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Read Ebook: Pelo mundo fóra by Carvalho Maria Amalia Vaz De

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Ebook has 412 lines and 33183 words, and 9 pages

Entre um anno, o da gloria soberba e unica, e outro, o da derrota universal, quantos crimes de lesa-na??o, de leso-direito, at? de leso-entendimento. Napole?o acab?ra por sentir aquella embriaguez dos Cesares que os atirava ao crime e ? loucura em virtude de uma attrac??o irresistivel e fatal.

Bastavam estes dois quadros para dar a Meissonier o logar eminente que elle tem entre os pintores francezes. Accusam-n'o de ser minucioso em demasia, de ter uma concep??o acanhada da arte, de dar muito mais atten??o aos pormenores que ? esthetica geral da sua obra; mas estes dois quadros desmentem todas as accusa??es que lhe fazem os seus detractores. Meissonier comprehendeu a verdadeira grandeza, a grandeza epica, a que inspirou Homero e Cam?es; a que faz ainda hoje palpitar os frios cora??es d'esta era de industrialismo e de interesse egoista.

L? est? elle cercado por doze silenciosas estatuas de marmore que symbolisam victorias, e de bandeiras crivadas de balas que seu exercito conquistou.

N?o houve nada de banalmente curioso na minha visita; era uma romaria piedosa feita a um idolo da minha mocidade, ? unica figura grandiosa que a edade moderna p?de apresentar em face das grandes figuras antigas que se chamam Alexandre ou Cesar.

? por isso que s? na Antiguidade se encontram dois homens cuja miss?o excedeu em importancia universal aquella que Napole?o representou na Historia, e que esses dois homens s?o Alexandre e Cesar.

As campanhas de Alexandre tiveram no desenvolvimento intellectual da Grecia e do mundo uma influencia enorme e decisiva:

N?o ? para mim falar das maravilhas estrategicas d'essas campanhas, das quaes uma manobra celebre foi genialmente reproduzida por Napole?o em Austerlitz; mas o que interessa ? humanidade inteira e por mim p?de ser lembrado, ? a impuls?o gigantesca que a intelligencia do homem recebeu quando o genio grego foi pela primeira vez profundamente penetrado pelo genio do Oriente, quando os capit?es e os soldados da guerreira Macedonia venceram o amollecido imperio persa, e caminharam desde o Danubio at? ao Nilo, desde o Nilo at? ao Ganges, vendo cada dia cousas novas, sentindo cada dia impress?es e suggest?es at? alli desconhecidas; quando elles estremeceram ao sopro gelido que vem dos paizes que se alastram ao longo do mar Negro, e foram quasi que asphyxiados, pelo simoun ardente, pelos vendavaes de areia dos desertos do Egypto; quando se assombraram deante das Pyramides que tinham resistido a vinte seculos de velhice, e interrogaram em v?o os obeliscos de Luqsor cobertos de indecifraveis hieroglyphos, e as longas fileiras de esphinges mudas, mysteriosas exhalando de si o pavor de um symbolo inexplicado! quando admiraram as estatuas colossaes de reis que na aurora do mundo haviam vivido e reinado, e se assentaram nos sal?es de Esar Haddon sobre os thronos dos velhos reis da Assyria que enormes le?es alados estavam sombriamente guardando havia seculos e seculos...

? Grecia revelaram-se ent?o no??es do Universo que ella ignorava; maravilhas estranhas de uma civilisa??o que n?o f?ra feita como a sua de propor??o e de harmonia, mas que esmagava pela grandeza, e que se impunha pela for?a colossal.

Pela Iliada e pela Odyssea se percebe que observadores eram os filhos subtis da alada Grecia.

Tudo que elles ent?o viram e estudaram foi aproveitado mais tarde nas f?rmas de uma civilisa??o nova, mixto do que a hellenica teve de mais bello e a oriental de mais grandioso.

E que sensa??es deliciosamente novas lhe n?o daria essa paisagem que elles ent?o conheceram e na qual havia de tudo, desde os areaes sem fim at? aos Jardins do Indust?o; desde as miragens do deserto at? ?s densas sombras das florestas profundas; desde as montanhas cuja crista se ia perder no seio das nuvens, at? ?s redondas colinas esbrumadas em nevoa de um tenue c?r de rosa; desde o tigre real de salto felino e ondeante e o elephante que em Arbelle fazia tremer a terra sob o peso gigantesco do corpo desforme, at? ao rhinoceronte e o hippopotamo, o camello, e o crocodilo, do Nilo e do Ganges; d'essa paisagem em que as arvores eram palmeiras e tamarindos, oleandros e verdes myrtaes; em que os homens tinham todas as c?res e todos os trages; em que ao Persa acobreado succedia o Syrio queimado do sol, e o Africano c?r da noite...

Tudo isto era um encantamento e uma surpreza, tudo isto continha e incluia em si resultados que assombraram o mundo.

Os conhecimentos exactos, as no??es verdadeiras e positivas ac?rca do universo, podem bem datar-se das campanhas famosas de Alexandre. Foi ent?o que se fez essa uni?o fecunda e miraculosa do espirito hellenico e do espirito oriental, a India, a Persia, a Babylonia, continham em germen Alexandria e as suas escolas, os Arabes e a sua civilisa??o ephemera mas deslumbrante...

Quanto a Cesar, esse latinisou, romanisou o mundo at? ent?o descoberto; tornando possivel a sua posterior christianisa??o.

Sob o sceptro dos Imperadores o mundo tinha-se feito romano, e d'alli veiu que sob o baculo dos primeiros Bispos elle poude fazer-se christ?o. N?o havia j? nem ra?as que mutuamente se dilacerassem, nem religi?es que umas ?s outras se contradissessem, nem tribus que entre si se combatessem... O Imperio novo estava maduro para receber o baptismo de uma s? religi?o, ? qual as hordas barbaras viriam successivamente submetter-se...

Essa Revolu??o hoje t?o calumniada pelos mesmos que lhe gosam os resultados definitivos e os effeitos niveladores e libertadores, acabaria, a n?o dar-se o apparecimento fatidico de Napole?o, em uma anarchia ensanguentada da qual nem um principio se salvaria talvez. Napole?o sahido do meio da turba, como que encarnando em si a alma do povo, liberta da sua escravid?o secular, fez da Revolu??o um facto, um facto irreductivel, contra o qual nem a mais reaccionaria vontade p?de nada. Em primeiro logar elle formulou em leis, as doutrinas revolucionarias; o seu codigo civil tem resistido a todas as mudan?as de regimen politico que ha setenta e oito annos tem convulsionado a Fran?a ? superficie, sem terem comtudo alterado a sua constitui??o civil e o seu regimen de propriedade; depois elle fez de uma Revolu??o local, que tinha por origem primeira os abusos financeiros, uma Revolu??o universal que levou o mundo a um dos periodos decisivos da sua marcha progressiva, e que transformou completamente a organisa??o social de toda a Europa moderna.

Os seus exercitos assoladores como eram, e n?o os defenderei mesmo contra os que lhe chamam as hostes de Attila, os seus exercitos semearam, sem o saber, sem o querer talvez, a semente da liberdade por toda a parte onde levaram o lemma da usurpa??o e da tyrannia. Elles passaram, e sob os p?s d'essas legi?es terriveis que espalhavam o assombro e o pavor, ergueram-se por encanto institui??es novas, e os povos readquiriram a dignidade e a liberdade, ambas perdidas na abjecta subserviencia ao despotismo sem grandeza das modernas dynastias.

Ninguem atinava como de t?o puras premissas tinham sahido t?o horrendos resultados; ninguem podia explicar como do bem se gerara tanto mal, como do progresso das luzes se tinha feito t?o negra escurid?o, porque motivo inten??es t?o sublimemente generosas tinham produzido t?o monstruosos e contradictorios effeitos.

A primeira embriaguez da liberdade sem restric??es e sem limites, produz sempre no homem esta demencia m?. A Historia assim o diz, mas n'esse tempo era apenas uma restrictissima minoria, a que sabia l?r a Historia e colher as suas li??es.

Imagine-se que Napole?o n?o tinha ent?o surgido; que depois da orgia de sangue que se chamou Terror, e da orgia de lodo e vinho e que se chamou Directorio, n?o se erguia, mais alto que qualquer individualidade e qualquer institui??o, essa for?a disciplinadora, organisadora dos partidos internos, subjugadora dos inimigos estranhos, t?o poderosa, t?o efficaz, t?o capaz de querer, t?o profundamente inimiga da anarchia mansa, que dissolve as na??es e da anarchia brava que as esphacella.

A reac??o mais desbragada e mais insolita tomaria ent?o conta da Fran?a, que n'esse momento decapitada, mutilada, exangue e sceptica, n?o achava dentro de si nem uma energia redemptora, nem uma cren?a activa, nem uma s? fibra que n?o estivesse morbidamente combalida.

Quem ? que seria capaz de pacificar os partidos exasperados a n?o ser esse homem superior a todo o seu tempo, superior ? sua ra?a, e que p?de congregar no mesmo fim:--fazer grande e gloriosa a patria commum;--os vencidos e os vencedores, os regicidas e os ex-emigrados os que tinham escapado por milagre ?s proscrip??es jacobinas e os que as tinham decretado, Fouch? e Talleyrand, os filhos da antiga aristocracia espoliada, e os triumphantes espoliadores que estavam na posse do que f?ra d'ella?...

E d'essa agglomera??o de interesses contrarios, de ambi??es que se excluiam, de classes que eram antagonicas por instincto e por circumstancias, de adversarios que se odiavam mutuamente, quem tirou a Fran?a poderosa, affirmativa, unificada pelo mesmo codigo de justi?a, enriquecida pelo mesmo regimen de propriedade, tendo conquistado a egualdade civil para todos os seus filhos, vendo abertas todas as carreiras para as individualidades que se distinguissem no seu seio, consolidadas todas as conquistas, emfim, d'essa liberdade que amea?ara suicidar-se, envenenando no seu sangue aquelles que d'elle haviam sonhado nutrir-se?

? este o papel cumprido por Napole?o na Historia, ? esta a sua miss?o na Fran?a; como foi sua miss?o no mundo espalhar, propagar os principios da Revolu??o que elle, sem talvez o querer, representava como ninguem!

Os que o julgarem mais tarde h?o de julgal-o assim, e h?o de perdoar ou escurecer, como succede com Cesar, como succede com Alexandre, os seus erros e defeitos pessoaes, os quaes, feito o balan?o final, que s? o futuro far?, foram talvez mais uteis do que nocivos, porque contribuiram para o inutilisar no momento em que o seu papel deixava de estar em estreita harmonia com as circumstancias que necessitaram a sua coopera??o.

J? se v? que um homem como Napole?o n?o p?de ser julgado pelo nosso codigo moral. O seu potente cerebro, o maior de certo que a determinados respeitos tem havido no mundo, n?o se deixa subordinar pelas leis fatalmente restrictas, pelas quaes a simples humanidade tem de reger-se para mutuamente se supportar.

A sua imagina??o portentosa p?e-n'o continuamente a dous passos do crime ou da loucura; as suas paix?es indomitas n?o conhecem regra, como n?o conhece obstaculos a sua vontade inflexivel.

? em virtude d'estas faculdades extraordinarias que elle ? capaz de executar cousas que os outros nem em sonhos ousariam conceber.

Mas o que ninguem p?de negar-lhe ? o poder singular de seduc??o que o seu sorriso irresistivel, que o seu olhar de aguia exerciam. Venceu e dominou todos os que se lhe approximavam, e os proprios imperantes, seus inimigos, receberam, ao contacto d'aquella grandeza simples que o distinguia, o choque electrico que se communicava fatalmente da alma d'elle ?s almas com que a sua estava em contacto.

Sobre o tumulo de soberba pedra moscovita, que a piedade de nacionaes e estrangeiros visita quotidianamente em veneravel recolhimento, poder-se-hia escrever segundo o criterio do Sr. Arthur Levy, o que sobre a sepultura de um burguez de 1830 mandou gravar a familia consternada:

Napole?o antes queria, de certo, esse retrato ?s vezes de um cr? realismo de toques, que Taine lhe consagrou, do que o monotono panegyrico d'este seu incommodo admirador.

Segunda parte

O fim do Paganismo

A litteratura franceza da actualidade ? pouco abundante em obras fundamentaes de sciencia ou de historia, embora conte no seu seio dois dos historiadores mais brilhantes dos modernos tempos Renan e Taine. ? excep??o, por?m, d'estes dous grandes espiritos, que devem as linhas principaes da sua educa??o intellectual ? Allemanha e ? Inglaterra e nos quaes s?o profundamente sensiveis essas influencias estranhas--p?de dizer-se que a grande gera??o dos Michelet, dos Quinet, dos Auguste Comte n?o deixou herdeiros capazes de nobremente a representarem.

Contin?a, por?m, a escrever-se muito em Fran?a, e como as qualidades eminentemente sociaveis d'esta na??o privilegiada a tornam apta para o seu grande papel de propagadora, de educadora dos espiritos, p?de bem accrescentar-se que n?s os europ?us do Occidente quasi tudo que sabemos, o sabemos passado pelos livros da Fran?a.

Ou traduzidos para francez ou assimilados pelo espirito da Fran?a, ? por esse caminho que nos chegam todas as grandes id?as mais ou menos novas, elaboradas ou transformadas pela ra?a anglo-saxonia, pela ra?a germanica, ou pela ra?a slava.

Que a patria que viu nascer desde Chaucer e Spencer, at? Shakespeare, Milton e Byron, desde Bacon at? Herbert Spencer, desde Addisson at? Macaulay, desde Richardson at? Georges Elliot, desde Bunyan o inspirado da Religi?o at? Carlyle o inspirado da Historia--perd?e as heresias do joven estadista, meu compatriota, cuja ignorancia me parece o estar realmente predestinando para governar e dirigir a nossa metaphorica N?u do Estado, por muitos annos e bons.

Vinha tudo isto a proposito de eu ter hoje, contra o meu costume, de apresentar um livro francez t?o erudito, t?o profundamente e facilmente elaborado, t?o cuidadosamente feito sobre documentos authenticos, como se o firmasse o nome de um inglez estudioso, ou de um sabio allem?o.

A obra ? enorme. Tem dous volumes macissos que tratam unicamente de assumptos estreitamente ligados ao seu titulo, mas apezar d'isso l?-se com immenso agrado, porque ? profundo sem ser pedante, ? vivo sem ser desordenado e est? escripto com um sentimento intenso e profundo da ?poca que o inspirou.

Essa ?poca ? aquella em que as ultimas luctas religiosas se travaram no Occidente entre o Paganismo que expirava e o Christianismo que irrompia ardente, impetuoso, tumido de seiva, cheio de um longo futuro das entranhas fecundas da humanidade.

Ja se v? que nos ? impossivel em um artigo, ou mesmo em uma s?rie de artigos, resumir este trabalho que representa longos annos de estudo e de paciente investiga??o; que reflecte a leitura aturada do mais enfadonho e difficil de todas as litteraturas, a da egreja primitiva e a de Roma decadente.

N?o queremos, por?m, deixar de anunciar este livro ?quella classe de leitores que amam sinceramente o estudo, e principalmente o estudo da historia, um dos mais attractivos, um dos mais interessantes que existem no mundo, porque ? um d'aquelles que suggerem mais variedade de pensamentos e mais extensa s?rie de impress?es intellectuaes.

A que logo se destaca d'esta obra monumental de que tivemos a paciencia de l?r attentamente as mil e tantas paginas ? esta: Como nas mais diversas ?pocas, os homens, tendo attingido um certo gr?u de civilisa??o, se parecem entre si!...

N?o admira, por?m, isso tanto, logo que pensarmos que ha bastantes similhan?as entre a phase de civilisa??o que atravessamos e a d'esse seculo que assistiu ao esphacelar de um immenso imperio, ao fim tragicamente melancolico de uma religi?o, ? transi??o violenta e brutal na distancia, mas menos violenta de facto do que a imagin?mos, de um regimen para outro que lhe era totalmente opposto.

N?o ? por uma historia systematicamente escripta, chronologicamente ligada pelos factos, que Gaston Boissier nos inicia n'essa quadra t?o afastada de n?s.

O auctor preferiu um methodo muito mais captivante e talvez um pouco menos difficil.

Tra?a quadros differentes e livros completos em si. F?rma como que uma galeria de figuras typicas, cuja influencia se tenha feito sentir pela sua obra escripta ou pela sua ac??o directa sobre os contemporaneos.

Escolhe aquelles que deixaram um nome celebre e analysa-lhes os livros, as cartas, as poesias, etc. etc. Pede ? historia do tempo que lhe forne?a os seus documentos mais incontestaveis e reconstrue com elles ou uma physionomia de Imperador ou uma figura de Poeta, ou uma veneravel e grandiosa imagem de Bispo ou de Doutor da nascente egreja.

Constantino, o imperador convertido, Juli?o, o imperador apostata, s?o dois estudos de alto interesse historico e psychologico. Em ambos, o auctor v? dois convertidos, dois fanaticos, um do christianismo que se apossa da sua alma e a transporta em allucina??es supremas, outro dos velhos deuses, abandonados, cuja restaura??o prepara com paix?o fogosa e arrebatamento devoto.

Nem Constantino ? o ambicioso que muitos historiadores t?em imaginado e descripto, nem Juli?o ? o livre-pensador que Voltaire enthusiasticamente applaudia.

S?o duas almas sinceras que us?ram do poder illimitado que possuiam, para imporem ?s almas dos outros a f? que os transportava. Juli?o vingava-se assim da oppress?o em que o tinham tido longos annos e associava ? causa dos deuses vencidos a sua propria causa de opprimido e de victima.

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