Read Ebook: The Fate of a Crown by Baum L Frank Lyman Frank
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Ebook has 1080 lines and 46770 words, and 22 pages
O mo?o f?ra muito novo para Coimbra; ninguem o admoestava a estudar; viu-se em plena liberdade de suas ac??es; achou que era muito suave vida gastar a mesada, e poupar os livros. Assim o fez, e fez mal, que ficou reprovado em preparatorios.
Os patricios seus contemporaneos na universidade foram contar a Barcellos o desastre do estudante, n?o por lhe quererem mal, mas por se quererem demasiado bem a si: disseram-n'o para que a villa de Barcellos e o mundo soubessem que Coimbra n?o ? para todos; e, a este proposito, repetiam as memorandas palavras do senhor Ferrer, lente de direito natural, aos seus discipulos: <
Manoel d'Azevedo, pae do academico reprovado, adoeceu de paix?o, e, se o n?o amparam os bra?os implorantes dos outros filhos, cahia na cova.
Matriculou-se no primeiro anno, e sobre-excedeu as esperan?as do tio e as ambi??es do pae: ganhou o segundo premio, e recolheu ao gremio de sua familia. D'esta vez, o pae ia adoecendo de alegria.
N?o se morre de dor, nem de alegria; mas morre-se facilmente d'um hydro-torax; foi o que n'esse mesmo anno succedeu a Manoel d'Azevedo.
Eram nove os orph?os, e Antonio, o mais velho dos irm?os, tinha dezesete annos. Fez-se inventario, pagaram-se as dividas do casal, e ficaram dotados com cento e cincoenta mil reis cada um. O abbade levou as sobrinhas para sua companhia, que eram quatro; arrumou no commercio os pequenos, e disse ao segundo-annista da universidade, que se reduzisse a viver com quatro mil e oitocentos reis de mesada, se queria formar-se.
Antonio respondeu que viveria com menos, para que suas irmans vivessem com mais.
Foi o mo?o ao segundo anno, e come?ou logo a escrever umas cadernetas que l? denominam <
O bacharel Antonio d'Azevedo recolheu ao presbyterio do tio com o seu diploma enrolado n'um tubo de folha de Flandres.
--E agora?--perguntou o abbade, tres mezes depois.
--Agora, estou formado--respondeu o bacharel.
--Bem sei; mas que fazes? quando come?as o teu officio de doutor?
--O meu officio de doutor?!--disse Antonio de Azevedo, como perguntando a si mesmo a utilidade da formatura em direito.
--Sim--tornou o padre--o sapateiro, o marceneiro, o artifice em todos os mesteres, cumprido o tempo de aprendizagem, come?a de ganhar sua vida. Ha dez annos que tu estudas para isto que hoje ?s: est?s doutor, meu sobrinho; agora applica o que sabes.
Antonio d'Azevedo achou discreta a admoesta??o delicada do tio. Recebeu o seu patrimonio de cento e cincoenta mil reis, e foi a Lisboa requerer.
Ajuntou o pretendente ao seu requerimento as certid?es de seus premios na faculdade, e de seu excellente comportamento, af?ra a pathetica narrativa de sua pobreza, e das quatro orphans dependentes d'elle. Consta que o ministro da justi?a se n?o commovera, porque n?o lera a peti??o nem os documentos.
O bacharel, ao cabo de seis mezes, pediu ao tio padre que lhe mandasse alguns soccorros, com que pudesse deter-se mais algum mez em Lisboa, esperando despacho.
N?o lhe respondeu o tio, porque j? estava na presen?a de Deus. Responderam as irmans, pedindo-lhe que fosse tomar conta d'ellas, visto que o novo abbade as mandaria sahir da casa da residencia parochial.
Triste nova para o pobre pretendente, que s? tinha de seu o diploma, e uma surrada casaca com que ia ?s audiencias semanaes do ministro, o qual nunca lhe deu f? da casaca, nem dos premios universitarios, nem das lagrimas!
Escreveu Antonio a um de seus quatro irm?os, que j? era guarda-livros n'uma casa commercial do Porto, pedindo-lhe meios para sahir de Lisboa, e ir ? provincia tomar conta das irmans. O guarda livros acudiu prestes ao pedido, e partiu logo a segurar a subsistencia ?s quatro meninas na casa agricola em que tinham nascido. Deteve-se ainda alguns mezes o bacharel em Lisboa, sustentado por seu irm?o. A final, baldadas as supplicas, o triste mo?o sahiu da capital com inten??o de abrir escriptorio de advogado na sua terra.
N?o desagrade ao leitor este familiar estylo com que lhe s?o contadas coisas de si t?o singelas, que, s? ? custa de muito floresc?l-as, ? que poderiam ser agradaveis. Acceitem-me os successos verdadeiros sem enfeites; quando eu estiver fantasiando, ent?o lh'os darei ataviados de modo que a poesia me dispense de ser um fiel copista do que a toda a hora nos passa diante dos olhos.
Chegou Antonio d'Azevedo ao Porto, e hospedou-se em casa de seu irm?o Joaquim. Acertara de ser o commerciante a cujo servi?o estava Joaquim, pae de dois condiscipulos de Antonio. Receberam-n'o cordialmente, deram-lhe bom quarto, sentaram-no no melhor logar da sua mesa, e instaram-o a demorar-se no Porto durante aquelle inverno. N'essa mesma occasi?o f?ra ao Porto Gast?o de Noronha com suas filhas e mulher; e, como Antonio d'Azevedo, obrigado pelos seus hospedeiros condiscipulos, fosse aos bailes onde elles iam, ahi est? a raz?o porque Corinna da Soledade encontrou o bacharel de Barcellos no baile do conde do Casal.
O infortunio abastarda os espiritos, desalenta-os, e de todo os transfigura. Antonio d'Azevedo vergava debaixo da dependencia, sem maldizel-a. Sentia-se alquebrado por sua mesma inercia, e esmagado pelo quasi opprobrio de sua inutilidade. O futuro estava-lhe fechado, futuro para onde o arremessavam esperan?as, que todas vira morrer, durante aquelle triste viver de supplicas e repuls?es ? porta de ministros, de magnates, de influentes, homens que vestem o arnez do egoismo, logo que, no dizer do senhor A. Herculano, <
Quando elle viu Corinna da Soledade, estava ao lado d'um sujeito, cuja maxima gloria n'este globo era poder apresentar um conhecido a outro conhecido. Assim que alguem lhe dizia: <
Foi o que aconteceu com Antonio d'Azevedo.
Apenas lhe elle perguntou quem era aquella menina vestida de azul-celeste, o sujeito travou-lhe do bra?o, e disse:
--Venha c?.
O bacharel mal sabia onde era levado, quando se viu rosto a rosto de Corinna, a quem o apresentante disse:
--O meu amigo doutor Antonio d'Azevedo Barbosa, que eu satisfactoriamente apresento ? excellentissima senhora D. Corinna da Soledade e Noronha, filha do nobilissimo Gast?o de Noronha. Agora deem-me licen?a, que tenho de fazer quatro apresenta??es ao conde do Casal.
Deus livre o leitor de ver-se alguma vez nos apertos do bacharel! Corinna esperou o logar-commum que deriva da apresenta??o. Antonio d'Azevedo n?o sabia o logar-commum. Foi ella quem o disse:
--Est? animadissimo o baile; mas abafa a gente de calor!
--Sim, minha senhora--disse o nosso pobre amigo, puxando pelo colchete da luva at? arrancal-o com a pelica.
Corinna esperou ainda que o mo?o fosse al?m da affirmativa do calor, em que elle parecia estar mais abafado que toda a outra gente: t?o copiosas lhe borbulhavam na testa e faces as camarinhas do suor!
Antonio d'Azevedo viu-se tal qual estava sendo aos olhos da filha de Gast?o de Noronha. Apiedou-se d'elle o seu bom anjo. Levantou-se aquelle espirito com todo o peso da sua amargura, e disse abruptamente, mas de compasso:
--Eu n?o solicitei a honra de ser apresentado a vossa excellencia. Um homem desgra?ado n?o pede rela??es. Fui barbaro comigo mesmo entrando aqui; mas a desventura tem mil rodeios por onde me encaminha a tudo que me augmenta o desgosto da vida. Resta-me ainda uma sombra de vaidade... Custa-me que vossa excellencia fique fazendo de mim uma ideia injusta. N?o sou absolutamente estupido: sou infeliz. Perdi o dom da palavra, e s? sei fallar em lagrimas, ou com a minha consciencia, na solid?o. Perd?e-me vossa excellencia este intempestivo desafogo.
E retirou-se, sem dar tempo a um monossyllabo.
Corinna da Soledade seguiu-o interdicta com os olhos, e estranhou aquella novidade romanesca de que n?o encontr?ra exemplo mesmo em Paris.
Antonio d'Azevedo sahiu do baile, que era na casa do quartel general, e tomou pela rua do Sol a passo vagaroso, at? receber a bafagem fria do Douro, debru?ando-se sobre o peitoril do passeio das Fontainhas. Pouco depois desenrolou-se do mar um denso nevoeiro que se estendeu rio acima, e logo despediu em nuvens a subir as fragosas ribas da margem direita, e espraiou-se com taciturna presteza por sobre a cidade. A reg?lida neblina arrefecera a cabe?a do mo?o. O que elle estava soffrendo era um d'aquelles phrenesis que, a longos espa?os, atacam os misanthropos.
As pessoas nunca apalpadas por esta penosa enfermidade, cuidam que ou ella n?o existe, ou, se existe, em pouco est? o combatel-a com os suaves linimentos da sociabilidade, ou pouco se deve doer de a n?o gosar o misanthropo que lhe foge.
Pouco sabe de tamanha desventura quem tal diz! Os accessos de vertiginosa raiva que padecem os feridos d'esta lepra moral s?o agonias mortaes. O esquivarem-se ? sociedade, o ouvirem-se unicamente a si proprios nos monologos selvagens com que a si se amaldi?oam e amaldi?oam a humanidade, dispara por vezes em enfurecimentos e raivas, que s? bem desafogam se o desgra?ado, com as proprias unhas, se dilacera. O homem sem irm?os, sem familia, sem amigos, sem um mundo que lhe absorva a sua individualidade e n'elle se identifique, s?e tanto f?ra das leis da natureza, que a sua angustia ha de superar todas as angustias inconsolaveis. D'estas horas tinha muitas Antonio d'Azevedo, e uma das mais longas e convulsivas estava elle penando n'aquella noite.
Havia de pensar a leitora que o infeliz ia para as Fontainhas scismar na imagem de Corinna da Soledade, contar-lhe os seus infortunios sem pejo d'ella nem das estrellas, consubstancial-a em sua alma pelo mais facil dos processos que usam amantes imaginativos; em fim, haviam de pensar os meus amigos que Antonio d'Azevedo era um poeta como n?s todos os que andamos de noite a namorar senhoras nos luzeiros do firmamento, como se isso servisse d'alguma coisa para o amanho da vida de cada um e de cada uma. Em minha boa e leal verdade hei de dizer-lhes que o bacharel de Barcellos era bastante desgra?ado para entender em coisas do cora??o, que requerem contentamento e paz de espirito. Um homem que medita no presente e futuro de quatro irmans, reconcentra toda a sua sensibilidade no cora??o paternal. O cora??o dos amores conjugaes--alvo mais ou menos remoto dos affectos enamorados--esse n?o se compadece com as tristezas, que gelam e como que endurecem o espirito.
Em quanto, por?m, o mo?o engolfava os olhos e o pensamento na alvacenta nuvem que mais e mais se condensava sobre a torrente, Corinna da Soledade relanceava inquieta os olhos ? procura do cavalheiro que lhe tinha apresentado Antonio d'Azevedo. Ao vel-o, fez-lhe signal com vehemente interesse, e perguntou-lhe quem era o sujeito que lhe elle apresentara.
--? um doutor de Barcellos, que eu encontrei, ha dias, hospedado em casa dos Taveiras, riquissimos commerciantes. Estes meus amigos ? que devem conhecel-o cabalmente, e s? elles podem informar vossa excellencia... D?-me licen?a...
O cavalheiro vira de relance um dos dois bachareis, condiscipulos de Antonio d'Azevedo, e apanhou pelos cabellos o ensejo d'uma apresenta??o. Instantes depois voltava, e dizia ter a honra de apresentar ? filha do nobilissimo Gast?o de Noronha o doutor Felisberto Taveira, e deixou-os, segundo disse, para ir apresentar dois amigos da provincia ? senhora condessa do Casal.
Este cavalheiro, alguns annos depois, ? hora da morte, ainda apresentou ao seu confessor as testemunhas do testamento.
Corinna e Felisberto Taveira conversaram largo espa?o. Gast?o de Noronha, reparando no interesse e apparente intimidade com que sua filha, estranha ?s dansas e a tudo, se entretinha, cuidou em averiguar quem fosse o cavalheiro. As informa??es deram em resultado que o fidalgo ficou contente. Houve alli um sujeito que respondeu assim arithmeticamente ? pergunta do nobilissimo Gast?o:
--Jo?o Bernardo Taveira, quando casou, dotou-se com cento e cincoenta contos; a mulher trouxe-lhe de dote cento e dez contos: somma duzentos e sessenta contos. Depois, o Taveira herdou de sua cunhada cento e dez contos: somma trezentos e setenta contos. O negocio d'esta casa tem ido sempre em crescente prosperidade. Dou-lhe que, feitas as despezas domesticas, o capital de trezentos e setenta contos, em trinta annos, tenha rendido nove por cento. Ahi tem vossa excellencia que a casa de Jo?o Bernardo Taveira deve hoje valer perto de setecentos contos, que repartidos por dois filhos...
--Trezentos e cincoenta contos--atalhou o fidalgo--? uma fortunasita soffrivel em Portugal...
--Eu n?o se me dava de a soffrer em Londres--disse o outro.
Em vista do que, o condescendente pae estimou que sua filha gastasse o tempo com gente d'aquella bitola.
Ao abrir da manhan entrou Felisberto no quarto de Antonio d'Azevedo, e encontrou-o emmalando a sua roupa.
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