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Read Ebook: O Romance da Rainha Mercedes by Pimentel Alberto

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Ebook has 167 lines and 16349 words, and 4 pages

O ROMANCE DA RAINHA MERCEDES

PORTO--TYP. OCCIDENTAL--PICARIA, 54.

O ROMANCE DA RAINHA MERCEDES

PORTO LIVRARIA PORTUENSE--EDITORA 121--Rua do Almada--123 1879

OS REIS

OS REIS

Os acontecimentos succedem-se n'uma variedade caprichosa, que parece intencionalmente destinada a desorientar os philosophos da humanidade e da historia.

Hontem os reis eram personalidades sagradas, representavam na terra o poder divino. D'esta allian?a do c?o com o throno nasceu a cor?a encimada pela cruz. O montante real estava ao servi?o da religi?o; dizimava, como um vendaval de morte, os exercitos dos que n?o tinham a mesma cren?a religiosa. Beijava-se a m?o dos reis como ainda hoje se beija a fimbria do vestido de uma santa. Elles eram recebidos, por toda a parte, debaixo do pallio, como uma reliquia. Os que os viam, ajoelhavam, como se faz para orar.

Mas o principesinho hespanhol p?de, sem o suspeitar decerto, tirar do exilio um grande ensinamento: que um rei deve preparar-se para o exilio. Como? Obstinando-se em amar livremente. Escolhendo noiva, em vez de acceitar a que lhe escolheram. Procurando uma mulher que, pelo amor, possa supprir a patria, quando a rainha desappare?a.

Desde esse momento a imagem adorada de Mercedes, a neta de um rei desthronado, fixou-se no seu cora??o. A imagina??o peninsular do rei idealisou a desgra?a do exilio, como se nunca a houvesse conhecido, tendo aquella mulher ao p? de si. Com ella, levaria a familia, para onde quer que fosse, e a patria, porque ella tambem era hespanhola. Ent?o principiou a desdobrar-se aos olhos da Europa o formoso poema da resurrei??o dos grandes amores antigos e cavalheirescos.

Como nos romances da idade media, o bra?o descarnado da morte imprimiu n'esse poema escripto em folhas de rosa o s?llo de uma fatalidade mysteriosa, extranha. O lucto da viuvez envolveu de repente o throno de Hespanha e o cora??o do rei amantissimo.

ELLE

ELLE

O rei de Hespanha faz lembrar estas plantas mimosas que, nascendo no topo de um outeiro batido dos ventos, se tornam fortes. Creado nos regalos da c?rte, educado sob a influencia da tradi??o religiosa do seu paiz, parecia unicamente destinado a ser algum dia um simples rei catholico e constitucional, como os seus antecessores. Como elles, seguindo as praxes da primogenitura, dep?z o seu vestido branco no altar da Virgem da Atocha, e vestiu um uniforme militar para cumprir o velho estylo tradicional, que, desde os primeiros annos da existencia, rouba toda a originalidade, annulla todas as disposi??es naturaes aos principes destinados ao throno.

O sentimento poetico, que tanto dulcifica os costumes, e que prepara a alma para a concep??o do bello, bebeu-o certamente com o leite da robusta camponeza das Asturias, a quem a sua amamenta??o foi confiada. Mas esse germen de poesia, t?o necessario ? alma de todos os homens, especialmente de um rei, devia aniquilar-se na atmosphera dos pa?os reaes, na temperatura abafadi?a das pragmaticas anachronicas, longe do espectaculo da natureza, e das grandes correntes do pensamento humano. Um rei, como uma fl?r muito resguardada, ? um producto meio artificial, por um vicio de educa??o, que j? seria tempo de banir. Faltam-lhe as commo??es profundas, as eloquentes li??es da sociedade, a aprendizagem casual que robustece o espirito e o torna apto para a lucta. Recebe a instruc??o como recebe a luz, o sol, e o ar: em pequenas doses regradas, systematicamente, para que o n?o molestem. Podia ser um bello espirito, mas a tradi??o faz d'elle um espirito vulgar. ? pouco mais ou menos como seu pai; seu filho ser? como elle.

Mas ao rei Affonso estavam reservados acontecimentos que deviam modificar completamente a ac??o enervadora da educa??o palaciana. Passou os primeiros annos da vida no exilio, para onde a revolu??o arrojou sua m?e. N?o viajou como um principe, como o futuro rei de Hespanha, sob as vistas de aulicos vigilantes e aduladores. Era ent?o um simples particular, uma crean?a que podia v?r e ouvir, mediar e fallar, viver, n'uma palavra. Passando de paiz em paiz, esteve n'um collegio de Fran?a, depois n'outro de Vienna, por ultimo no de Sandhurst, em Inglaterra. Tratou de perto, deixem-me assim dizer, muitas ideias differentes, porque ? for?oso convir em que as ideias da Fran?a n?o s?o precisamente como as da Austria, e as da Austria justamente como as da Inglaterra. A natureza, variando de contornos de paiz para paiz, varia tambem a sua li??o. As crean?as, que s?o, no fundo, a mais completa manifesta??o da natureza, porque s?o a natureza n'um estado de puresa immaculada, como que impregnam quem as conversa do espirito das nacionalidades que representam, sobretudo se quem as conversa ? igualmente crean?a, porque n'esse caso a sua alma recebe profundamente as impress?es, que ficam gravadas como caracteres alphabeticos sobre uma camada de cera. Ora o mo?o Affonso, em qualquer dos tres collegios, viveu sempre entre crean?as, que n?o s? representavam ideias differentes, mas tambem genios e classes differentes. Magnifica li??o para qualquer principe que tivesse de occupar um throno! Ao p? do alumno fidalgo, o alumno burguez: ao p? do pergaminho, a riquesa; o alumno estudioso ao p? do alumno madra?o: a for?a ao p? da inercia; o alumno intelligente ao p? do alumno estupido: a gloria ao p? da indifferen?a. Cada classe e cada genio equivalia a uma nova li??o, porque, por mais estupida que seja uma crean?a, ella sabe sempre encontrar argumentos para desculpar o estado do seu espirito. <> O joven filho da rainha exilada habituou-se, portanto, a conhecer as individualidades atravez de todos os veus. Estudou os homens nos homens, o que ? muito differente de estudal-os nos cortez?os, que s?o uma contrafac??o. N?o aprendeu exclusivamente para rei; aprendeu a sciencia da vida, praticamente, como se fosse um simples vassallo, porque o throno era para elle uma coisa muito incerta...

Para completar o typo peninsular, um cora??o amante. Toda a vida de um hespanhol est? no amor ou no ciume. O rei amava. Facto verdadeiramente extraordinario e ousado: um rei amar! Para um principe de vinte annos, uma princeza de dezesete. Mercedes, sua prima, era uma crean?a idealisada pela formosura. O rei amava-a em segredo, com um culto sagrado. Adorava-a.

ELLA

ELLA

Era o principe das Asturias.

Quando o duque de Montpensier residiu em Lisboa, Mercedes, com suas irm?s, continuou a viver na sociedade, que era a primeira de Portugal, a gozar, no meio das regalias fidalgas, a desoppress?o das etiquetas cortez?s. Ao mesmo tempo ia estudando o mundo atravez da sua ventarola sevilhana. E quem sabe? quem sabe se este c?o de Portugal, este bello c?o que ? naturalmente quem nos faz amorosos, t?o amorosos que at? no extrangeiro temos fama de o ser, quem sabe se elle n?o emprestou para os idyllios de Mercedes os seus reflexos azues e as suas aureas radia??es, se elle n?o contribuiu para divinisar na alma da gentil princesazinha a imagem adorada de seu primo?!

O AMOR

O AMOR

Os vocabularios algonquinos s?o n'esse ponto mais sinceros...

Era em verdade para receiar que a interposi??o de uma cor?a fosse obstaculo insuperavel ? ardente paix?o dos dois primos. Portanto, o joven rei de Hespanha quiz tranquillisar o animo de Mercedes. Mas, como poder dizer-lh'o livremente, no meio da c?rte--a c?rte, a eterna sombra dos reis? Era preciso aproveitar o menor incidente; sobretudo, era preciso sabel-o aproveitar.

D. Affonso triumphou d'esta difficuldade.

Estava a c?rte em Aranjuez. Passeiavam o rei, sua prima Mercedes, a infanta Christina, o duque de Sexto, as damas de honor, sob o arvoredo da Cintra hespanhola. De repente, pela estrada de Toledo, roda uma carro?a, envolta em turbilh?es de poeira. Com uma simples palavra, o rei faz detel-a. Sobe para ella, quer que sua prima suba. A dama de honor de Mercedes sobe tambem. Parece a todos um capricho de rei, um brinco de adolescente. Ah! mas n?o era s? isso... D. Affonso, em p?, vigoroso e alegre, solta as bridas ? parelha, faz estralejar o chicote. Parte a carro?a n'uma carreira doida. Sobresalta-se a c?rte com a imprudencia; gritam, chamam...

O que! Quem p?de deter esse vertiginoso v?o do Amor, Phaetonte que parece ir despenhar-se n'um mar de fogo?!

Era o primeiro momento de liberdade, mas ainda assim incompleta, porque havia dois ouvidos extranhos. A dama de Mercedes n?o fallava allem?o; foi justamente por essa raz?o que os dois primos escolheram essa lingua para as suas confidencias.

E emquanto as nuvens de p? se enovelavam sob as patas de duas possantes mulas hespanholas, e o chicote estralejava elegantemente vibrado, emquanto pareciam correr para um abysmo, n'uma aventura romantica, dizia a sua prima Mercedes o rei de Hespanha, em puro idioma teutonico: <>

Mercedes p?z o dedo sobre a bocca, e sorriu.

Ent?o o rei refreou as bridas ? parelha. A carro?a come?ou a rodar suavemente. A dama de honor agradecia provavelmente a Deus o havel-a livrado de um perigo, que as palavras mysteriosas do rei lhe fizeram de certo receiar cada vez mais. E D. Affonso tambem agradecia ? Providencia o presente d'aquella carro?a, d'aquelle instante de liberdade.

JUBILOS

JUBILOS

O rei tinha de vencer, portanto, a obstina??o dos seus amigos, o que ?s vezes ? ainda mais difficil do que vencer a pertinacia dos inimigos. Para conseguir a victoria, era mister um grande trabalho de paciencia, de tenacidade. Apezar de muito novo, o rei soube aplanar o caminho, vencer os obstaculos, triumphar.

No dia em que fez vinte annos, a sua obra estava realisada; podia j? declarar ? Hespanha, e depois ? Europa, que elle procurava no amor a estabilidade do throno, porque nenhum la?o ha ahi mais forte do que o amor.

<>

Entrincheirado n'estas nobres convic??es, havendo vencido pela perseveran?a todas as difficuldades politicas, o rei p?de emfim fazer annunciar o seu casamento pelo ministro dos negocios extrangeiros ?s c?rtes da Europa.

Em Portugal, pelo menos, esta noticia foi recebida com profunda sympathia. Em Lisboa a princesa Mercedes era conhecida, estimada; o rei D. Affonso tambem. Um casamento por amor chama sempre sobre si as ben??os dos que teem cora??o; especialmente quando os noivos deixaram no nosso animo uma grata impress?o.

Portugal aben?oou-os pela bocca da sua imprensa, como se em verdade se n?o tratasse de um casamento de principes, mas de dois simples primos enamorados, que, depois de haverem regressado ? patria, iam santificar ? beira do altar as suas alegrias da infancia e as suas tristezas do exilio.

A dama de honor da princeza aprendeu talvez n'esse momento a traduzir allem?o...

Dias depois, partia para Roma um enviado a solicitar a dispensa de parentesco. Roma respondia mandando ao mesmo tempo a dispensa, e a ben?am do papa para essa uni?o celestialmente harmoniosa, como diz a tradi??o indiana. Affonso e Mercedes iam finalmente casar, segundo a express?o catholica, com o osculo de Deus.

Entretanto o rei, com a delicada imagina??o de um poeta, com o fino gosto de um amante, dirigia em pessoa a ornamenta??o da camara nupcial; e, perdidamente enamorado, aproveitava uma recente inven??o de Edisson, o telephone, a fim de dialogar de Madrid, onde estava, com Mercedes, que esperava em Aranjuez o dia da ceremonia nupcial.

O casamento realisou-se em janeiro de 1878; pois, n?o obstante a esta??o, fazia em toda a Hespanha um tempo de primavera.

Mas no meio d'esta festa geral, profundamente hespanhola, alguem que quizesse procurar dolorosos vaticinios, havia de encontral-os atravez das alegrias nupciaes que atapetavam de flores de laranjeira o solo da cavalheiresca Hespanha.

PRELUDIOS

PRELUDIOS

De um beijo trocado entre o amor e a elegancia nasceu a ornamenta??o da camara nupcial do rei de Hespanha. O amor forneceu as lembran?as delicadas, as apaixonadas galanterias, os objectos symbolicos; a elegancia, que ? tanto maior artista quanto mais desleixada parece, distribuiu-os sorrindo, lan?ou-os como ao acaso, dispersou-os como se tratasse de espalhar uma nuvem de flores: brincando. D'esta allianca nasceu um idyllio em vez de uma camara, um palaciosinho feito de maravilhas dentro de um palacio feito de pedra; um ninho tecido de preciosidades para receber um par enamorado; dirieis que um poeta omnipotente conseguira realisar um sonho de riquesa e felicidade architectando aquelles aposentos com peda?os de crystal e raios de sol.

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