Read Ebook: Obras Completas de Luis de Camões Tomo II by Cam Es Lu S De
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Ebook has 602 lines and 152429 words, and 13 pages
Notas de transcri??o:
O texto aqui transcrito, ? uma c?pia integral e inalterada do livro impresso em 1843.
Mantivemos a grafia usada na edi??o impressa, tendo sido corrigidos alguns pequenos erros tipogr?ficos evidentes, que n?o alteram a leitura do texto, e que por isso n?o consider?mos necess?rio assinal?-los. Mantivemos inclusivamente as eventuais incoer?ncias de grafia de algumas palavras, em particular quanto ? acentua??o.
Nesta vers?o electr?nica, em texto simples, n?o ? poss?vel representar alguns caracteres usados no livro impresso. Usamos como substituto desses caracteres os seguintes marcadores:
CLASSICOS PORTUGUEZES.
CAM?ES.
PARIZ.--NA OFFICINA TYPOGRAPHICA DE FAIN E THUNOT, Rua Racine, 28, junto ao Odeon.
OBRAS COMPLETAS
LUIS DE CAM?ES,
CORRECTAS E EMENDADAS
PELO CUIDADO E DILIGENCIA
TOMO SEGUNDO.
LISBOA.
ACHA-SE TAMBEM EM PARIZ, NA LIVRARIA EUROPEA DE BAUDRY, 3, quai Malaquais, pr?s le pont des Arts.
PREFA??O.
Os que s?o versados na historia ter?o feito esta observa??o, que em todos os povos que no mundo tem figurado, as armas preced?r?o sempre ?s letras. Para haver Homeros, necessario foi que houvesse primeiro Achilles. O amor da patria e da liberdade, e aquelle innato desejo, que mais ou menos violento segundo as diversas indoles, arde no cora??o de todo homem, de se elevar acima de seus iguaes por meio de ac??es grandiosas e sublimes, excit?r?o as almas nobres a tentar grandes empresas; e as fa?anhas dos heroes impellir?o depois os bons engenhos a transmitti-las aos vindouros, elegantemente escrevendo em prosa ou verso. E nunca vimos que prosperassem muito as letras n'um povo indigno de historia. Assim que bem se p?de dizer que sempre a penna dos Escritores foi aparada pela espada dos Guerreiros: testimunhas Grecia e Roma.
Portugal, des de o ber?o educado para as armas e endurecido na guerra, a todas as na??es modernas se avantajou em gloria militar. Com poucas for?as e meios n?o somente sustentou longas e terriveis guerras, mas n?o contente de reconquistar e manter gloriosamente a sua independencia, emprehendeo mores cousas: devassou mares virgens, descobrio novas regi?es, venceo e sujeitou a seu jugo muitos e mui poderosos Reis e povos; e tendo estendido o seu imperio at? aos ultimos confins da terra, excitando a admira??o das gentes com nunca vistos prodigios de industria, de valor, e de constancia por espa?o de quasi cinco seculos, longo tempo se manteve no apice da grandeza e gloria humana: at? que o ultimo Henrique, dessemelhante em tudo do primeiro, preparada ja nos dous antecedentes reinados a encosta por onde a illustre na??o devia descer da altura a que subira; reunindo em si o Bago e o Sceptro e manchando as m?os sagradas nas cousas temporaes, a despenhou no abysmo, donde at? hoje n?o ha podido mais levantar-se.
No decimo quarto se escreveo a Chronica do Condestavel e grande capit?o Dom Nuno Alvares Pereira que se imprimio em Lisboa em 1520.
ODE
De pungentes estimulos ferido O Regedor dos ceos e humilde terra, S?bre ti manda, desastrada Lysia, Effeitos da sua ?ra.
A peste armada destruir teu povo A um seu leve aceno v?a logo: Estraga, fere, mata sanguinosa, Despiedada e crua.
Despenhada no abysmo da ruina, Fugir pretendes aos accesos raios, Qual horrida phantasma, por?m logo Desfallecida cahes.
O a?oute do Ceo lamenta, ? Lysia, Mas inda muito mais os teus errores Que provocar fizer?o contra ti Contagi?o mortal.
Dos Ceos apagar cuida a justa sanha Da penitencia com as bastas ?goas, Ja que revel e surda te mostraste
A seus mudos avisos. Ent?o ver?s ornada a nobre frente, Como nos priscos tempos que pass?r?o, De esclarecidos louros, sinal certo De teus almos triumphos.
Por esse mesmo tempo Fern?o Lopes, Duarte Galv?o, Gomes Eanes de Zurara come??r?o a encommendar ? memoria as fa?anhas dos Portuguezes, escrevendo regularmente as Chronicas dos nossos Reis des de a funda??o da monarchia.
Do seu Poema Epico ja n'outro lugar dissemos, n?o o que poderiamos dizer, mas o que julg?mos bastante. Diremos tambem agora alguma cousa de suas poesias lyricas. E come?aremos por observar que se nenhum escritor foi mais desprezado e perseguido de seus compatriotas, tambem nenhuma na??o ha sido t?o castigada, como a Portugueza das persegui??es e desprezos, que soffreo este grande homem, n?o della, mas do seu governo, e dos grandes e poderosos, de cujos crimes he quasi sempre o povo quem vem a pagar as penas. Porque n?o lhe tendo sido possivel, pela miseria em que viveo, dar ? luz as suas poesias s?ltas, n?o as polio nem limou, nem deixou collec??o dellas; e assim as mais se perd?r?o, e as outras, espalhadas por m?os de muitos, se for?o corrompendo nas copias, de sorte que inda as que menos damno soffr?r?o, and?o hoje nas impress?es mui diversas do que er?o, quando sah?r?o da penna de seu autor. E assim veio esta culpa de alguns a ter para n?s as mesmas consequencias, que teve a de Adam para a humanidade; isto he, cahir dos culpados s?bre os innocentes e estender-se a todas as gera??es. E se n?o foi mais amplo este castigo, a Fern?o Rodrigues Lobo Surrupita o devemos. Este, com incansavel diligencia juntando algumas obras varias, que p?de alcan?ar, as deo pela primeira vez ? luz no anno de 1595, assim desfiguradas como as achou: com o que n?o s? evitou perderem-se estas, mas com o seu exemplo instigou outros a proseguir na mesma diligencia: e assim se for?o descobrindo mais algumas, que pelo tempo adiante se for?o dando ao prelo. De modo que podemos dizer que em todos os estilos nos ficou do nosso poeta apenas uma pequena amostra, para que pelo dedo se conhecesse o gigante. Por?m de tal quilate he o ouro, que essas pequenas reliquias b?st?o para elevar o cume do nosso Parnaso a tal altura, que lhe n?o fique superior o de nenhuma outra na??o estranha.
Porque nos Sonetos he eminente o nosso poeta; e para lhe obter a palma s?bre quantos neste genero de composi??o se tem exercido, bastaria, quando outros muitos n?o tivesse de igual belleza, s? este, que he o 72:
SONETO
Quando de minhas m?goas a comprida Magina??o os olhos me adormece, Em sonhos aquella alma me apparece, Que para mim foi sonho nesta vida.
L? n'uma soidade, onde estendida A vista pelo campo desfallece, Corro apos ella; e ella ent?o parece Que de mim mais se alonga, compellida.
Brado: N?o me fujais, sombra benina. Ella, os olhos em mim co'um brando pejo Como quem diz que ja n?o pode ser,
Nas Can??es deixou a perder de vista a Petrarca, Bembo, e a quantos a este genero de composi??o se tem dado: o que melhor poder? ver quem quizer comparar umas com outras.
Nas Odes, como em todo outro genero de poesia, todos sabem que ha diversos estilos para os diversos assumptos. O que a cada um destes convem, a mesma natureza delle o indica; e tanto erraria o que descrevesse um prado florido, um ribeiro socegado, as gra?as de uma pastora, ou Diana exercendo as dansas e choreas de suas nymphas pelos cabe?os do monte Cynthio, no mesmo estilo em que se deve descrever o mar impetuoso, o combate dos Athletas, ou Jove fulminando os gigantes, como vice versa. Pindaro, Anacreonte, e Horacio s?o os tres poetas que neste genero se nos prop?e por modelos. Mas que differen?a de estilo entre Horacio, Anacreonte, e Pindaro! Certamente n?o he menor que a que vai do bucolico ao lyrico, ou do lyrico ao epico. O nosso Cam?es, profundo conhecedor da natureza, e mestre em todos os estilos, habilmente soube escolher aquelle que mais convinha ?s materias que tratava, sempre natural e facil, sempre elegante e florido, e muitas vezes sublime. E as suas Odes, ainda que n?o tenh?o o requisito, que hoje se tem por essencial, de serem inintelligiveis, s?o pelos entendedores summamente louvadas, e at? n?o falta quem as prefira ?s Can??es; mas desta opini?o n?o somos, ainda que pensamos com Faria e Sousa, que a 4.?, 6.?, 9.? e 10.? tarde ser?o excedidas; e o mesmo diriamos da 1.? se n?o and?ra viciada.
Assenta este juizo principalmente sobre a Egloga 1.?, que o poeta reputava pela melhor de quantas havia feito, e sobre a 6.?, que elle de certo n?o tinha pela peor. E este voto do mesmo autor, que era t?o grande homem, e no julgar de suas proprias obras nenhum interesse podia ter em exaltar umas para abater outras, ja he de algum momento. Porque, sendo a poesia, como a pintura, uma imita??o da natureza, segue-se necessariamente que os melhores poetas e pintores s?o os mais profundos observadores e conhecedores da natureza, porque ninguem a p?de perfeitamente imitar, sem que profundamente a conhe?a. Grandes imitadores, e portanto profundos conhecedores da natureza for?o na poesia Homero, Virgilio, Cam?es etc., e na pintura Apelles, Raphael e Miguel Angelo; e mais val o voto de qualquer destes poetas ou pintores, que o de muitos milh?es de versejadores ou borradores. Disse Cam?es que a sua Egloga de Umbrano e Frondelio, que Surropita e Faria tach?r?o de lavantada no estilo mais do que convinha ao genero bucolico, lhe parecia a elle a melhor de quantas fizera, isto he, que nella estava melhor imitada a natureza, que em todas as mais; e n?s a temos n?o s? pela melhor de quantas o poeta escreveo, mas de quantas havemos lido. E diremos o porque.
Preceito he, ditado pela mesma natureza, que tenha cada genero de poesia seu estilo particular, e que o som da frauta se n?o confunda com o da lyra ou da trombeta; mas tambem he preceito da natureza que, pois a cho?a e o throno est?o igualmente sujeitos aos revezes da fortuna, e na vida pastoril p?dem occorrer varios casos que dem assumpto ao poeta; se levante ou abaixe o estilo segundo for mais ou menos alto o assumpto, e que se o pastor se prop?e louvar o Consul se tornem as florestas dignas delle.
Assim o entendeo e fez Virgilio, assim o entendeo e fez Cam?es, e assim o estabeleceo depois em preceito o judicioso Boileau na sua arte poetica.
E contra estas autoridades e a raz?o em que se ellas fund?o mal podem sustentar-se em campo os que pretendem que neste genero de poesia se n?o possa tratar sen?o assumptos de lana caprina na lingoagem dos trivios.
Na sua Egloga 1.? lamenta o nosso poeta as mortes de Dom Antonio de Noronha e do Principe Dom Jo?o, que profundamente sentio, aquella como verdadeiro amigo, esta como optimo cidad?o, que ja de longe previa as consequencias de t?o desastrado acontecimento. E como o forte sentir produz o forte e elevado pensar, algumas vezes se eleva, assim na senten?a como na dic??o, at? tocar as raias prescriptas a esta especie de poesia, mas n?o as transcende nunca; nem as figuras e imagens de que se serve, as estranha o estilo bucolico; e muito mais n'uma lingua, em que essas mesmas imagens e figuras de tal sorte est?o recebidas, que at? os mais rudos camponezes rara vez se exprimem sem ellas. Mas inda quando fossem alheias da linguagem vulgar, quem as estranharia na poesia, que de sua natureza se deve levantar do uso commum de fallar? Permitte-se a Virgilio dizer n'uma Egloga:
Estes pinheiros, Tityro, estas fontes, Estes mesmos arbustos te chamav?o.
e n?o se hade consentir a Cam?es dizer:
Canta agora, pastor, que o gado pasce Entre as humidas hervas socegado, E l? nas altas serras onde nasce, O sacro Tejo ? sombra recostado Com seus olhos no ch?o, a m?o na face, Est? para te ouvir apparelhado; E com silencio triste est?o as Nymphas Dos olhos destillando claras lymphas?
Emfim nesta admiravel Egloga nada falta da parte do poeta; se alguma cousa faltar, ser? da parte do leitor. Passemos agora ? 6.?
Nesta Egloga mistura o poeta o estilo pastoril e o piscatorio, de que elle foi entre n?s o primeiro introductor, e que levou a tal perfei??o, que desanimou os que depois se segu?r?o a ponto, que ficou quasi de todo esquecido. He o seu argumento uma contenda entre um pastor e um pescador sobre qual dos estilos deve ter a preferencia, cantando cada um a belleza da sua amada. E ja daqui se v? que um e outro deve levantar o estilo quanto puder, e p?r nesta porfia todo o seu cabedal, para n?o ficar vencido. Esta Egloga he onde Faria mais se funda para dizer que o poeta se n?o podia domar na for?a do seu enthusiasmo. Mas t?o longe est? de justificar este juizo, que della mesma nos queremos servir para mostrar a pasmosa facilidade, com que o poeta sabia variar de tom e passar de um estilo a outro. E sem gastar mais palavras, passemos a analysar cada uma de suas Estancias, porque a verdade he facil de ver-se, e por si mesma saltar? aos olhos.
D? o pastor princ?pio ? contenda, invocando as divindades campestres deste modo:
AGRARIO.
V?s, semicapros deoses do alto monte, Faunos longevos, Satyros, Sylvanos; E v?s, deosas do bosque e clara fonte, E dos troncos que vivem largos anos; Se tendes prompta um pouco a sacra fronte A nossos versos rusticos e humanos, Ou me dai ja a capella de loureiro, Ou penda a minha lyra d'um pinheiro.
Sublime e admiravel invoca??o! Mas ou?amos agora o pescador
ALICUTO.
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