bell notificationshomepageloginedit profileclubsdmBox

Read Ebook: A agua profunda by Bourget Paul

More about this book

Font size:

Background color:

Text color:

Add to tbrJar First Page Next Page Prev Page

Ebook has 705 lines and 41294 words, and 15 pages

Faz-se s? justi?a reconhecendo, para explicar, ou antes desculpar as amarguras das suas desillus?es, que se este casamento tinha, a despeito das apparencias seductoras, motivos para n?o ser muito venturoso, tinha tambem outros para n?o ser completamente infeliz.

Joanna teve um s? filho que nasceu em condi??es bem tristes.

Foi necessario sacrific?l-o para salvar a m?e. A maternidade foi-lhe, desde esse momento, defeza.

Seu marido, que procurava como tantos outros augmentar a furtuna, transaccionando constantemente com os cento e vinte mil francos que constituiam o liquido dos seus haveres, encontrou-se compromettido, pouco a pouco, por muitas especula??es infelizes. Jogou para reparar as perdas e perdeu mais. Pediu a assignatura de sua mulher, que lh'a deu a principio, negando-lh'a depois, por conselho dos paes, para n?o prejudicar a sua independencia.

As quest?es de dinheiro transformaram-se, para este casal sem filhos ao qual uma continua dissipa??o perturba a energia moral, em discuss?es a principio violentas e que depois degeneraram em disputas. De scena em scena, a separa??o tornou-se inevitavel. Deu-se antes de findar o setimo anno d'este bello enlace, t?o <> como diziam as noticias de certos jornaes, quando se celebrou. Durava j? havia quatro annos, e Joanna esperava sem cessar que seu marido pedisse uma desliga??o mais completa dos la?os conjugaes, para ficar inteiramente livre e reparar, por uma nova uni?o, a sua fortuna reduzida a menos d'uma ter?a parte. Esperava isto, e, apezar das ideias religiosas que professava e das da sociedade em que vivia a constituissem na obriga??o de resistir a um tal projecto, desejava-o ardentemente.

O artigo 310 do Codigo Civil que permitte a um dos dois conjuges fazer transformar uma simples ac??o de separa??o de pessoas em divorcio, havia um certo tempo constituia o objecto unico das suas medita??es, visto que um tal artigo lhe abria as portas d'um segundo casamento, muito embora se achasse em contradic??o com a sua attitude, contrariando a familia, e a sociedade o levasse a mal.

Tudo isto nada valia para ella em face da precaria existencia que levava, n'um segundo andar da rua Barbet-de-Jouy, aonde se tinha refugiado, apenas com alguns mil francos de renda,--tanto quanto gastava em toilettes no principio da sua vida de casada--e a dois passos do sumptuoso palacio em que habitava a prima, transformada em marqueza de Chalinhy!

A cada desastre na vida de Joanna correspondia uma mudan?a feliz na de Valentina, o que para aquella era como que agudo punhal revolvido na ferida e cuja ponta resvalasse at? o mais intimo da sua alma e rasgasse a sua propria carne.

Na mesma occasi?o em que dava ? luz, no meio de torturas, o filho para sempre perdido, casava Valentina com Chalinhy, vinha, em seguida habitar um sumptuoso palacio na rua Varenne, digno de se comparar com o historico Nerestaing que lhe pertencia.

Possuia um geito e feitio especial para defender os seus interesses, n?o muito vulgar nas existencias de luxo e prodigalidade.

Porque se nem todas as pessoas abastadas se arruinam, para conservar uma fortuna ? quasi necessaria tanta habilidade como para a adquirir. Tinha, pois, um dom caracteristico de bem calcular, qualidade esta que ?, em geral, independente da nossa intelligencia e dos nossos habitos. A prova est? em que esse invejavel predicado, de conservar a riqueza adquirida, se encontra tanto na sociedade mais ignara como na mais illustrada, ou na mais correcta burguezia.

Chalinhy n?o apostava a favor d'um cavallo que n?o ganhasse; n?o dava ao seu agente na bolsa ordem para realisar uma compra que os valores negociados n?o tivessem uma alta imediata, e comtudo era mediocre cavalleiro e n?o menos mediocre bolsista. E se percebia pouco de quest?es d'arte, raras vezes se enganava na compra de qualquer objecto artistico. E assim em tudo o mais.

N'uma palavra, ? medida que o viver dos Node se tornava desagradavel, o dos Chalinhy era cada vez mais intimo e affectivo, espandindo-se e revelando-se o seu bem estar pelo menos n'estas manifesta??es exteriores que fazem dizer ao publico: <>

Como n?o havia, pois, de reapparecer a antiga inveja cada vez mais forte, mais intensa, mais arreigada, no cora??o da prima, separada do marido, arruinada, vagamente desacreditada ja; como n?o havia ella de repetir sempre que passava, em carruagem alugada ao mez, defronte do perystilo do principesco palacio da rua Varenne o <> murmurado, quando era ainda crean?a, ? vista das quatro soberbas torres ameadas do Castello de Nerestaing.

Perigosas palavras, mas que ficariam todavia ineficazes como tantas outras exclama??es de ciume e inveja, soltadas a cada momento n'esse Paris de luxo e ostenta??o, por tantas vaidades humilhadas, ?s quaes serve de atroz supplicio a vis?o da opulencia exhibida pelo proximo.

Quiz a infelicidade que Valentina ou n?o advinhasse sequer a existencia de taes sentimentos, ou ent?o que, se realmente os surprehendeu, pretendesse por uma excessiva generosidade dissipal-os ? for?a de bondade. ? a peor e mais perigosa falta que a invejada pode commetter para com a invejosa.

Certos processos demasiadamente generosos, pela superioridade moral exasperam ainda mais a funesta paix?o.

N?o reflectia, por?m, n?o pensava que tendo Joanna junto de si era tel-a tambem sempre proxima de seu marido.

N?o ha nada mais propicio ?s sedu??es do que esta intimidade entre um homem novo e uma mulher galante, que um proximo parentesco torna naturalmente familiares, que se chamam pelo nome de batismo, sahem juntos sem que ninguem se admire d'isso, escrevem-se quando est?o separados, habituam-se emfim, a todas as intimidades do amor, n'uma amizade bem depressa perturbada, se um d'elles se deixa invadir de pensamentos que n?o sejam d'uma lealdade e simplicidade absolutas.

Depois de tantas humilha??es, a tenta??o de tirar uma desforra, roubando a Valentina o cora??o de Chalinhy, tornou-se irresistivel para Joanna.

Tal foi a primeira ambi??o d'um instincto de vingan?a feminina, j? de si bem perfida.

Estes desejos de exercer influencia nos sentimentos s?o sempre acompanhados d'uma garridice physica, que tem por fim excitar n'aquelle que vizam a emo??o ingovernavel dos sentidos.

Uma vez entrados n'este caminho a provocadora e o seu cumplice n?o podem mais responder por si.

O obscuro e terrivel animalismo que impera, a despeito do nosso orgulho e das conveniencias sociaes, nas rela??es do homem e da mulher, exerce por fim o seu predominio fatal.

Quer-se preocupar o marido d'uma rival, prendel-o, perturbal-o--e desperta-se, como aconteceu a Joanna de Node, a amante d'aquelle com quem s?mente se pretendia brincar--e nada mais.

Passava j? d'um anno que esta liga??o come?ara e em logar de encontrar n'este triumpho sobre sua prima escarnecida e enganada, uma pacifica??o para o seu odio, a culpada sentia cada vez maior exaspero. Por uma contradic??o que mostrava absoluta confian?a de Valentina, longe de amortecer o rancor de Joanna, ao contrario, apenas o irritava.

O papel de tola, desempenhado pela marqueza de Chalinhy, era revestido de muita delicadeza e muita innocencia! T?o morigerada, t?o completa, tinha uma tal maneira de n?o ver o mal, que n?o permittia motejos. N?o dava pela sua existencia, pela simples raz?o de que nunca o havia praticado, nem mesmo pensado em o praticar. O mundo que come?ava a perceber a existencia da intimidade entre Chalinhy e Joanna, n?o acreditava, sem reservas, na ignorancia da marqueza.

<> dizia-se. A baroneza de Node, por?m, sabia perfeitamente como lhe tinha sido facil abusar d'uma creatura que se julgaria aviltada por supp?r a sua companheira d'infancia capaz d'uma infamia. Sabia tambem, ou antes advinhava, que esta situa??o ridicula, para qualquer outra, d'uma esposa enganada por uma das suas parentas mais proximas e quasi que ? sua propria vista, n?o provocava no seu meio, nenhum epigramma contra Valentina.

As m?s linguas misturavam, involuntariamente, ? sua ironia sobre uma tal ingenuidade a express?o irresistivel d'uma estima for?ada.

As mais crueis diziam: <> ou ent?o: <>

O que lhe acontece ? perfeitamente natural... ou ainda: <>

Estes ditos e outros iguaes, onde se aprecia a honra do mundo, em presen?a d'uma perfei??o que desconcerta o seu pessimismo facil, marcam o extremo da malevolencia.

N?o impediam que a marqueza tivesse em volta de si uma atmosphera dum respeito cada vez mais deferente, e que a sua feliz rival n?o percebesse nos mais insignificantes indicios o come?o de uma desconsidera??o.

Uma mulher nova, que se sabe tem um amante, ? logo tratada pelas outras mulheres com uma curiosidade, e pelos homens com uma atten??o igualmente insultantes.

Adivinha nos olhares d'ellas o interesse curioso e por vezes insolente, que as prende ?s clandestinas aventuras amorosas; e no d'elles a secreta esperan?a d'um amor possivel.

Contra esta condemna??o da sua falta pela sociedade, a mulher que ama n?o tem sen?o um refugio, a felicidade que d? ao ente amado. Ai! N?o foi necessario muito tempo para Joanna perceber que n?o fazia a felicidade de Chalinhy, e que o obstaculo a essa felicidade provinha da profunda affei??o que este homem tinha, por quem? Pela propria esposa que trahia! Muitos maridos infieis s?o assim: a familia n?o consegue amortecer n'elles, de todo, os apetites de g?so e de variedade, que adquiriram em solteiros.

A familiaridade quotidiana diminue e como que amortece o amor. Acontece mesmo, ? at? um caso muito frequente, que a existencia lado a lado, em logar de produzir a afinidade, a fuz?o dos cora??es, a diminue, e que, apezar de se verem todos os dias, muitos esposos ? como se n?o se vissem.

Ainda mesmo que a mulher n?o seja t?o pudica e reservada e o homem severo e susceptivel, como eram Valentina e Norberto de Chalinhy, estes retrahimentos intimos tomam por vezes uma tal intensidade, que d?o a explica??o facil de muitos erros.

Mas se estas impress?es de monotonia e de friesa collocam o que as experimenta, no lar conjugal, ? merc? de todos os caprichos dos sentidos e at? do cora??o, n?o deixam com tudo de se achar presos a esse lar, que abandonam, pelas suas affei??es mais intimas.

Engana sua mulher, e n?o deixa ella por isso de ser a que usa o seu nome, a m?e de seus filhos, a companheira que occupa no seu pensamento um logar unico.

Mente-lhe mas respeita-a. Ultraja-a em segredo, e os seus devaneios n?o o impedem de p?r acima, muito acima das amantes d'um momento, a companheira das horas principaes e mais s?rias da sua vida.

Foram estes os sentimentos que Joanna de Node encontrou sempre no cora??o do amante, durante os doze mezes da sua liga??o, os quaes, facilmente se adivinha, produziam a irrita??o constante, a tortura permanente da ferida que a inveja abrira na sua alma!

Se acontecia fazer a menor observa??o critica que podesse attingir Valentina, ainda que muito de longe, uma visivel sombra de contrariedade passava logo pelo rosto de Chalinhy e o seu olhar tornava-se severo. Se fazia uma allus?o ? possibilidade de a intriga amorosa, em que se achavam envolvidos, ser descoberta pela esposa enganada, a angustia do olhar do seu cumplice mostrava bem evidentemente qual o grande apre?o em que tinha a estima de sua mulher.

Quando surprehendia um d'estes indicios da persistente affei??o de Norberto por aquella que detestava, com um odio misturado de remorsos, redobrava de sedu??o junto d'elle.

Tinha o maior interesse em dominar cada vez mais esse homem, e todavia via-se for?ada a prendel-o apenas pelas mais obscuras fraquezas do seu ser e a seduzil-o pela sensualidade.

N'este brutal dominio era ella a mais forte e esta evidencia rebaixando-a aos seus proprios olhos, mais excitava ainda a sua inveja.

Calcule-se agora o resentimento que devia produzir n'esta alma perturbada, completamente minada por pensamentos d'esta ordem, a seguinte inexperada descoberta: A duqueza de Chalinhy n?o era o que parecia? Tinha um segredo na sua vida? Esta irreprehensivel esposa, cujo marido a si proprio n?o perdoava o trahil-a, corria Paris n'um trem, emquanto seu marido a julgava em casa muito resguardada? Tinha encontros clandestinos, deixando a carruagem ? porta d'uma casa com varias entradas--exactamente como fazia a propria Joanna, quando ia encontrar-se com Chalinhy? Este modelo de virtudes, cujo elogio tanto a havia humilhado desde crean?a e ainda hoje a humilhava mais cruelmente, n?o passava d'uma hypocrita, d'uma comediante? Era possivel?

Primeiros esfor?os

? possivel? Joanna tinha os maiores desejos de responder <> a esta pergunta, para que o seu pensamento se apressasse a colligir e amontoar os argumentos que podiam confirmar esta inexperada, esta fulminante descoberta.

Quando viu Valentina fechar a porta da carruagem que a conduzia para um recanto occulto d'esse grande Paris--t?o propicio a encontros mysteriosos,--invadiu-a uma violenta commo??o.

N'um s? momento, o procedimento da sua orgulhosa prima tinha-a rehabilitado aos seus proprios olhos, rebaixando aquella ao seu nivel.

Add to tbrJar First Page Next Page Prev Page

 

Back to top