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Read Ebook: The Flowing Bowl A Treatise on Drinks of All Kinds and of All Periods Interspersed with Sundry Anecdotes and Reminiscences by Spencer Edward

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Ebook has 54 lines and 2541 words, and 2 pages

O CARRASCO

Victor Hugo Jos? Alves

O CARRASCO

Victor Hugo Jos? Alves

POR

CAMILLO CASTELLO BRANCO

Os cantar? un estra?o cuento que no le avreis oydo tal en toda vuestra vida.

PORTO LIVRARIA CHARDRON DE Lello & Irm?o, editores 1902.

A LUVEIRA DA RUA NOVA DA PALMA

Il y a ici quelque chose... une fleur... cherchez!

SAINT-BEUVE, Portraits des Femmes.

N'aquella noite, os meus interlocutores eram todos mais ou menos republicanos. Havia tal que dizia acreditar na metempsycose, porque sentia dentro do seu ventre os figados de Robespierre; e outro, que arredondava musicamente os periodos corrosivos, revelava-nos, com modestia parelha do talento, que sentia coriscar-lhe no craneo o c?rebro de Mirabeau;--coriscos, se o eram, todos para dentro; que do fogo, que lhe faiscava da fronte, n?o havia que receiar combust?o em armazem de sulphureto de carbonio.

Os outros n?o me lembra quem tinham dentro de suas pessoas.

Pelo que me diz respeito, recenseando longa fileira de defuntos historicos, suspeitei ser eu a paragem de dois peda?os transmigrados, um de Falstaff, outro de Sancho, por me sentir rasamente lerdo ? beira d'aquellas pessoas trabalhadas por crudelissimas almas de torna-viagem.

Suppunha Gerard de Nerval, que M?ry, pela admiravel intui??o que tinha das coisas da India, devia ser a metempsycose d'um mouni do Indost?o na pelle d'um marselhez; ora eu, se ? licita a compara??o ambiciosa, ? vista da sisuda pachorra com que assistia aos projectos regicidas d'aquelles cavalleiros and?jos, devo presumir que ha em mim o que quer que seja do pagem do cavalleiro triste, antes de intontecido pelas lisonjas dos ilheos que o degeneraram.

Havia ali um que esmurra?ava o marmore das mesas, protestando que os thronos seriam aluidos, quando a lava, escandecente no seio da Liberdade, irrompesse, resfolegando para si os monarchas, e revessando para f?ra, com o novo baptismo de fogo, uns evangelhos novos.

O meu terror foi grande. Encarei n'aquelles homens exterminadores, e agourei-lhes mentalmente que morreriam justi?ados para descan?o do genero humano, e particularmente dos possuidores de inscrip?oens e outros fundos.

Agora ? de saber que todos aquelles regicidas, hoje em dia, vampirisam as veias desangradas do paiz, pisam alcatifas do pa?o, e fumam, nos aposentos dos camaristas, charutos da munificencia real, pelos quaes se lhes vaporaram os figados de Robespierre, o encephalo de Mirabeau, e toda a mais pe?onha que lhes petrolisava as entranhas, tirante a do estomago, que ainda ? corrosiva, como sempre.

Revertendo aos assumptos debatidos n'aquella roda de trogloditas, cujas caras a lavareda do ponche azulejava terrificamente, dizia um que os monarchas lusitanos, em seculos de bons costumes e f? viva, procreavam filhos illegitimos.

Esta noticia fez-me calafrios.

Em confirma??o da these, individuou o sujeito, com prodigiosa retentiva, os filhos bastardos de cada soberano, e n?o s?mente os abonados pelos chronistas, sen?o outros muitos denunciados pela tradi??o, e sonegados pelos historiadores em preito a insignes familias.

Occasionou-se-me ent?o o ensejo de observar que o senhor D. Miguel de Bragan?a, bem que malsinado de frasqueiro e muito dado a damarias, n?o deix?ra filhos illegitimos reconhecidos, ou sequer suspeitos: d'onde eu inferia que a calumnia superfluamente lhe encarec?ra os vicios, n?o querendo imputar-lhe s?mente ? descultura do espirito e aos ruins companheiros da mocidade os funestos casos do seu reinado.

Redarguiu de prompto o malsim das reaes progenituras que o snr. D. Miguel podia ser menos fecundo que seus av?s, sem ser mais casto que D. Diniz; e acrescentou que affirmava a existencia de filhos do principe proscripto, e me desculpava da ignorancia por eu ser da provincia, e desconhecer as entranhas tuberculosas da c?rte.

Estimulado por este dizer oriental e therapeutico, pedi que me dissessem quem eram os notorios filhos do snr. D. Miguel Maria do Patrocinio.

O sujeito interrogado nomeou cinco ou seis pessoas de ambos os sexos, umas que eu conhecia de vista, e outras dos appellidos heraldicos dos seus progenitores legaes.

Feita a resenha, um dos circumstantes ajuntou:

--Ainda te falta uma.

--Quem ??--acudiu o outro.

--A luveira da Rua Nova da Palma.

--? verdade... a luveira, a mais sympathica e adoravel e florida vergontea d'um tronco ro?do e verminoso. Hei de mostrar-lhe a voss? a luveira, a d?ce creatura que faz lembrar a borboleta iriada que sa?u de uma crysalida paludosa. Quer?

--Com a mais ardente curiosidade--respondi.

--?manh?.

No dia seguinte, o pontual amigo levou-me ? Rua Nova da Palma, e ahi entramos em uma pequena loja de luvas e camisaria.

A dentro do balc?o estava sentada a costurar uma senhora, singelamente vestida, e formosa quanto a mais descompassada phantasia pod?ra cobi?ar. Figurava, quando muito, vinte annos; mas eu j? ia prevenido de que ella n?o podia contar menos de vinte e sete; e, se o n?o fosse, desde logo, em vista da sua edade apparente, refutaria a procedencia que lhe davam, se queriam que houvesse nascido durante o reinado de D. Miguel.

Jos? Parada cortejou-a gravemente, chamando-lhe D. Maria Jos?. Ella recebeu o cumprimento com agraciado rosto, e correspondeu ? minha cortezia, depois que lhe fui apresentado como homem de letras... maiusculas, minusculas, cursivo, bastardinho, etc.--letras, que, longe de serem ganancia, seriam o desdouro d'um cambista e a fallencia de dois bancos.

Logo percebi que a dama luveira era mais ou menos entendida em romances, pelo benevolente sorriso com que acceitou a minha apresenta??o; e tambem observei, de passagem, que esta senhora, se estimava livros, n?o se parecia extremamente com os av?s--dessimilhan?a, por?m, que n?o fazia implicancia ? magestade da sua origem.

N?o duvidei, por tanto, que D. Maria Jos? em verdade houvesse a prosapia realenga que lhe attribuiam; antes me quiz parecer que o seu porte altivo sem soberba, e um certo natural nada commum, sem laivo de artificio, estavam inculcando uma senhora de fidalga condi??o.

--Aqui tem uma filha do snr. D. Miguel de Bragan?a--disse o meu amigo com urbana e grave seriedade, mais do que eu esperava de tamanho republicano; e ajuntou logo, coherente com os seus principios:--N'esta honrada posi??o ? que eu unicamente respeito os descendentes dos reis. No sublime abatimento do trabalho ? que as pessoas, nascidas para a ociosidade principesca e devoradora das na??es se me figuram regeneradas para a humanidade laboriosa, e repostas pela m?o do Christo na plana da egualdade a que elle chamou todos os filhos de Deus. Deante d'esta operaria, sinto o reverente enthusiasmo que os abjectos sentiriam se a vissem a ro?agar nos pavimentos vellosos da Ajuda o manto de princeza.

D. Maria abaixou ligeiramente a cabe?a, depois de haver relan?ado os olhos com suave magestade ao rosto do seu admirador. E eu, que tinha entrado com animo indisposto para t?o solemne colloquio, compenetrei-me de involuntaria sisudeza e compostura como se ali estivesse uma princeza de lista civil, uma genuina vergontea das senhoras Dona Carlota de Bourbon e Dona Maria de Saboya.

Como sou de natureza bastante monarchica, e fui creado com o bom leite do antigo amor portuguez aos seus reis, grande foi o enleio em que me vi, rosto a rosto de t?o egregia dama!

Com quanto acatamento e cortezania pude, enviei-lhe umas tartamudas palavras significativas de respeitosa vassallagem. E ella, sem descompor-se do seu palaciano aprumo, proferiu estas vozes:

--Contento-me com ser respeitada como costumam s?l-o as mulheres que vivem decorosamente. Algumas vezes tenho sido alvo de motejos por ser filha de um principe desafortunado; mas ainda n?o fui escarnecida por quem pudesse reprehender os actos da minha vida. O ter nascido grande n?o deve desmerecer-me pela resigna??o com que me sujeito ? humildade da minha posi??o.

E, levantando-se, foi vender um peito de camisa a uma mulher que lhe chamava <>.

Pouco depois entrou na loja um rapaz, asseiado a prim?r, mui fragrante de cosmeticos, e todo elle uma bonita ca?oula a recender perfumes de mocidade. O meu amigo apertou-lhe a m?o, chamando-lhe Raul Baldaque, e acotovelou-me. N?o percebi o intento espirituoso do cotovelo de Jos? Parada.

O paralta encarou-me do alto da sua importancia, arrega?ando a face direita para prender no olho correspondente um vidro. N'aquelle olhar preponderante, o sujeito parecia querer-me annunciar que era o filho unico do famoso capitalista conde de Baldaque, chegado da America, seis annos antes.

Sahimos os dous sem haver dispendido no estabelecimento mais que o ouro puro das nossas phrases. Eu ainda quiz comprar duas camisas e um par de luvas verde-gaio; mas acanhei-me de mercadejar com tamanha senhora, receiando desafinar da linguagem aulica e tom de c?rte em que n?o fui de todo bajoujo.

Contou-me, depois, Jos? Parada que D. Maria Jos? de Portugal, a luveira, havia sido requestada, para casamento, de homens n?o s? abastados, mas tambem fidalgos da ra?a cavalleirosa e da industrial, e at?--o que mais importa--de litteratos.

--N?o duvide voss?--proseguiu elle, derivando do meu ar desconfiado a incredulidade com que escuto, em geral, historias de desprendimento, quando s?o de ouro os ganchos com que a alma d'um homem pretende acolchetar-se na alma d'uma mulher.--N?o duvide--insistiu Parada.--Eu n?o fa?o romances, nem invento prodigios. Nego a existencia da virtude em quanto a n?o palpo e lhe n?o sacudo a poeira dos preconceitos; mas se chego a convencer-me, o systema de duvidar n?o p?de tanto comigo, que, por amor de seita, hesite em crer que ha princezas n?o refesteladas em almadraques de setim, princezas que n?o disputam ?s na??es pobres a enxerga dos desherdados, para quem o dormir ? a consola??o da fome.

D'este phraseado bem ? de perceber que o meu interlocutor n?o erguia m?o de sobre a mais singela resposta sem lhe esponjar exordios para discurso sedicioso.

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