Read Ebook: The Fate of a Crown by Baum L Frank Lyman Frank
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Ebook has 1080 lines and 46770 words, and 22 pages
Rita Farinha
ESTRELLAS PROPICIAS.
OBRAS DE CAMILLO CASTELLO BRANCO QUE SE ENCONTRAM ? VENDA NAS LIVRARIAS DE VIUVA MOR?
PORTO E COIMBRA.
Aben?oadas lagrimas, drama 240 Amor de perdi??o 500 Agostinho de Ceuta, drama 240 Cabe?a, cora??o e estomago 500 Carlota Angela 400 Coisas espantosas 500 Doze casamentos felizes 500 Duas epochas da vida 600 Estrellas funestas 500 Justi?a, drama 200 Livro negro 500 Marquez de Torres Novas, drama 400 Memorias do Carcere, 2 vol 800 Morgado de Fafe, drama 200 Romance d'um homem rico 500 Scenas innocentes da comedia humana 500 As tres irmans 500 Um livro, poesias 360
ESTRELLAS PROPICIAS.
POR
CAMILLO CASTELLO BRANCO.
PORTO, EM CASA DE VIUVA MOR? - EDITORA, PRA?A DE D. PEDRO.
A mesma casa em Coimbra, | Casa de Commiss?es em Paris, Rua da Cal?ada. | 2^, Rua d'Arcole.
TYP. DE SEBASTI?O JOS? PEREIRA, Rua do Almada, 641.
ESTRELLAS PROPICIAS.
Navegando contra a corrente do Lima--o rio das saudades e dos pavores da mythologia--vereis, a meia legua distante de Vianna, na margem direita, uma casa apala?ada, em parte cantaria que os seculos denegriram, em parte edifica??o moderna, caiada, tingida, variegada, coisa sem gra?a, sem poesia, que toda lhe tira a magestosa e veneranda av?, alli ? beira, com o seu toucado de ameias e collares de embrincadas la?arias.
Da margem do rio ao edificio conduz uma vereda relvosa ladeada de alamos, cilindras, hidranjas, e outras arvores e arbustos, que ensombram a convidativa ?lea. L? no t?po entrev?des um chafariz, rodeado de bancos de pedra, e abobadado por um pavilh?o de chor?es, cujos troncos a m?o do tempo torneou e retorceu em caprichosos feitios.
Se mandaes parar o barquinho diante d'esse obscuro alc??ar das esquecidas musas do idyllio, d'esse manancial dos gratos devaneios, ao abrir de uma manhan de agosto, ou ao entardecer de um dia da esta??o do outomno--a mais amavel do Minho--ahi ficareis como arrobados, sentindo sem saber o que, desejando sem dar limites ao desejo, aspirando a enlevos que vos n?o parecem da terra, nem os sabereis dizer, se cuidaes que vos transportam ao ceo. O que v?des, se sabeis copiar a natureza na tela, no verso, ou na prosa, podereis conseguir que n?s tambem o vejamos em sombra; o sentir, por?m, que semelhante espectaculo, a tal hora, vos suggere, s?de embora Raphael, F?n?lon, ou Delille, que n?o lograreis verter em nossas almas a poesia das vossas. Folheai o livrinho, todo mimo e deleite, do poeta Bernardes, sentido e escripto alli n'aquellas margens; cuidareis v?r n'elle as harmonias que vos soam ao cora??o em descompassadas notas; e, melancolicamente, abrireis m?o das maviosas poesias, que dizem menos que o susurro da veia limpida na fluctuante fran?a do salgueiro, ou o regorgeio do rouxinol, que vos fugiu da margem, para de longe vos estar conversando com o espirito alheado. Nos versos e nas poeticas prosas do mais canoro bardo do Minho, se vos deparam relan?os de delicado sentimento, do?uras campezinas, que todas recendem os aromas d'aquelles relvados e arvoredos. No mavioso romance d'outro cantor e prosador sentimental do jardim d'esta formosa terra, l? inspirado, l? haurido no mel de tantas colmeias, nem ahi achaes sen?o o bosquejo das vis?es que adentraram vosso animo, e de v?s se apartam, mal vos embaralhaes com homens vascolejados em negocios da vida real. N?o ha cora??o que sostenha em si poesia, quando cuidados o empegam no commum esterquilinio, onde todos, uns mais que outros, nos rebal?amos, embora ? luz do sol das pra?as, e ? luz das serpentinas das salas, as immundicias brilhem como ouro, ou alvejem como arminhos.
N?o ha, pois, dizer o que sente cada um, ao abrir da manhan, ou descahir da tarde, se alli parou e contemplou do seu barquinho a avenida arborisada, o repuxo com seu docel de ramagem, e as cornijas denticuladas da vetusta metade do edificio.
Se por l? derivasseis, ao fim de uma tarde de agosto de 1844, e o rumorejo da corrente vos n?o houvesse entorpecido a vida exterior, verieis, ao cimo da avenida, n'um dos bancos circumpostos ? fonte, uma senhora reclinada com o descuido de quem se cr? s?sinha, sobre um respaldo de massi?o, que brandamente se amollentava, para, a prazer da solitaria scismadora, se lhe modular ?s f?rmas gentis.
A seu lado estava uma carta de muitas paginas, sobre a qual ella assentava a m?o descahida em langoroso quebranto. O que certamente n?o verieis eram as lagrimas, que humedeciam a carta, e outras que desciam nas faces, e paravam aos cantos dos labios, como se ahi esperassem que um sorriso de esperan?a outra vez as embebesse no cora??o.
De v?ras creio que o meu leitor ahi se ficaria em quanto o vestido branco da formosa vis?o se estremasse da escuridade das arvores; quando, por?m, a noite lhe fechasse o encanto de olhos, o leitor ir-se-ia, rio-abaixo, scismando um pouco na solitaria creatura, amante das noites bellas; e, chegando a Vianna, escassamente se lembraria de t?l-a visto, e s?, a muito proposito, perguntaria quem fosse a mulher da pittoresca vivenda do Minho.
Tivesse eu a honra de ser a pessoa interrogada, e responderia com o seguinte capitulo, se o leitor me d?sse ares de sua complacencia em ouvil-o.
O romancista de mais perluxo gosto em nomes de personagens de novella, se os procurar nos climas temperados, ahi os acha mais lindos, mais a molde da strophe, do poema e do romance sentimental. Os nomes de mais musica, e mais amoraveis, s?o os das mulheres gregas, se todos soam como os das heroinas de Byron, de Hugo, e dos poetas affei?oados ?s coisas orientaes.
Desisto de ir ? Grecia baptisar as minhas personagens femininas. Escrevo de Portugal, onde ha nomes de mulheres a competirem de belleza com suas donas; e, mais que em outra provincia, no cora??o de todas, no Minho,--que bem pod?ra ser a flor da Europa--ahi, na familia de solar, e na familia da cho?a, ha peregrinos nomes, que mais parecem ensinados pela melopeia das aereas musicas, ou dos mui suaves murmurinhos das florestas, dos rios, das aves e dos insectos.
Corinna da Soledade era o nome da vis?o, que o meu leitor pudera ver n'uma tarde de agosto de 1844.
Em outra qualquer tarde poderiamos ver, n?o uma, mas um rancho de cinco meninas, a competirem de formosura, todas trajadas de branco, soltos os cabellos, ou ennastrados de flores, com que se andavam dando invejas ?s outras. Eram as cinco irmans d'aquelle ditoso ermo; as cinco Evas d'aquelle terreal paraizo, por onde n?o rastejavam serpentes, estas serpentes de casaca e luva branca, que s?o o proprio demonio civilisado pelo alfaiate, e amoldado a estes tempos illustrados em que nenhuma Eva de certo se deixaria embair por cobras, propriamente ditas.
Tinha ent?o vinte annos Corinna da Soledade.
Sou avesso a descrip??es: muitas vezes o tenho dito. Sahem-me todas muito pallidas e infieis por causa do esfor?o que fa?o a dar relevo aos tra?os. Profusamente se dispendem os romancistas em mineralogia e botanica para colherem o effeito das compara??es. Flores e pedraria, a alvura do lyrio, o escarlate do carmim, o niveo jaspe, o rubido coral, a lustrosa pretid?o do azeviche, a ?gata para a cutis das m?os, a petala de rosa para a das faces, o branco avelludado da magnolia para o collo, o marfim para os dentes... que sei eu!
Corinna da Soledade era de estatura mais que mean, refeita, robusta na apparencia, mimosa de pelle, mas n?o alvissima; olhos mais singulares pela brandura que pelo tamanho, reluzentes como chammas, ou amortecidos como a luz tibia da lua empanada por transparente nuvem--alternativas instantaneas, que denotavam as rapidas muta??es da alma--; arcadas negras e sedosas, travadas na base da escampada fronte--rara belleza em mulher, n'aquellas mesmas, que se chamam Sapho, Sta?l, ou Sand--, breve boca de finissimos labios, subtilmente assombrados d'um bu?o, imperceptivel a curta distancia, mas de bello effeito na approxima??o.
Tanto esta, como as outras quatro filhas de Gast?o de Noronha, tinham sido educadas em Fran?a, para onde os paes emigraram em 1829. O fidalgo do Minho homisiara-se, sem conscienciosamente poder dizer que era menos realista que seus av?s; por?m, odios velhos de covardes inimigos o haviam denunciado ? al?ada, e o prudente sujeito antes quiz confirmar a denuncia com a fuga, que provar d'entre ferros sua innocencia.
Em 1833 recolheu a numerosa familia ? patria. As meninas vinham esmeradamente educadas em collegio de Paris, e saudosas dos com??os de vida alegre que ainda experimentaram na capital do mundo. A transi??o de Paris para as margens do Lima, as noites fugitivas dos bailes comparadas com o silencio do palacio velho, em parte ruinas, e rodeado de arvoredos e murmurios melancolicos, parece que ao mesmo tempo enluctaram o animo das cinco meninas, que se contemplavam umas ?s outras, como se as lan?assem nas praias ermas d'Africa.
Gastara, nos cinco annos de emigra??o, o jactancioso Noronha, como gastam em Paris os homens opulentos ou perdularios. Bem que a sua casa, toda em propriedade rustica, fosse grandemente rendosa, e bastasse a dar-lhe fama e brilho de rico na sua provincia, os redditos d'ella escassamente dariam a um parisiense com que sustentar dez pessoas de familia em recatada decencia. Gast?o, recolhendo ? patria, rareou a pouco e pouco as nuvens da poeira olympica de Paris, que lhe empanavam os olhos, e viu todos os seus haveres amea?ados, se n?o j? feridos de proxima ruina. Os caseiros e administradores tinham esbanjado e desbaratado ? porfia com elle; por?m, t?o engenhosamente o fizeram, que o fidalgo achou-os a elles proprietarios, e legitimos possessores das quintas que, por ordem do amo homisiado, tinham vendido.
A velha casa solarenga d'onde o fidalgo sahira para o estrangeiro, nos cinco annos de desamparo e descuido dos administradores, abriu pelo tecto e fendeu-se pelas abaladas paredes. A familia, affeita a morar em casas decoradas com graciosas alfaias, quando entrou ao palacete das margens do Lima, confrangeu-se de pavor como se os vigamentos estivessem estalando sobre suas cabe?as. Fugiram as meninas do sal?o de espera, e entraram na sala proxima, onde as mais velhas se recordavam de terem visto tapetes encarnados, jarr?es indianos, e espaldares de s?da. A sala estava sendo uma eira, com espigas a monte, medas de palha pain?a, e instrumentos agricolas, como enxadas, gadanhas, forcados e aguilhadas, por sobre os jarr?es esbotenados.
D. Mafalda, m?e das meninas, quando tal viu rompeu a chorar, e o marido a praguejar, e as meninas encolheram-se todas a um canto, t?o tristes e intanguidas, como se as tivessem descido por um al?ap?o ?s lageas de fria masmorra.
Cuidou logo o fidalgo em mandar reconstruir aquella parte da casa, que eu mostrei ao meu leitor, na margem direita do Lima. Como gizara obra grande, a belprazer da sua desasizada fantasia, vendeu e hypothecou bens urgentes ? sua sustenta??o para convertel-os em salas, tapetes, porcellanas, diwans, soph?s, chaises-longues, jardineiras, consoles, e que taes estrangeirices em que as meninas reconheciam um peda?o do seu saudoso Paris.
Enfadado de tudo, Gast?o, incitado pelos gabos que a imprensa portuense dispensava ? sua companhia lyrica, pegou da familia, alvoro?ada com a boa nova, e foi para o Porto, onde passou um inverno, frequentando as melhores casas, e convidando aos seus bailes a flor da mocidade portuense.
Imaginou elle que suas filhas, educadas a primor, bem fallantes, bonitas, e graciosas em seu desembara?o, fariam epocha no Porto, como costuma dizer-se, e seriam pretendidas dos negociantes ricos ? conta de sua fidalguia. Este plano ? o unico signal que temos da intelligencia domesticamente governamental de Gast?o de Noronha. N?o se recommenda o systema aos paes dissipadores e aos fidalgos arruinados, porque, sobre ser revelho e desautorisado, ? seu tanto ou quanto immoral: abstenho-me de fundar o dito em raz?es que n?o agradariam nem moralisariam.
N?o ha duvida que as meninas, educadas em Fran?a, e formosas como as que mais o s?o em Portugal, impressionaram vivamente os mo?os abastados da dinheirosa cidade; mas estas impress?es redundaram todas em muita poesia, em muito suspiro, em muitos olhares meigos, e em muita contradan?a innocente, quando contradansas podem ser innocentes.
Os mancebos apaixonados viam as meninas, e viam tudo que mais anhelavam; mas os paes d'estes mancebos, posto que achassem lindas de se verem as flores, iam de preferencia analysar o tronco da arvore florida, o qual tronco, como sabem, era Gast?o de Noronha. Estas analyses ao tronco prejudicavam grandemente as flores, como ? de ver; e todos os velhos abastados diziam, ? uma, que n?o queriam enxertias de sua obscura linhagem em arvore podre. N?o sei se o nobilissimo Gast?o de Noronha chegou a saber que lhe chamavam arvore podre!
O sabido ? que o fidalgo voltou ?s margens do seu Lima, na primavera seguinte, com as filhas solteiras, e tristes em dobro do que tinham vindo de Paris.
O Porto d'aquella epocha era muito para dar saudades a quem o trocava, n?o direi s? pelas solitarias margens d'um rio, mas ainda pelos ruidosos esplendores da capital.
Quem de l? sahiu ha dezoito annos, e hoje alli voltou, n?o reconheceu de certo a sociedade portuense. Ent?o primavam as principaes familias do commercio, da industria e da jerarchia na magnificencia de seus bailes. Rara semana corria sem que algum sal?o reverberasse os seus lustres nas gra?as nativas e nos custosos artificios com que se sobre-doiravam aquellas gentis meninas, que hoje se desvelam em ser m?es, e todo seu viver concentram na vida intima. Das duas ricas provincias, feudatarias da cidade industrial por excellencia, confluiam, no fim do outomno, quantidade de morgados e morgadas, que se dispendiam ? larga, e constituiam grande parte da sociedade brilhante, que os folhetins cantavam, e as modistas vestiam... ou despiam, seria mais acertado dizer-se. Nenhum festim nupcial dispensava um baile; cada pessoa da familia opulenta, em seu dia natalicio, tinha um baile; o baile era o cunho do progresso n'aquella sociedade desentorpecida do marasmo de seculos, e devotada a competir em pompas com Lisboa, que a n?o valia ent?o, nem hoje me affoito a dizer que a vale. E qu?o diversa agora se me afigura, qu?o outra te vi, ? rainha do norte, depois que os teus pr?ceres trocaram a convivencia dos sal?es pela commodidade das equipagens! Foi a parelha que matou o baile indisputavelmente. Foi o luxo esteril dos urcos e dos arreios, dos trens armorejados, e das fantasiosas libr?s que desviou o fecundante capital do intento civilisador a que o applicaram os patriarchas do progresso n'aquella boa terra. Era um capital que a todos chegava, todas as classes sociaes participavam da superabundancia do baile.
Enriquecia a modista.
Prosperava o cabelleireiro.
As confeitarias rivalisavam em primores de bolinhos e pasteis.
O mercador renovava os seus lotes em cada trimestre.
As alfaias dos sal?es, no ultimo baile, faziam esquecer as pompas do penultimo.
E, por outro lado, visto pela face moral, o baile era o incentivo mais energico do talento. Ent?o se viram maravilhas de genio na sec??o das locaes, que t?o enfezadinha ? agora! Ent?o andavam ahi versos, a froixo, por todos os jornaes; eramos todos poetas, todos tinhamos uma estrella que cantar, e, pelo commum, aquella estrella luzia-nos da constella??o dos bailes.
E agora, tudo fundido nas carruagens que trancaram as portas dos sal?es, tudo, sem excep??o das musas!--as proprias musas me quer parecer que andam aos varaes das seges!
Das meninas, a mais saudosa do Porto era Corinna da Soledade. Raz?o tinha mais que as irmans, porque amara mais que todas, e amara sem inten??o nem calculo.
N'um baile do conde do Casal f?ra-lhe apresentado Antonio d'Azevedo Barbosa, mo?o de vinte e dois annos, nem pallido nem c?rado, nem triste nem alegre, um homem egual a todos os homens, como elles s?o f?ra do romance.
Este Antonio d'Azevedo Barbosa era de Barcellos, filho d'um pequeno proprietario, que tinha muitos filhos, e mandara o mais velho cursar jurisprudencia em Coimbra, cuidando erguer um futuro esteio aos irm?os, lesados em seu patrimonio por amor d'aquelle.
O mo?o f?ra muito novo para Coimbra; ninguem o admoestava a estudar; viu-se em plena liberdade de suas ac??es; achou que era muito suave vida gastar a mesada, e poupar os livros. Assim o fez, e fez mal, que ficou reprovado em preparatorios.
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