caso como proceder differentemente com Portugal? Admittir a preten??o portugueza seria o mesmo que classificar como contrabando o trafico j? estabelecido com os portos hispano-americanos, e provocar o Brazil a privar a Gr? Bretanha dos beneficios do tratado que estava desfructando.
Nada pode comtudo arguir-se contra o procedimento do Imperador nas citadas emergencias. Muito avisadamente declinou pela segunda vez entreter quaesquer negocia??es irregulares ou sequer receber o emissario, um medico por nome Jos? Antonio Soares Leal, que foi da mesma forma preso e reexpedido para Lisboa. Caldeira Brant e Gameiro n?o se desleixaram porem em dar toda a publicidade a semelhante incidente, que vinha muito a proposito lan?ar a pecha de perfido sobre o gabinete de Lisboa, cujas verrinas contra o Brazil figuravam de thermometro das suas esperan?as, recrudescendo ? medida que se ia desvanecendo em Portugal a confian?a de recobrar a perdida ascendencia sobre o paiz americano. Note-se que, como depois os factos amplamente confirmaram, o campo n?o ficava absolutamente perdido para a actividade industrial do Reino, pois que dos portos portuguezes sahiam entretanto navios carregados para o Brazil, propondo Caldeira Brant o appello ? guerra, a qual deveria compellir Portugal ? paz, muito mais como meio de arruinar o seu trafico mercantil do que como modo de destruir seus recursos militares. Tanto entendia o futuro marquez de Barbacena que essa guerra fosse economica que, no plano de hostilidades apresentado ? approva??o do soberano, fazia-a acompanhar da prohibi??o de introduc??o das mercadorias portuguezas no Brazil, embora transportadas em navios neutros.
Infelizmente as boas rela??es preservadas entre os diplomatas n?o significavam boas rela??es entre os Governos que elles representavam e cujos interesses defendiam: n?o passavam de anodinas trocas de cumprimentos entre pessoas bem educadas. O Brazil e Portugal conservavam-se arredados, tornando-se mais viva cada dia a antipathia que os distanciava. Em Portugal os ministros de D. Jo?o VI eram, da mesma forma que em sentido inverso no Brazil os de D. Pedro I, actuados na sua avers?o a legitimarem os factos consummados pelo sentimento popular profundamente hostil ? desuni?o. Sabemos todos os que temos estudado esse periodo, o que era a plebe portugueza dos primeiros decennios d'este seculo--n?o s? ignorante como insubordinada, com certas qualidades excellentes mas degradada pela degrada??o das classes altas, cynicamente irreligiosa porque religi?o se n?o podia chamar o seu fetichismo grosseiro, e porque n?o encontrava tal sentimento entre aquelles que tinham por miss?o zelar o fogo sagrado. O clero regular, t?o numeroso, s? merecia o desprezo do populacho, que o sentia mais perto de si do que de Deus, e esta impiedade latente explica bem que, com o voltairianismo da epocha constitucional, as cren?as se houvessem apagado tanto e t?o depressa n'uma terra onde pareciam mantel-as abrazadas as fogueiras do Santo Officio.
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