Read Ebook: The Little Green Goblin by Naylor J B James Ball Miller Harry L Illustrator
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Ebook has 317 lines and 17381 words, and 7 pages
POESIAS
IMPRENSA NACIONAL
POESIAS
POR
A. HERCULANO
SEGUNDA EDI??O
LISBOA EM CASA DA VIUVA BERTRAND E FILHOS AOS MARTYRES, N.^o 73 M DCCC LX
LIVRO PRIMEIRO
A HARPA DO CRENTE.
A SEMANA SANCTA.
Der Gedanke Gott weckt einen furchlerlichen Nachbar auf. Sein Name heisst Richter.
Schiller.
Tibio o sol entre as nuvens do occidente, J? l? se inclina ao mar. Grave e solemne Vai a hora da tarde!--O oeste passa Mudo nos troncos da alameda antiga, Que ? voz da primavera os gomos brota: O oeste passa mudo, e cruza o atrio Ponteagudo do templo, edificado Por m?os duras de av?s, em monumento De uma heran?a de f?, que nos legaram, A n?s seus netos, homens de alto esfor?o, Que nos rimos da heran?a, e que insultamos A cruz e o templo e a cren?a de outras eras; N?s, homens fortes, servos de tyrannos, Que sabemos t?o bem rojar seus ferros Sem nos queixar, menosprezando a Patria E a liberdade, e o combater por ella.
Eu n?o!--eu rujo escravo; eu creio e espero No Deus das almas generosas, puras, E os despotas maldigo.--Entendimento Bronco, lan?ado em seculo fundido Na servid?o de goso ataviada, Creio que Deus ? Deus e os homens livres!
Oh sim!--rude amador de antigos sonhos, Irei pedir aos tumulos dos velhos Religioso enthusiasmo, e canto novo Hei-de tecer, que os homens do futuro Entender?o; um canto escarnecido Pelos filhos dest' epocha mesquinha, Em que vim peregrino a ver o mundo. E chegar a meu termo, e reclinar-me ? branda sombra de cypreste amigo.
Passa o vento os do portico da igreja Esculpidos umbraes: correndo as naves Sussurrou, sussurrou entre as columnas De gothico lavor: no orgam do c?ro Veiu, emfim, murmurar e esvaecer-se.
Mas porque s?a o vento?--Est? deserto, Silencioso ainda o sacro templo: Nenhuma voz humana ainda recorda Os hymnos do Senhor. A natureza Foi a primeira em celebrar seu nome Neste dia de lucto e de saudade! Tr?vas da quarta feira eu vos sa?do! Negras paredes, mudos monumentos De todas essas ora??es de m?gua, De gratid?o, de susto ou de esperan?a, Depositadas ante v?s nos dias De fervorosa cren?a, a v?s que enlucta A solid?o e o d?, venho eu saudar-vos. A loucura da cruz n?o morreu toda Ap?s dezoito seculos!--Quem chore Do soffrimento o Heroe existe ainda. Eu chorarei--que as lagrymas s?o do homem-- Pelo Amigo do povo, assassinado Por tyrannos, e hypocritas, e turbas Envilecidas, barbaras, e servas.
Tu, Anjo do Senhor, que accendes o estro; Que no espa?o entre o abysmo e os c?us vagueias, D'onde mergulhas no oceano a vista; Tu que do trovador ? mente arrojas Quanto ha nos c?us esperan?oso e bello, Quanto ha no abysmo tenebroso e triste, Quanto ha nos mares magestoso e vago, Hoje te invoco!--oh vem!--lan?a em minha alma A harmonia celeste e o fogo e o genio, Que d?m vida e vigor a um carme pio.
A noite escura desce: o sol de todo Nos mares se atufou. A luz dos mortos, Dos brand?es o clar?o, fulgura ao longe No cruzeiro s?mente e em volta da ara: E pelas naves come?ou ru?do De compassado andar. Fi?is acodem ? morada de Deus, a ouvir queixumes Do vate de Si?o. Em breve os monges, Suspirosas can??es aos c?us erguendo, Sua voz unir?o ? voz desse orgam, E os sons e os ecchos reboar?o no templo. Mudo o c?ro depois, neste recincto Dentro em bem pouco reinar? silencio, O silencio dos tumulos, e as tr?vas Cubrir?o por esta ?rea a luz esca?a Despedida das lampadas, que pendem Ante os altares, bruxuleando frouxas.
Imagem da existencia!--Em quanto passam Os dias infantis, as paix?es tuas, Homem, qual ent?o ?s, s?o debeis todas. Cresceste:--ei-las torrente, em cujo dorso Sobrenadam a d?r e o pranto e o longo Gemido do remorso, a qual lan?ar-se Vai com rouco estridor no antro da morte, L?, onde ? tudo horror, silencio, noite. Da vida tua instantes florescentes Foram dous, e n?o mais: as cans e rugas, Logo, rebate de teu fim te deram. Tu foste apenas som, que, o ar ferindo, Murmurou, esqueceu, passou no espa?o.
E a casa do Senhor ergueu-se.--O ferro Cortou a penedia; e o canto enorme Pul?do alveja alli no espesso panno Do muro colossal, que ?ra ap?s ?ra, Como onda e onda ao desdobrar na areia, Viu vir chegando e adormecer-lhe ao lado. O ulmo e o choupo no cahir rangeram Sob o machado: a trave affei?oou-se; L? no cimo pousou: restruge ao longe De martellos fragor, e eis ergue o templo, Por entre as nuvens, bronzeadas grimpas.
Homem, do que ?s capaz! Tu, cujo alento Se esv?i, como da cerva a leve pista No p? se apaga ao respirar da tarde, Do seio dessa terra, em que ?s estranho, Sair fazes as moles seculares, Que por ti, morto, falem; d?s na id?a Eterna dura??o ?s obras tuas. Tua alma ? immortal, e a prova a d?ste!
Anoiteceu.--Nos claustros resoando As pisadas dos monges ou?o: eis entram; Eis se curvaram para o ch?o, beijando O pavimento, a pedra. Oh sim, beijae-a! Igual vos cubrir? a cinza um dia, Talvez em breve--e a mim. Consolo ao morto ? a pedra do tumulo. S?-lo-hia Mais, se do justo s? a heran?a f?ra; Mas tambem ao malvado ? dada a campa.
E o criminoso dormir? quieto Entre os bons sotterrado?--Oh n?o! Em quanto No templo ondeiam silenciosas turbas, Exultar?o do abysmo os moradores, Vendo o hypocrita vil, mais impio que elles, Que escarnece do Eterno, e a si se engana; Vendo o que julga que ora??es apagam Vicios e crimes, e o motejo e o riso Dado em resposta ?s lagrymas do pobre; Vendo os que nunca ao infeliz disseram De consolo palavra ou de esperan?a. Sim:--malvados tambem h?o-de pisar-lhes Os frios restos que separa a terra, Um punhado de terra, a qual os ossos Destes ha-de cubrir em tempo breve, Como cubriu os seus; qual vai sumindo No segredo da campa a humana ra?a.
Eis que a turba rareia. Ermam bem poucos Do templo na amplid?o: s? l? no escuro De afumada capella o justo as preces Ergue pio ao Senhor, as preces puras De um cora??o que espera, e n?o mentidas De labios de impostor, que engana os homens Com seu meneio hypocrita, calando Na alma lodosa da blasphemia o grito. Ent?o exultar?o os bons, e o ?-mpio, Que passou, tremer?. Emfim, de vivos, Da voz, do respirar o som confuso Vem confundir-se no ferver das pra?as, E pela galil? s? ruge o vento.
Em tr?vas n?o ficou silenciosas O sagrado recincto: os candieiros, No gelado ambiente ardendo a custo, Espalham debeis raios, que reflectem Das pedras pela alvura; o negro mocho, Companheiro do morto, horrido pio Solta l? da cornija: pelas fendas Dos sepulchros deslisa fumo espesso; Ondeia pela nave, e esv?i-se. Longo Suspirar n?o se ouviu?--Olhae! l? se erguem. Sacudindo o sudario, em peso os mortos!
Mortos, quem vos chamou? O som da tuba Ainda do Josaphat n?o fere os valles. Dorm?, dorm?: deixae passar as eras...
Mas foi uma vis?o: foi como scena D'imaginar febril. Creou-se, acaso, Do poeta na mente, ou desvendou-lhe A m?o de Deus o ?ntimo ver da alma, Que devassa a existencia mysteriosa Do mundo dos espiritos? Quem sabe? Dos vivos ja deserta, a igreja torva Repovoou-se, para mim ao menos, Dos extinctos, que ao p? das sanctas aras Leito commum na somnolencia extrema Buscaram. O terror, que arreda o homem Do limiar do templo ?s horas mortas, N?o vem de cren?a van. Se fulgem astros, Se a luz da lua estira a sombra eterna Da cruz gigante ao longo Dos inclinados tectos, afastae-vos! Afastae-vos d'aqui, onde se passam ? meia-noite insolitos mysterios; D'aqui, onde desperta a voz do archanjo Os dormentes da morte; onde reune O que foi forte e o que foi fraco, o pobre E o opulento, o orgulhoso e o humilde, O bom e o mau, o ignorante e o sabio, Quantos, emfim, depositar vieram Juncto do altar o que era seu no mundo, Um corpo n?, e corrompido e inerte.
E seguia a vis?o.--Cria ainda achar-me, Alta noite, na igreja solitaria Entre os mortos, que, erectos sobre as campas, Eram ha pouco um fumo que ondeiava Pelas fisgas do vasto pavimento. Olhei. Do erguido tecto o panno espesso Rareava; rareava-me ante os olhos, Como tenue cendal; mais tenue ainda, Como o vapor de outono em quarto d'alva, Que se libra no espa?o antes que des?a A consolar as plantas conglobado Em matutino orvalho. O firmamento Era profundo e amplo. Involto em gloria, Sobre vagas de nuvens, rodeiado Das legi?es do c?u, o Anci?o dos dias, O Sancto, o Deus descia. Ao summo aceno Parava o tempo, a immensidade, a vida Dos mundos a escutar. Era esta a hora Do julgamento desses que se al?avam ? voz de cima sobre as sepulturas?
Era ainda a vis?o,--Do templo em meio Do anjo da morte a espada flammejante Crepitando bateu. Bem como insectos, Que ? fl?r de pego pantanoso e triste Se balou?avam--quando a tempestade Veiu as azas molhar nas aguas turvas, Que marulhando sussurraram--surgem Volteando, zumbindo em dan?a douda, E lassos, v?o pousar em longas filas Nas margens do paul, de um lado e de outro; Tal o murmurio e a agita??o incerta Ciciava das sombras remoinhando Ante o sopro de Deus. As melodias Dos c?ros celestiaes, longinquas, frouxas, Com fr?mito infernal se misturavam Em cahos de d?r e jubilo. Dos mortos Parava, emfim, o vortice enredado; E os grupos vagos em distinctas turmas Se enfileiravam de uma parte e de outra. Depois, o gladio do anjo entre os dous bandos Ficou, unica luz, que se estirava Desde o cruzeiro ao portico, e fer?a De reflexo vermelho os largos pannos Das paredes de marmore, bem como Mar de sangue, onde inertes fluctuassem De humanos vultos indecisas f?rmas.
E seguia a vis?o.--Do templo ? esquerda, M?stas as faces, inclinada a fronte, Da noite as larvas tinham sobre o s?lo Fito o espantado olhar, e as dilatadas Ba?as pupillas lhes tingia o susto. Mas, como zona lucida de estrellas, Nessa atmosphera crassa e afogueada Pela espada rubente, refulgiam Da direita os espiritos, banhado De inenarravel placidez seu gesto. Era inteiro o silencio, e no silencio Uma voz resoou--Eleitos vinde!-- Ide prec?tos!>>--Vacillava a terra, E ajoelhando eu me curvei tremendo.
Quando me ergui e olhei, no c?u profundo Um rastilho de luz pura e serena Se ia embebendo nesses mares de orbes Infinitos, perdidos no infinito, A que cham?mos o universo. Um hymno De saudade e de amor, quasi inaudivel Parecia romper desde as alturas De tempo a tempo. Vinha como involto Nas lufadas do vento, at? perder-se Em socego mortal. O curvo tecto Do templo, ent?o, se condensou de novo, E para a terra o meu olhar volveu-se. Da direita os espiritos radiosos J? n?o estavam l?. Chispando a espa?os, Qual o ferro na incude, a espada do anjo O morti?o rubor mandava, apenas, D'aurora boreal quando se extingue.
Proseguia a vis?o.--Da esquerda ?s sombras Anciava o seio a d?r: tinham no gesto Impressa a maldic??o, que lhes secc?ra Eternamente a seiva da esperan?a.
Como se v?, em noite estiva e negra, Scintillar sobre as aguas a ardentia, D'umas frontes ?s outras vagueiavam Ceruleos lumes no esquadr?o dos mortos, E ao estalar das lousas, grito immenso Subterraneo, abafado e delirante, Ineffavel compendio de agonias, Misturado se ouviu com rir do inferno, E a vis?o se desfez. Era ermo o templo: E despertei do pesadelo em trevas.
Era loucura ou sonho? Entre as tristezas E os terrores e angustias, que resume Neste dia e logar a avi-ta cren?a, Irresisti-vel for?a arrebatou-me Da sepultura a devassar segredos, Para dizer:--Tremei! Do altar ? sombra Tambem ha mau-dormir de somno extremo!>>--
A justi?a de Deus visita os mortos, Embora a cruz da redemp??o proteja A pedra tumular; embora a hostia Do sacrificio o sacerdote eleve Sobre as vizinhas aras. Quando a igreja Rodeiam trevas, solid?o e medos, Que a resguardam co'as asas acurvadas Da vista do que vive, a m?o do Eterno Separa o joio do bom gr?o, e arroja Para os abysmos a ruim semente.
N?o!--n?o foi sonho v?o, vago delirio De imaginar ardente. Eu fui levado, Galgando al?m do tempo, ?s tardas horas, Em que se passam scenas de mysterio, Para dizer:--Tremei! Do altar ? sombra Tambem ha mau-dormir de somno extremo!>>--
Vejo ainda o que vi: da sepultura Ainda o halito frio me enregela O suor do pavor na fronte; o sangue Hesita immoto nas inertes veias; E embora os labios murmurar n?o ousem, Ainda, incessante, me repete na alma ?ntima voz:--Tremei! Do altar ? sombra Tambem ha mau-dormir de somno extremo!>>--
Mas troa a voz do monge, e, emfim, desperto O cora??o bateu. Eia, retumbem Pelos ecchos do templo os sons dos psalmos, Que em dia de afflic??o ignoto vate Teceu, banhado em d?r. Talvez foi elle O primeiro cantor que em varias c?rdas, ? sombra das palmeiras da Idum?a, Soube entoar melodioso um hymno. Deus inspirava ent?o os trovadores Do seu povo querido, e a Palestina, Rica dos meigos dons da natureza, Tinha o sceptro, tambem, do enthusiasmo. Virgem o genio ainda, o estro puro Louvava Deus s?mente, ? luz da aurora, E ao esconder-se o sol entre as montanhas De Bethoron.--Agora o genio ? morto Para o Senhor, e os cantos dissolutos De lodoso folguedo os ares rompem, Ou sussurram por pa?os de tyrannos, Assellados de putrida lisonja, Por pre?o vil, como o cantor que os tece.
O PSALMO.
Quanto ? grande o meu Deus!.. T? onde chega O seu poder immenso! Elle abaixou os c?us, desceu, calcando Um nevoeiro denso. Dos cherubins nas asas radiosas Librando-se, voou; E sobre turbilh?es de rijo vento O mundo rodeiou. Ante o olhar do Senhor vacilla a terra, E os mares assustados Bramem ao longe, e os montes lan?am fumo, Da sua m?o tocados. Se pensou no Universo, ei-lo patente Ante a face do Eterno: Se o quiz, o firmamento os seios abre, Abre os seios o inferno. Dos olhos do Senhor, homem, se p?des, Esconde-te um momento: V? onde encontrar?s logar que fique Da sua vista isento: Sobe aos c?us, transp?e mares, busca o abysmo, L? teu Deus has-de achar; Elle te guiar?, e a dextra sua L? te ha-de sustentar: Desce ? sombra da noite, e no seu manto Involver-te procura... Mas as tr?vas para elle n?o s?o tr?vas. Nem ? a noite escura. No dia do furor, em v?o busc?ras Fugir ante o Deus forte, Quando do arco tremendo, irado, impelle Setta em que pousa a morte. Mas o que o teme dormir? tranquillo No dia extremo seu, Quando na campa se rasgar da vida Das illus?es o v?u.
Calou-se o monge: sepulchral silencio ? sua voz seguiu-se. Uma toada De orgam rompeu do c?ro. Assemelhava O suspiro saudoso, e os ais de filha, Que chora solitaria o pae, que dorme Seu ultimo, profundo e eterno somno. Melodias depois soltou mais doces O severo instrumento: e ergueu-se o canto, O doloroso canto do propheta, Da patria sobre o fado. Elle, que o vira, Sentado entre ruinas, contemplando Seu avito esplendor, seu mal presente, A qu?da lhe chorou. L? na alta noite, Modulando o Nebel, via-se o vate Nos derribados porticos, abrigo Do immundo stellio e gemedora poupa, Extasiado--e a lua scintillando Na sua calva fronte, onde pesavam Annos e annos de d?r. Ao venerando Nas encovadas faces fundos regos Tinham aberto as lagrymas. Ao longe, Nas margens do Kedron, a ran grasnando Quebrava a paz dos tumulos. Que tumulo Era Si?o!--o vasto cemiterio Dos fortes de Israel. Mais venturosos Que seus irm?os, morreram pela patria; A patria os sepultou dentro em seu seio. Elles, em Babylonia, aos punhos ferros, Passam de escravos miseranda vida, Que Deus pesou seus crimes, e, ao pesa-los, A dextra lhe vergou. N?o mais no templo A nuvem repous?ra, e os c?us de bronze Dos prophetas aos rogos se amostravam. O vate de Anathot a voz solt?ra Entre o povo infiel, de Eloha em nome: Amea?as, promessas, tudo inutil; De bronze os cora??es n?o se dobraram. Vibrou-se a maldic??o. Bem como um sonho Jerusalem passou: sua grandeza S?mente existe em derrocadas pedras. O vate de Anathot, sobre seus restos, Com triste canto deplorou a patria. Hymno de morte al?ou: da noite as larvas O som lhe ouviram: squallido esqueleto, Rangendo os ossos, d'entre a hera e musgos Do portico do templo erguia um pouco, Alvejando, a caveira.--Era-lhe allivio Do sagrado cantor a voz suave Desferida ao luar, triste, no meio Da vasta solid?o que o circumdava. O propheta gemeu: n?o era o estro, Ou o v?vido jubilo que outr'ora Inspir?ra Moys?s: o sentimento Foi sim pungente de silencio e morte, Que da patria lhe fez sobre o cadaver A elegia da noite erguer e o pranto Derramar da esperan?a e da saudade.
A LAMENTA??O.
Como assim jaz e solitaria e qu?da Esta cidade outr'ora populosa! Qual viuva ficou e tributaria A senhora das gentes. Chorou durante a noite; em pranto as faces, S?sinha, entregue ? d?r, nas penas suas Ninguem a consolou: os mais queridos Contrarios se tornaram. Ermas as pra?as de Si?o e as ruas, Cobre-as a verde relva: os sacerdotes Gemem; as virgens pallidas suspiram Involtas na amargura. Dos filhos de Israel nas cavas faces Est? pintada a macilenta fome; Mendigos v?o pedir, pedir a estranhos, Um p?o de infamia eivado. O tremulo anci?o, de longe, os olhos Volve a Jerusalem, della fugindo; V?-a, suspira, cahe, e em breve expira Com seu nome nos labios. Que horror!--?mpias as m?es os tenros filhos Despeda?aram: barbaras quaes tigres, Os sanguinosos membros palpitantes No ventre sepultaram. Deus, compassivo olhar volve a n?s tristes: Cessa de Te vingar! V?-nos escravos, Servos de servos em paiz estranho. Tem d? de nossos males! Acaso ser?s Tu sempre inflexivel? Esqueceste de todo a na??o tua? O pranto dos hebreus n?o Te commove? ?s surdo a seus lamentos?
Doce era a voz do velho: o som do Nablo Sonoro: o c?u sereno: clara a terra Pelo brando fulgor do astro da noite: E o propheta parou. Erguidos tinha Os olhos para o c?u, onde buscava Um raio de esperan?a e de conforto: E elle cal?ra j?, e ainda os ecchos, Entre as ruinas sussurrando, ao longe ?am os sons levar de seus queixumes.
Choro piedoso, o choro consagrado ?s desditas dos seus. Honra ao propheta! Oh margens do Jord?o, paiz formoso Que fostes e n?o sois, tambem suspiro Condo?do vos dou.--Assim fenecem Imperios, reinos, solid?es tornados!... N?o:--nenhum deste modo: o peregrino P?ra em Palmyra e pensa. O bra?o do homem A sacudiu ? terra, e fez dormissem O seu ultimo somno os filhos della-- E elle o veio dormir pouco mais longe... Mas se chega a Si?o treme, enxergando Seus lacerados restos. Pelas pedras, Aqui e alli dispersas, ainda escripta Parece ver-se uma inscrip??o de agouros, Bem como aquella que aterrou um ?-mpio Quando, no meio de ruidosa festa, Blasphemava dos c?us, e m?o ignota O dia extremo lhe apontou dos crimes. A maldic??o do Eterno est? vibrada Sobre Jerusalem!--Quanto ? terri-vel A vingan?a de Deus! O Israelita, Sem patria e sem abrigo, vagabundo, ?dio dos homens, neste mundo arrasta Uma existencia mais cruel que a morte, E que vem terminar a morte e inferno. Desgra?ada na??o!--Aquelle solo Onde manava o mel, onde o carvalho, O cedro e a palma o verde ou claro ou torvo, T?o grato ? vista, em bosques misturavam; Onde o lyrio e a cecem nos prados tinham Crescimento espontaneo entre as roseiras, Hoje, campo de lagrymas, s? cria Humilde musgo de escalvados cerros.
Ide v?s a Mambr?.--L?, bem no meio De um valle, outr'ora de verdura ameno, Erguia-se um carvalho magestoso. Debaixo de seus ramos largos dias Abrah?o repousou. Na primavera Vinham os mo?os adornar-lhe o tronco De capellas cheirosas de boninas, E coreias gentis tra?ar-lhe em roda. Nasceu com o orbe a planta veneravel, Viu passar gera??es, julgou seu dia Final fosse o do mundo, e quando airosa Por entre as densas nuvens se elevava, Mandou o Nume aos aquil?es rugissem, Ei-la por terra! As folhas, pouco a pouco, Murcharam-se cahindo, e o rei dos bosques Serviu de pasto aos tragadores vermes. Deus estendeu a m?o:--no mesmo instante A vinha se mirrou: juncto aos ribeiros Da Palestina os platanos frondosos N?o mais cresceram, como d'antes, bellos: O armento, em vez de relva, achou nos prados S?mente ingratas, espinhosas urzes. No Golgotha plantada, a Cruz clam?ra --Justi?a!>>--A tal clamor horrido espectro No Mori? surgiu. Era seu nome Assola??o.--E despregando um grito, Cahiu com longo som de um povo a campa. Assim a heran?a de Jud?, outr'ora Grata ao Senhor, existe s? nos ecchos Do tempo que j? foi, e que ha passado Como hora de prazer entre desditas. ...................................
Minha Patria onde existe? ? l? s?mente! Oh lembran?a da Patria acabrunhada Um suspiro tambem tu me has pedido; Um suspiro arrancado aos seios d'alma Pela offuscada gloria, e pelos crimes Dos homens que ora s?o, e pelo opprobrio Da mais illustre das na??es da terra!
A minha triste Patria era t?o bella, E forte, e virtuosa! e ora o guerreiro E o sabio e o homem bom acol? dormem, Acol?, nos sepulchros esquecidos, Que a seus netos infames nada contam Da antiga honra e pudor e eternos feitos. O escravo portugu?s agrilhoado Carcomir-se lhes deixa juncto ?s lousas Os decepados troncos desse arbusto, Por m?os delles plantado ? liberdade, E por tyrannos derribado em breve, Quando patrias virtudes se acabaram, Como um sonho da infancia!... O vil escravo, Immerso em vicios, em bruteza e infamia, N?o erguer? os macerados olhos Para esses troncos, que destroem vermes Sobre as cinzas de heroes, e, acceso em pejo, N?o surgir? j?mais?--N?o ha na terra Cora??o portugu?s, que mande um brado De maldic??o atroz, que v? cravar-se Na vigilia e no somno dos tyrannos, E envenenar-lhes o prazer por noites De vil prostitui??o, e em seus banquetes De embriaguez lan?ar fel e amarguras?
N?o!--Bem como um cadaver j? corrupto, A na??o se dissolve: e em seu lethargo O povo, involto na miseria, dorme.
Oh, talvez, como o vate, ainda algum dia Terei de erguer ? Patria hymno de morte, Sobre seus mudos restos vagueiando! Sobre seus restos?--Nunca! Eterno, escuta Minhas preces e lagrymas:--se em breve, Qual jaz Si?o, jazer deve Ulissea; Se o anjo do extermi-nio ha-de risca-la Do meio das na??es, que d'entre os vivos Risque tambem meu nome, e n?o me deixe Na terra vagueiar, orpham de Patria.
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