Read Ebook: Vándormadár: Regény by Lovik K Roly
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Ebook has 79 lines and 5130 words, and 2 pages
E aqui est? o que ? possivel ao progresso humano.
E eisaqui a chronica do passado, a historia do presente, o programma do futuro.
Hoje o mundo ? uma vasta Barataria, em que domina elrei Sancho.
Depois hade vir D. Quixote.
O senso commum vir? para o millenio: reinado dos filhos de Deus! Est? promettido nas divinas promessas... como elrei de Prussia prometteu uma constitui??o; e n?o faltou ainda, porque--porque o contracto n?o tem dia; prometteu mas n?o disse para quando.
Ora n'esta minha viagem Tejo-a-riba est? symbolizada a marcha do nosso progresso social: espero que o leitor intendesse agora. Tomarei cuidado de lh'o lembrar de vez em quando, porque receio muito que se esque?a.
Somos chegados ao triste desimbarcadoiro de Villa-Nova-da-Rainha, que ? o mais feio peda?o de terra alluvial em que ainda poisei os meus p?s. O sol arde como ainda n?o ardeu este anno.
Um immenso arraial de cale?as, de machinhos, de burros e arrieiros, nos espera n'aquelle descampado africano. ? for?oso optar entre os dois martyrios da cale?a ou do macho. Do mal o menos... seja este.
E acol?--oh suppl?cio de Tantalo!--vejo duas possantes e nedeas mulas castelhanas jungidas a um vehiculo que, n'estas paragens e ao p? d'aquell'outros, me parece mais esplendido do que um landaw de Hyde-Park, mais elegante que um caleche de Long-champs, mais commodo e elastico do que o mais acrio briska da princeza Hellena. E com tudo--oh magico pod?r das situa??es!--elle n?o ? sen?o, uma substancial e bem apessoada traquitana de cortinas.
Togados manes dos antigos desimbargadores, venerandas cabelleiras de anneis e castanhola, que direis, ? respeitadas sombras, se d'esse limbo onde estais esperando pela resurrei??o do P?gas... e do livro quinto--v?des este degenerado e espurio successor vosso, em cal?as largas, frak verde, chapeu branco, gravata de c?r, chicotinho de caoutchouc na m?o, prompto a cavalgar em mulinha de Palito-Metrico como um garraio estudantinho do segundo anno, e deitando olhos invejosos para esse natural, proprio e adscripticio modo de conduc??o desimbargatoria? Oh que direis v?s! Com que justo despr?zo n?o olhareis para tanta degrada??o e deroga??o!
Eu commungava silenciosamente commigo n'estas graves medita??es, e revolvia incertamente no ?nimo a ponderosa d?vida:--se o administrar justi?a direita aos povos valia a pena de andar um desimbargador a p?!... Luctava no meu ser o Sancho Pan?a da carne com o D. Quixote do espirito--quando a Providencia, que nos maiores apertos e tenta??es nos n?o abandona nunca, me trouxe a generosa offerta de um amigo e companheiro do vapor, o Sr. L. S.: era sua a invejada carro?a, e n'ella me deu logar at? ? Azambuja.
A virtude ? o galard?o de si mesma, disse um philosopho antigo; e eu n?o creio no famoso ditto de Bentham, que sabedoria antiga seja um sophisma. O mais moderno ? o mais velho, n?o ha d?vida; mas o antigo que dura ainda, ? porque tem achado na experiencia a confirma??o que o moderno n?o tem. Jeremias Bentham tambem fazia o seu sophisma como qualquer outro.
Vamos percorrendo lentamente aquelle mal-composto marach?o que poucos palmos se eleva do nivel baixo e salgadi?o do solo: de hynverno n?o se passar? sem perigo; ainda agora se n?o anda sem inc?mmodo e receio. Estamos em Villa-Nova e ?s portas do nojento caravanseray, unico asylo do viajante n'esta, hoje, a mais frequentada das estradas do reino.
Parece-me estar mais deserto e sujo, mais abandonado e em ruinas este asqueroso logarejo, desde que alli aop? tem a esta??o dos vap?res, que s?o a commodidade, a vida, a alma do Ribat?jo. Imagino que uma aldeia de Alarves nas faldas do Atlas deve ser mais limpa e commoda.
Fallemos n'outra coisa.
Fujamos depressa d'este monturo.--? mon?tona, arida e sem frescura de ?rvores a estrada: apenas alguma rara oliveira mal-medrada, a longos e desiguaes espa?os, mostra o seu tronco rachitico e bra?os contorcidos, ornados de ramusculos doentes, em que o natural verde-alvo das folhas ? mais alvacento e desbotado que o costume. O solo por?m, com raras excep??es, ? optimo, e a tr?co de pouco trabalho e insignificante despeza, daria uma estrada tam boa como as melhores da Europa.
Dizia um secretario d'Estado meu amigo que para se repartir com egualdade o melhoramento das ruas por toda Lisboa, deviam ser obrigados os ministros a mudar de rua e bairro todos os tres mezes. Quando se fizer a lei de responsabilidade ministerial, para as kalendas gregas, eu heide propor que cada ministro seja obrigado a viajar por este seu reino de Portugal ao menos uma vez cada anno, como a desobriga.
Ahi est? a Azambuja, pequena mas n?o triste povoa??o, com visiveis signaes de vida, aceadas e com ar de conf?rto as suas casas. ? a primeira povoa??o que d? indicio de estarmos nas ferteis margens do Nilo portuguez.
Sancto Deus! que bruxa que est? ? porta! que antro l? dentro!... Cai-me a penna da m?o.
Acha-se desappontado o leitor com a prosaica sinceridade do A. d'estas viagens. O que devia ser uma estalagem nas nossas eras de litteratura romantica?--Suspende-se o exame d'esta grave quest?o para tractar, em prosa e verso, um mui difficil ponto de economia-politica e de moral social.--Quantas almas ? preciso dar ao diabo, e quantos corpos se teem de intregar no cemiterio para fazer um ricco n'este mundo.--Como se veio a descobrir que a sciencia d'este seculo era uma grandessissima tola.--Rei de facto, e rei de direito.--Belleza e mentira n?o cabem n'um sacco.--P?e-se o A. a caminho para o pinhal da Azambuja.
Eu coroarei de trevo a minha espada, De cenoiras, luzerna e betarrava, Para cantar Harm?dios e Arist?gilons, Que do tyranno jugo vos livraram Da sciencia velha, inutil carunchosa, Que elevava da terra, erguia, al?ava O que no homem ha de Ser divino, E para os grandes feitos e virtudes Lhe despegava o espirito da carne...
N?o: plantae batatas, ? gera??o de vapor e de p? de pedra, macadamisae estradas, fazei caminhos de ferro, constru? passarolas de Icaro, para andar a qual mais depressa, ?stas horas contadas de uma vida toda material, massuda e grossa como tendes feito ?sta que Deus nos deu tam differente do que a hoje vivemos. Andae, ganha-p?es, andae; reduzi tudo a cifras, todas as considera??es d'este mundo a equa??es de inter?sse corporal, comprae, vendei, agiotae.--No fim de tudo isto, o que lucrou a especie humana? Que ha mais umas poucas de duzias de homens riccos. E eu pergunto aos economistas-politicos, aos moralistas, se ja calcularam o n?mero de individuos que ? for?oso condemnar ? miseria, ao trabalho desproporcionado, ? desmoraliza??o, ? infamia, ? ignorancia crapulosa, ? desgra?a invencivel, ? penuria absoluta, para produzir um ricco?--Que lh'o digam no Parlamento inglez, onde, depois de tantas commiss?es de inqu?rito, ja deve de andar or?ado o n?mero de almas que ? preciso vender ao diabo, o n?mero de corpos que se tem de intregar antes do tempo ao cemiterio para fazer um tecel?o ricco e fidalgo como Sir Robert Peel, um mineiro, um banqueiro, um grangeeiro--seja o que for: cada homem ricco, abastado, custa centos de infelizes, de miseraveis.
There are more things in heaven and earth, Horatio, Than are dreamt of in your philosophy.
A sciencia d'este seculo ? uma grandessissima tola.
E como tal, presump?osa e cheia do orgulho dos nescios.
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Vamos ? descrip??o da estalagem. N?o p?de ser classica; assoviam-me todos esses rapazes de pera, bigode e charuto, que fazem litteratura cava e funda desde a porta do Marrare at? ao caf? de Moscow...
Mas aqui ? que me apparece uma incoherencia inexplicavel. A sociedade ? materialista; e a litteratura, que ? a express?o da sociedade, ? toda excessivamente e absurdamente e despropositadamente espiritualista! Sancho rei de facto, Quixote rei de direito!
E fallam no Eva
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