Read Ebook: O que fazem mulheres: Romance philosophico by Castelo Branco Camilo
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Ebook has 1216 lines and 38849 words, and 25 pages
< verdade, snr. Pimenta.
--Ninguem lhe falou?! estava s?sinho?!
< --E Ludovina? < --De cama!? ella ficou boa quando eu sa?... Alguma d?r de cabe?a... < --Saude, meu amigo, appare?a ? noite, que lhe quero dar o conhecimento d'este meu amigo, que ser? provavelmente o marido de minha filha... < Sa?u; e o snr. Jo?o Jos? Dias , franzindo a testa, disse ao pae da esposa promettida: --Que diabo de cousa ? isto? Cuidei que me picava o bom do homem com os galhos do bigode! Eu corto as orelhas ambas e duas, se aquillo n?o f?r um patarata! < um pobre diabo que l? novellas, e n?o ? mau rapaz--respondeu o snr. Melchior, limpando o suor da testa. < A snr.? D. Angelica interrompeu a parlenda acrimoniosa de Jo?o Jos? contra os romances. < Jo?o Jos? Dias devia or?ar pelos seus quarenta e cinco annos. Era de estatura menos que mean, adiposa, sem proeminencias angulares, essencialmente pansuda, porque Jo?o Jos? tinha uma serie descendente de pan?as, desde a papeira c?r de rosa at? ?s buchas das canellas ventrudas. Nas faldas de uma testa estreita, chata, e rugosa, como um elytro da concha de um c?gado, luziam os olhos pequenos e esverdinhados de Jo?o Jos?. As palpebras tumidas e pillosas como a casca da fava, enviezavam-se para dentro, formando ? raiz das pestanas um rebordo purpurino. O nariz, sem base nem ossos, nem cartilagens, devia ser a desespera??o de Falopio e de Bichat: rompiam-lhe d'entre os olhos as ventas j? formadas, com a ponta arrega?ada e as azas convexas, dilatando-se at? ?s alturas dos ossos malares, entupidos nas bochechas gordurentas. Os bei?os eram bicolores; nacarinos no centro, e r?xos para as extremidades quasi invisiveis sob os refegos relachados dos musculos limitrophes. Jo?o Jos? tinha quatro dentes incisivos de brilhante esmalte, entalados nos outros quatro, formando de commum accordo as saliencias irregulares de um peda?o de crystal bruto. Os dentes laniares ou caninos tinham uma crusta de carie, e algumas luras chumbadas. Os vinte malares estavam no goso das suas func??es triturantes, com quanto amarellados de saes terreos, e regorgitamentos do bolo indigesto. Jo?o Jos? n?o tinha pesco?o: as espaduas ladeavam-lhe os bocios da garganta, alteando-se ao nivel das orelhas escarlates, com bolbos da mesma c?r, e n?o sei que excrescencias no lobulo, simulando pingentes de coral. Disse-se que era todo barriga o homem, j? que Buffon e Cuvier asseveram que ? homem, feito ? imagem e semelhan?a de... n?o ousamos escrever a blasphemia. O que se n?o sabe ? que a barriga lhe marinhava peito acima, at? levar de assalto o campo onde f?ra pesco?o. As pernas de Jo?o Jos? eram dois cepos, postos em peanha a uma esphera armilar. T?o curtas eram ellas, e t?o desmesurados os p?s, que me n?o seria difficultoso convencer-vos de que a natureza, em hora de travessura, fez da por??o de materia, destinada para perna e p?, duas partes eguaes, juntou-as e o ponto de junc??o denominou-o calcanhar. As botas de Jo?o Jos? tinham incriveis expans?es de couro: eram um oceano de bezerro cortado de ilhas. Os joanetes do p? direito formavam um archipelago. No remanescente das milhas despovoadas, o p? era raso e ch?o como uma lousa de mercieiro. Deram-se uns longes para auxiliar a phantasia de quem n?o conhece o snr. Jo?o Jos? Dias. Para os que o viram, a pintura, vae tacanha e inhabil, aqui o confesso, envergonhado do meu descredito. Vamos ? biographia da pessoa, e veremos que boa alma se nichou n'este hediondo envolucro. Jo?o foi cach?po para o Brasil, e estreou-se n'uma loja de molhados, onde grangeou renome de rapaz videiro e possante. Abra?ava uma talha de azeite de tres almudes, e aguentava com ella do armazem para a loja, sem impar. Levantava do sobrado para o balc?o o peso das tres arrobas com os dentes. Punha a prumo meia pipa de cacha?a, e levava ? b?ca, sem gemer, um barril de dois almudes, com o bra?o testo na aza. Isto constou na rua dos Pescadores, e, ao terceiro anno, Jo?o era alliciado por varios patr?es, que disputavam o lan?o. N?o pertencem ? alma estes esclarecimentos, bem o sei; mas a alma de Jo?o Jos? formou-se ent?o. A probidade, a lisura, a honradez do bo?al caixeiro nunca foram desmentidas pela gaveta do patr?o. Os convites, feitos ? sua cubi?a de melhores ordenados, repelliu-os sempre, dizendo que nunca deixaria a casa onde comera o primeiro bocado de p?o. O augmento de ordenado vinha sempre espontaneo dos patr?es: podendo inculcar-se com as propostas dos vizinhos, nunca Jo?o Jos? se queixou dos pequenos ganhos. Os paes de Jo?o eram uns pobres fazendeiros de Celorico de Basto, que se desfizeram do unico cevado e de uma vitella para pagarem a passagem do rapaz. Jo?o n?o esqueceu estes sacrificios nem as lagrimas que vira no rosto da m?e, quando, em Miragaia, lhe deu um quartinho em ouro embrulhado em seis camadas de papel. Os lucros dos tres primeiros annos foram quasi todos enviados a seus paes, e, d'ahi em diante, metade do ordenado vinha repartido em pequenas mesadas para os velhos, que lh'os devolviam em roupas brancas. Jo?o Jos?, morrendo um socio da casa, achou-se herdeiro da ter?a parte do negocio. Pudera ent?o retirar-se com haveres sobejos para viver descan?ado na patria; mas, para obviar os desarranjos da liquida??o, continuou na sociedade. Veiu a Portugal em 1835, comprou no Minho a cerca de um convento, e, deixando o uso-fructo aos paes para que vivessem regalados, voltou ao Rio de Janeiro, onde achou fallida a sua casa commercial, e compromettida a compra que fizera na terra. Tinha sido escandalosamente roubado o pobre homem. Aconselharam-no que intentasse ac??o judiciaria contra os socios. Rejeitou o alvitre, dizendo que Deus os julgaria. Acceitou os enormes creditos que lhe offereceram, estabeleceu-se, e dentro de doze ou treze annos pagou as dividas de seus socios, e liquidou cem contos de r?is fortes, entre os quaes, diz elle, e dizem todos os que o conheceram, n?o havia cinco r?is adquiridos deshonrosamente. Chegou a Portugal em 1848. O pae era morto e a m?e octogenaria estava entrevadinha, pedindo ao Senhor que a n?o remisse das penas d'este mundo sem ver seu filho. Jo?o Jos? Dias assistiu seis annos aos longos paroxismos de sua m?e, ado?ados com as lagrimas da felicidade. Em 1854 finou-se a velha nos bra?os do filho, dizendo-lhe que fizesse feliz uma mo?a pobre, casando com ella j? que Deus lhe d?ra a riqueza. Passado o luto, o capitalista veiu ao Porto, e conheceu casualmente, na alfandega, Melchior Pimenta, que lhe fez um pequeno servi?o na brevidade de uns despachos. Alguns dias depois, encontrou o empregado da alfandega com uma formosa menina pelo bra?o, e perguntou-lhe se era sua filha. No dia immediato foi ? pra?a, e colheu de alguns negociantes informa??es ?cerca da filha de Melchior. Todos ? uma lhe disseram que a menina gosava de excellente opini?o; mas tinha s? o defeito de querer hombrear em luxo com as filhas dos negociantes mais abastados. Um dos informadores accrescentou que os tafet?s, as rendas, e as pelli?as da filha do empregado da alfandega n?o pagavam direitos. Esta mordedura dos malevolos n?o magoou Jo?o Jos? Dias. Fez-se encontradi?o com Melchior, e falou-lhe dos seus teres, e da ten??o que tinha de mudar de estado, at? para cumprir uma promessa que fizera a sua m?e. Disse-lhe Melchior que era acertada a resolu??o, e muito facil o realisa'-la. Replicou o brazileiro pedindo que lhe indicasse alguma menina honesta. Pimenta pediu tempo para pensar, e o capitalista, com a rude franqueza de uma boa alma, disse que a sua escolha estava feita. Averiguada a cousa, a escolhida era a filha do sr. Melchior Pimenta, que n?o cabia n'um sino. --Isto ? um modo de falar...--observou Jo?o Jos?--Sem que sua filha d? o sim, nada feito. Eu sei que estou no cal?ado velho, e n?o trajo c? ? moda dos janotas, como por ahi dizem. A sua filha ? muito nova, e querer? um rapaz. Fale com ella, diga-lhe a verdade, eu irei l? se o senhor quizer; se ella quiz, muito bem; se n?o quiz, ficamos amiguinhos como d'antes. --A minha filha ? docil e ajuizada: ha-de querer o que eu quizer. Foi educada por uma m?e, que teve melhores principios que eu, e faz com que ella lhe obede?a, tractando-a como irm?. Posso dizer-lhe que minha filha ser? sua esposa; mas bom ? que o senhor nos d? o prazer de frequentar a nossa casa, para conhecer o cora??o da minha Ludovina. ? este o resumo do grande dialogo que precedeu a apresenta??o do sr. Jo?o Jos? Dias a D. Angelica. N?o querendo eu, nem por sombras, indisp?r contra os meus fieis escriptos o imperio do Brazil, pe?o ao meu sisudo editor que fa?a estampar o seguinte epilogo d'este capitulo: Jo?o Jos? Dias adquiriu com exemplar probidade os seus bens de fortuna. Foi bom filho. Levou a honra commercial ao primor de embolsar credores roubados pelos socios que o roubaram a elle. Foi trabalhador, quando precisava acreditar-se pelo trabalho; e foi-o tambem, na opulencia, como o ultimo dos seus servos. Nunca teve escravos, comprados ou alugados: remiu alguns na decrepitude, e deu-lhes uma cama onde o ultimo instante da vida lhes fosse o primeiro de bem-estar. Que mais virtudes, ou maiores encomios a um bom caracter? Se pintei Jo?o Jos? Dias feio, n?o ? d'elle a culpa, nem minha. Jo?o Jos? Dias era realmente muito feio. Do Brasil vem muita gente galante. Tenho na pasta um esbo?o de romances onde figuram quatro brasileiros bonitos. H?o-de ver com que isen??o de animo se escreve n'esta provincia das lettras.
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