Read Ebook: A Primavera by Castilho Antonio Feliciano De
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Ebook has 387 lines and 90699 words, and 8 pages
?Lembra-te a gruta, a gruta onde Amarilis De seu ja quasi esposo Umbrano, o astuto, Acceitou, de sincera, a grave aposta? Qual era, que o pastor lhe n?o podia Dar n'uma tarde tantos beijos, tantos, Como as folhas do pl?tano vizinho, Sendo o premio da aposta inda outro beijo? ?Aquella gruta, onde ambos consumir?o Um dia teu, a adivinhar a ponto Todas as gra?as do primeiro filho; E s? no sexo os votos discordav?o, Porque Umbrano pintava outra Amarilis, E Amarilis raivosa um novo Umbrano? Pois n'essa, n'essa gruta os meus amigos Para hospedar-te um gr?o festejo tra??o. P?r-se-ha do cedro ? sombra altar gram?neo Com seus fl?reos list?es, onde c'roados Te libem vinho annoso e leite puro, Concertando himnos teus com lira e flautas. O lavrador da proxima campina, A estirada cantiga aos bois tardios Parando calar?, para escutar-nos.
Ent?o, ent?o come?a o tempo d'oiro, Folg?o no campo os naturaes prazeres, E a rustica alegria apraz aos deoses. Aqui, apoz as candidas ovelhas, Vai trigueira, descal?a pastorinha Aos echos do arredor cantando amores; Ali galhudo S?tiro se esconde Para colher alguma Ninfa errante; Alem com ledos sons retine o bosque, O riso ferve, as flautas se mistur?o; Mais longe, aos p?s de mal fingida ingrata, Se exhal?o rogos apiedando as selvas. Um favonio subtil encrespa as ?goas, E enfada a Ninfa, que estudava uns geitos De se enfadar com quem de amor lhe falle. Priapo brincador gira saltando Nos jardins, nos vergeis, e nos pomares, Ramos bate, alvorota o pl?meo bando, Que foge, mas de Amor n?o foge ?s settas. Amor e seus irm?os, com o facho em punho, Lan??o tacito fogo a quanto existe. Junto da verde faia susurrando Se ouve outra faia um n?o sei que, t?o doce, Que aos amantes apraz o seu murm?rio. Do rebanho o marido entre o rebanho Bala amoroso, e todas lhe respondem: Pela novilha se enfurece o toiro, Accomette o rival, goza o triunfo. C?r de neve, innocentes cordeirinhos Ja bal?o na verdura, ja recresce Maravilhando a serra, a grei profusa Das erradias cabras saltadoras: A nova crea??o corre exultando; Aquelle foge, os outros o perseguem, Volt?o, salt?o, empin?o-se, discorrem Por toda a parte n'um momento o prado; Cresce o leite, e o pastor a quem ja falt?o Cinchos para o queijar, tarros que o levem, L?do se enraiva com riquezas tantas. Todo o arredor da aldea he movimento, Contente lida, esp'ran?a, amenidade.
Porque se h?o de calar da infancia os brincos? A infancia he primavera, he mundozinho Florente, de que nasce um grande mundo. Menino ? espreita e mudo entre as silveiras, Apoz o som do grillo o vai buscando; Outro os ramos envisca, as redes arma; Pr?zo de longo fio ao p? mimoso Passarinho pelo ar chirla e revoa, E crendo-se de novo o rei do espa?o, De inconstante crean?a um dedo o rege. Um mais trav?sso, ?s ?rvores trepado, Nos ramos se embalan?a, ou furta os ninhos; Outro mais atrevido, emv?o forceja Por montar no carneiro, que se escapa, Fazendo ao longe retinir os bosques Co' o crebro som da aguda campainha. Tenra menina um malmequer desfolha, E pelo amor da m?i ? flor pergunta; Em quanto seus irm?os v?o na corrente P?r de corti?a um concavo barquinho. Na luta, na carreira apostas fervem. Oh! da infancia do mundo amaveis scenas! Se inda as virtudes s?bre a terra existem, Se inda existe o prazer, o socio d'ellas, He no campo, no campo; e a quadra tua Nos mostra, ? Primavera, este prodigio.
Mas da fogueira as chamas enfraquecem! Ja os gallos das proximas cabanas V?o come?ando a annunciar-me o dia: Que som grato! que enl?vo estar sentindo Por um sereno albor, estes vizinhos Nuncios da aurora, a cuja voz respondem Outros aqui e alem, com voz diversa! Sim, o dia come?a: a luz nascente Pelas fendas do t?to est? brilhando. Eis-me s? junto ao lar! quem sabe ha quanto Se iri?o meus bons hospedes ao colmo: Agora em doce paz l? est?o dormindo. Que breve noite! e he finda; ah toda he finda! Da fresta, onde cheguei, contemplo os ares, E claro vejo o ceo, de nuvens limpo: Mal brilha no horizonte a estrella d'alva. E os olhos meus s? descobrirem Como por um v?o denso a natureza! Os montes que longissimo se alcan??o De vinhas e arvoredo entresachados, O rio ao longe a fulgurar co'as ondas, Os remotos cazaes da gente humilde Pelas verdes campinas alvejando, N?o v?-los eu! n?o ver!... Mas que murm?rio S?lta a folhagem do loureiro antigo, Que defronte de mim remonta aos ares? O Favonio acordou, que hontem de tarde, Can?ado de girar, adormec?ra Junto ? cascata no pomar sombrio. Vai subito partir: em curtas horas Ser? comtigo, e te dir? meus versos.
Meus Amores, adeos! adeos meu Nume! Da Epistola a resposta a vinda seja.
O DIA DA PRIMAVERA
POEMETTO EM DOIS CANTOS
Entra-se por um breve c?es ornado de cinco alterosas arvores, das quaes uma torcendo-se toda para o rio, se debru?a para saudar e cobrir com a sua sombra os bateis que cheg?o. No t?po do c?es, e fronteira a quem desembarca, se alevanta um genero de muralha nativa de rochedo, r?to em muitos seios. Esta penedia, at? aos nove ou dez palmos de altura, s?be nua e s? ornada de sua mesma aspereza; d'ahi para cima, como envergonhada de sua dura condi??o, se esconde toda com um frontal de heras, que ora resaem como cabe?os pendurados, ora se recolhem para fantasiarem la por dentro suas grutazinhas e labirinthos, d'onde ?s vezes se est?o vendo sa?r por um cabo e por outro os passaros, que depois de beber e se banharem na v?a da agoa, se empoleir?o pelos lamegueiros vizinhos, namorando e cantando a suavidade e fresquid?o de suas habita??es. Pelo lado direito d'esta aprazivel scena, s?be uma cerrada espessura de bosque pequeno, onde os olhos se enle?o na confus?o de troncos e folhagem: pelo esquerdo abre-se para cima uma escada rustica mas commoda, de doze degraos. Tecem-lhe estendido toldo dois lamegueiros velhos, e outras arvores mais pequenas se abra??o por ali, travadas com mil voltas de hera. D? esta subida em uma planura s?bre o comprido com seus assentos de ambas as bandas, isto he da terra e do rio, o qual por entre um basto arvoredo, que d'ahi por uma especie de promontorio, vai descendo at? lhe metter os p?s na corrente, se est? vendo a furto transparecer: das primeiras cabe?as d'este arvoredo c?e para os assentos uma boa a vedada sombra. O puro e perfumado dos ares, a v?ria presen?a da terra e aguas, o susurrar dos ramos abanados da vira??o, as melodiosas querellas das aves, em summa o natureza enfeitada s? de suas m?os, e paz e descan?o de deserto, s?o a fonte perenne dos encantamentos d'este s?tio. Uma ladeira suave opposta ? escada, e ainda mais sombreada, despede em outro c?es com seus degraos nativos de rocha at? ? agua. He este menos bem assombrado que o primeiro: n?o tem relva, nem arvore, nem verdura af?ra ada muralha no t?po, toda velada de musgos, matizados com seus tufos de fetos silvestres, congossas e um sem numero de outras plantas e ervas, sobresaindo a espa?os alguns ramos solitarios de figueira brava: mas o que de interior gra?a lhe fallece, lho compensa a larga vista que para f?ra desfruta.
Era chegado o primeiro dia de primavera. Tratado e assentado estava de ha muito entre mim e meus amigos, como iriamos passa-lo juntos, em uma romaria e festa poetica ? honra d'aquella mais formosa parte do anno. N?o faltav?o ? volta da Cidade muitos sitios accommodados ao intento, antes n?o creio que possa haver no mundo outra verdadeira Arcadia, que em t?o pequeno espa?o resuma tantos: mas d'entre todos coube ? Lapa dos Esteios a palma da competencia. De doze se compunha o rancho, todos amigos, poetas e academicos.
Por volta de meio dia, pouco mais, nos ajunt?mos com muita alegria e abra?os, e todos com as nossos ramalhetes de primavera nas m?os, nos pozemos alvora?adamente em caminho para o rio, onde ja o barco nos aguardava. O ar estava puro: contra o sol que ardia rijo, nos acudia com refrigerio um pouco vento, que ao mesmo tempo nos fazia mui boa fei??o para contrastar a corrente. Salt?mos e partimos.--Em quanto alguns por um e outro bordo ajudav?o o favor do ar com o trabalho de suas varas, repellindo o ?lveo, e fazendo-nos resvalar mais prestes ? medida de nossos desejos, os demais amotinav?o ao longe ambas as ribeiras com suas cantigas de amores, entoadas em chusma. A cada momento porem se quebrava por si o canto, para se contemplar e encarecer o muito que a natureza e o artificio pod?r?o e soub?r?o crear para enlevo de olhos, por ambas aquellas dilatadas margens e campos: pradaria verde e flor?da, outeiros risonhos, cazaes branqueados, grangearia e recrea??o de quintas, pomares, hortas, jardins, e mil arbustos curvos por entre choupos e salgueiros at? beijarem a agua, esse era o painel em que meus amigos se hi?o enlevando, e que a mim, que pelo longe que era posto, o n?o podia nem por nevoas enxergar, me desentranhou algum suspiro, dando-me a sentir no meio da geral alegria alguns momentos magoados, recostado na borda da embarca?a?.
Mil couzas pequenas, e por ventura v?s matizar?o toda esta viagem: taes como a grita que de subito alevant?mos ao passar por baixo do arco grande da ponte, aonde as vozes, refletindo do massi?o da cantaria, nos ressorti?o para os ouvidos com uma estranha soada, como que por aquella porta e esteiro estivessemos entrando um mar nunca d'antes descoberto; despedidas ? Cidade que de n?s se alongava, branca e assentada em seu monte, at? que desapparecia, e ?s margens que para n?s arremetti?o correndo com seus estendaes, lavradores e rebanhos, para logo nos passarem alem, fugir-nos e perderem-se; a vista de um bando immenso de pombas, que levantando-se espavoridas com a nossa passagem, de um ilheo de ar?a onde se estav?o a beber e banhar-se, nos atravessar?o pela proa e for?o derramar-se todas queixosas pela ribanceira vizinha; o ceo a espelhar-se inteiro nas aguas ufanas de retratarem multiplicado o sol da primavera com toda sua magnificencia: semelhantes nadas produzi?o em somma um genero de felicidade a estes mo?os Anacreontes viajando, ? qual, para de todo o ser, s? faltava poder durar.
N?o havia quem nos apartasse: por derradeira vez nos torn?mos ainda ? Lapa, travou-se uma dan?a por despedida, e fez-se uma saude geral ao lugar e ?s trez Gra?as que ali costum?o a vir muitas vezes, at? que emfim nos embarc?mos, com as nossas coroas na cabe?a. Foi aos barqueiros defendido usar de vara, antes se lhes encommendou que nos deixassem embora ir, t?o mansa e pergui?osamente como ? v?a mal desperta do rio parecesse, e ainda n'aquelle pouco descer das aguas houv?ramos n?s tido m?o, se podessemos.
A serenidade da noite junta com as saudades do dia, nos fez achar inefavel do?ura nos sons da flauta, que pareci?o modulados pela melancolia, e se esva??o ao longe nos ares. Se ?s vezes o acaso nos levava mais para uma das margens, uns frouxos echos ch?os de do?ura a tristeza se comprazi?o de repetir a musica e as palmas com que a n?s applaudiamos. Emquanto um s? cantava em meia voz, e n?s o ouviamos calados, a face na m?o, e meio reclinados contra o rio, suave nos era escutar como as quasi insensiveis ondas, com som muito mais baixo nos vinh?o beijar os lados do batel, d'onde, se fugi?o partindo, com um murmurinho saudoso.
Descemos em terra, e abra?ando-nos repassados de igual amizade, e das mesmas lembran?as, vot?mos logo ali nova Festa em honra do primeiro dia de Maio, a qual se veio a fazer, como ao deante o declarar? o volume: e todo esse meio tempo de uma at? ? outra, foi tecido de doces memorias, fantasias poeticas, ten??es e esperan?as de prazer.
Assim se podia e sabia ainda ent?o passar dias mansos, innocentes e bemaventurados!
O DIA DA PRIMAVERA.
Ei-la que chega a amante Primavera! Logo ao romper do dia susurrando V?s, Favonios azues, a annunciaveis. Chega ... chegou! as aves a festej?o Desatinadas, doidas; ja com verdes Bra?os lhe acena o bosque; est?o-se os rios A retrata-la; as fontes a murmur?o; Traz gala o monte; os valles se alcatif?o; Ri-lhe o ceo todo, a Natureza he d'ella!
Mais cedo ao leito do marido annoso Hoje a Aurora fugio; tomou rega?o De orientaes aljofares mais rico, Mais c?pia em seio e m?os de eth?reas flores. Aos umbraes inda escuros do horisonte Quem a aguardava, quem? os meus Amores Que encontro! que abra?ar-se!... O Zefirinho Que ja por entre n?s passou trez vezes, Trez vezes ao passar mo ha segredado: Vio tudo, tudo ouvio, que era elle proprio Um dos que pelo ar vinh?o soprando O matizado pavilh?o de nuvens, Em que ?s terras baixava o Par celeste. Rosto a rosto inclinado; as m?os unidas; Mago riso um s? riso em bocas duas; Absortos em luz mutua os mutuos olhos; Duas G?meas do ceo, duas Virtudes N'uma Virtude s?, se afigurav?o. --"? minha Irm? "Quem nos ha de estremar? tu es do dia "A Primavera, eu sou do anno Aurora"-- --"Filha como eu do Sol , ? doce Irm?, v?rte-te o Fado, "N?o q eu to inveje, os bens de urna mais ampla: "Deu-te folgar sem mim, deu-te a alegria "Dos dias que eu s? abro, e os t?o gabados "Prazeres que eu n?o vi, n?o verei nunca, "Prazeres do sol p?sto, e de alvas noites. "A mim lida perenne, a mim rigores "De oppostas esta??es, reinar de instantes, "Cont?nua fuga, e os odios dos ditosos, "E as maldi??es de Amor comtigo affavel. "Eis porque a meu pezar, j? por costume, "De olhos que espargem luz se orvalh?o choros. "Perd?a-mos teu jubilo mos s?cca. "Desce, eu parto, urge o Tempo, e ja me acena "Co'a m?o rugosa para novos climas. "Fica-te em nossa amada Lusitania, "Inda pouco ha t?o triste. Observa os cumes "Contra o nosso nascente; ahi v?s ? espera "A turba toda dos campestres Deozes, "Flora, Cibele, Dr?ades, Nap?as, "Hamadr?ades, N?iades, Silvano, "A ca?adora Cinthia, Amores, Gra?as, "Os ledos Risos, a amorosa Venus; "E Pan ha muito tempo em nova flauta, "No verde cume do apartado monte, "L? onde canas tr?mulas susurr?o, "Para a tua chegada estuda um hino, "A cujo estrondo os S?tiros volt?em."-- Diz: olha para traz, v? o Sol, desmaia, Beija a Amiga, e fugindo a entrega ao dia.
Desfez-se a n?voa eis Sol! Joelho em terra, Amigos meus; he o Sol da Primavera! "? Sol das flores, Salve! ? Sol de amantes, "Salve! E trez vezes Salve! ? Sol dos vates!" V?de-o doirando do arvoredo os cumes; V?de nas aguas l?mpidas fervendo De reflexos de luz ?ureo cardume. Corramos n'um momento os campos todos! Como esta luz do Ceo, que a toda a parte Desce, rompe, insinua-se, alvoro?a; Como esta luz do Ceo, vates mancebos, Devassemos a terra: uma s? gruta N?o fique, um arvoredo, ou valle, ou fonte, Por onde n?o mergulhe a vista, o estro.
Esta, que ora seguimos, tortuosa Concava senda, ha pouco estreito rio Co'as grossas chuvas da vizinha serra, Parece de um jardim curiosa rua! De um lado e d'outro os c?maros pendentes Ja n?o s?o montes de crueis espinhos, Montes s?o de verdura, e roxas flores, Onde n'outra esta??o vir?? c'os cestos Colher nevadas m?os negras amoras: Recende o legac?o, e a madresilva. De madresilva ornemo-nos as frontes ... Mas n?o: fique-se em paz a flor nevada; Quer-se antes a violeta, eu sei outeiro Onde ella mora, he flor da Primavera; D'esta eu fiz ellei??o n?o quero d'outra, V?s, se outra prefer?s, apanhai d'essa.
Por aqui vai a encosta desfar?ada: Como que ja de c?r meus p?s a sabem. Ja v?s de c? vereis, la quasi ao cimo, Um ramalhete espesso de aveleiras, E de dentro luzindo uma apparencia De alvo lirio entre verde, um cazalinho; Pois essa he a casa de Egle. E mais avante, No alto; n?o volt??o solitarias As pandas velas de veloz moinho? Tambem ja la pouzei n'uma afrontada Tarde do estio, e lhe dormi ? sombra. Tudo isto me conhece! Esta ladeira De rusticos degr?os, que ahi desce ? dextra, De perenne verdor acobertada, C?e na fonte da aldea. N?o presumis quanto he social a boa Da fontinha alde?! n?o ha formosa Que ali se n?o detenha e n?o se enfeite; N?o ha pastor cortez, que ao fim da tarde, Ja recolhido o gado, ali n?o des?a Para ajudar a encher; inda n?o houve Na vizinhan?a amor, cantiga nova, Ou fallado successo, que cem vezes Do fundo de seu antro os n?o ouvisse A N?iade anci?; nem b?da alguma, Sem se enramar o portico musgoso.
? esquerda, pela varzea anda rebanho; Que ouvi balar, e ainda ou?o a cantilena De pegureira voz. Dizei-me ? pressa, Que scena off'rece a varzea? a relva molle De alvas boninas tr?mulas brincada, Onde o calor nascente o orvalho enxuga, O sombrear das arvores dispersas, Bellos n?o s?o de ver? he vasto o bando Das ovelhas pac?ficas? he linda A guardadora sua? est? sozinha Em p? volvendo o fuso e olhando o pasto, Ou com algum pastor sentada em ocio? Traz disperso o cabello ou prezo em rosas? Que donoso cantar! que peregrina Poesia que esperdi?a aquella mo?a Com broncas solid?es e ovelhas rudes! Couza que assim namore a fantasia N?o quero que haja, n?o: virgem formosa Sozinha sob o ceo; velando em brutos A que era de velar como um thesouro; A gra?a envolta em l?s, contente e rica; E annos verdes, sem pena aqui florindo, Longe de olhos e amor, jogos e esp'ran?as!
Detende-vos: o aroma he de violetas. Ei-las! irei tecendo a c'roa minha Com estas, que escondidas, pudibundas, Como a pastora, em paz desabrochar?o, O ar, como a pastora, em roda encant?o.
Ja percebo o rugir das aveleiras; N?o vejo inda o cazal estancia d'Egle, Mas perto, oh perto vem: todo esse r?lo De espesso fumo que serp?a aos ares, He da interna fogueira que amanhece, Cuidadosa do almo?o, aos moradores.
Entremos no pomar. Ja Primavera Copiosa o bafejou, de agradecida ?s pomareiras m?os que lho aprest?r?o. Inda folhas n?o ha, mas tudo he flores! Vede como ante o sol trem?la e brilha O pecegueiro co'o vermelho ornato: Vede alem da pereira a branca v?ste, Da cerejeira, do abrunheiro a c?pa: Vede como uma vide em cada tronco Tenaz se enl?a em tortuoso abra?o; Ja seus pequenos pampanos rebent?o, Verdejantes fest?es ja v?o formando: Do cheiroso morango a planta humilde Aqui e ali no verde ch?o rasteja. Arvores, plantas d'Egle, a nomeada Em todo este arredor pelas delicias Dos ricos frutos seus, n?o se num?r?o, Nem sei louvor que lhes n?o ceda, e muito. O porque sej?o taes, fique em segredo Quando vo-lo eu disser. -- Aqui Vertumno Veio uma tarde do passado outono, Mudado em rouxinol, cantar nos ramos, D'onde, mais bella que a gentil Pomona, Egle andava colhendo a rica fruta. Julgou ver sua Deoza o terno amante, E t?o doce cantou por entre os frutos, T?o queixoso gemeo, gemeo t?o meigo Cercou-a tanto com chorosos pios, Tantas vezes pouzou na m?o de neve, Na tran?a negra, no virgineo seio, Que Egle o metteo no candido rega?o, O levou toda ufana ao lar paterno, E em pintada gaiola inda hoje o guarda, Que o Deos n?o quer fugir do cativeiro. Quando a sente acordar pela alta noite, Acalenta-a com languidos requebros: Ao romper da manh?, quando no bosque Ouve perto cantando as outras aves, Logo a acorda com vividos gorgeios: Mas quando a v? surgir, qual Venus da agua, Sem mais vestido que a esparsida coma ... Ahi he o pipillar, o esvoa?ar-se, O encrespar de plumage, o dar sem tino Contra os duros var?es co' o peito brando: Ahi o abrir do bico a pedir beijos, E o revelar calado o amor e o nume. Por isso he que ao pomar onde foi prezo Fadou, quanta vos prende, infinda gra?a.
Como he puro este ceo do campo d'Egle! Como he doce este Z?firo que folga Entre as arvores d'Egle! este he ditoso! Ei-la que s?e de seu campestre alvergue. Calados se podeis, entre estes verdes Porque vos n?o descubra, olhai-a um pouco. Quereis ver como a ponto lhe adivinho Os passos, e o que faz, e os pensamentos? Sim, Egle he sempre aquella, he sempre a mesma; Arvore sem enxerto he sua vida, D? sempre a flor igual, iguaes os frutos. Mas silencio, Vertumnos insoffridos, Ja vo-la pinto, e me direis se eu ?rro. Do bra?o nu e candido lhe pende De louro milho o pr?vido cestinho. Chama as pombas, l? v?o pouzar no alpendre; ? eira arroja os gr?os, l? s?o na eira, Arrulh?o, comem sofregas, refogem; Ahi vai novo punhado, ahi vem de novo. Uma d'ellas, mais alva do que o leite, Vai pouzar no cestinho ao lado d'Egle, E mansa come na formosa dextra; Furt?o c?res com o sol o collo, as azas. Egle lhe chama filha; affirmarieis Que o brutinho a entendeo, salta-lhe ao seio, Espaneja-se: agora lhe promette O pombo mais fiel para consorte, E um ninho todo f?fo, e muito afago Aos pequeninos seus; mas quer em paga Um beijo, e um beijo pede: a face inclina, O bico a vem libar; alonga os labios Unidos em bot?o, corre o biquinho, E ao centro do bot?o lhe leva o beijo.
Agora vem ao tanque, aos rubros peixes Trazer segundo almo?o: oh!--providencia N?o ha mais desvelada, ou mais formosa! Mal que o choveo nas aguas transparentes, Por entre os crebros circulos assoma De vivos olhos purpurina turba, Trag?o-no, e fogem requebrando as caudas: Ermo o lago outra vez ficou dormindo.
Que dizeis? volve a casa? em manh? d'estas Egle volve ao cazal! tornar? logo. Mas v?s n?o ficareis, que o n?o consinto; Hoje he s? Divindade a Primavera. Emquanto a hora da Festa inda vem longe, Irmos correndo ? s?lta, irmos folgando He o nosso dever, foi jura nossa.
?Mas que risadas d'esta parte s??o Entre os salgueiros, do regato ? borda? Rasgado o cinto, desgrenhada a tran?a, Uma Ninfa gentil ? quem sozinha, Se ouve rir no pac?fico arvoredo! La vai na v?a d'agua bracejando, E a soltar de affli??o piedosos gritos Um S?tiro infeliz! ja muito longe A corrente lhe leva o odre e a flauta. Agora ? fl?r das agoas apparece, Some-se agora no lodoso fundo. Em vez de o soccorrer, o apup?o rindo Da opposta varzea os rusticos pastores. --"Dize, bom guardador das vaccas nedeas "Que successo foi este?"--"Eu vo-lo conto. "A Ninfa hia correndo, antes voando, "Ao longo d'esta margem que verdeja, "Quando eu dei f?; suava-lhe no alcance "O mofino do S?tiro ... Hia no alcance "Da pobre Ninfa o S?tiro; umas silvas "A prend?r?o, travando-lhe do cinto. "Carpia-se a coitada entre alaridos, "Como passaro prezo; esta novilha "N?o muge com mais ancia em vendo os lobos. "Bate as palmas o fero, e mais ligeiro "Atropella a carreira, e vai clamando --"Venci-te--Avida m?o ja lhe lan?ava, "Sen?o quando "O p? caprino na orvalhada relva "Resvala: v?-lo vai de tombo em tombo "Medindo a ribanceira, e d? no rio! "Logo ao ca?r, fug?ra-lhe dos hombros "O odre do vinho, e a flauta d'entre os dedos. "Mal poude resfolgar--? flauta! ? odre!-- "Disse trez vezes, e esqueceo-lhe a Ninfa"-- --"Bem hajas, guardador das nedeas vaccas: "Mais feliz sejas tu com teus amores, "E menos apressada a que seguires."
Socios, que mais ha ahi? Que vos demora Em de redor de um choupo? Letras, versos Entalhados no tronco! uma grinalda A abra?a-lo, outras mil por toda a c?pa, Que parece um rosal! na terra mirtos! Lede-me esse letreiro: algum queixume De infeliz namorado. Oh! ceos, he crivel? LEI DE AMOR tem por titulo? se fosse Da propria m?o do Nume aqui gravada!
Oh Lei, porta de Elisio antes da morte! Sim, sim, de Amor tu es; v?s sois das Gra?as Coroas que a ufanaes, a encheis de aroma. Socios, ministros das Pi?rias Deozas, Erguei m?o n?o profana ?s flores sacras, Privilegio he do estro, ouzai colh?-las: Levar? cadaqual no peito a sua Bem sobre o cora??o, t?o perto d'elle Que ouvindo-o palpitar lhe falle amores.
Pois he lei quero amar: sim. Por?m onde Onde estar? da Primavera a Deoza? Por toda a parte os seus vestigios n?to, Mas n?o a posso achar. Ah! v?s que rides, A ins?lita paix?o julgaes chimera. Existe, existe a Virgem graciosa, Dos Ceos a Filha occulta anda na terra: N?o s?o sem divindade estes prodigios. Quem faz t?o branda murmurar a fonte? Quem abre a rosa na materna planta? Quem d? cheiro ? violeta, e c?r ao lirio, Ao ar fresco o regalo e verde aos campos? Quem poesia de amor ensina ?s aves? Quem ? que influe no cora??o dos homens Tanto amor, tanta paz, do?ura tanta? Existe, existe a Virgem graciosa, A minha doce Amante, a minha Amada, Dos Ceos a Filha occulta anda na terra. Sinaes de sua m?o, pizadas suas, Fragrancias que espirou, por toda a parte Me envolvem, me arrebat?o, me endoidecem; Mas busco-a e n?o se mostra; exclamo, he surda! O dia he fallador, he distra?do, Deidade virginal rec?a o dia, Casta, s? quer talvez ?s castas sombras Revelar seu misterio, abrir seu peito. Oh quem me dera que baixasse a noite! Da noite no pac?fico silencio C?a pelo ar vazio o som mais leve: Por isso a Filomela a quiz por sua, E o mocho lhe confia as longas queixas: Quem me ja d?ra que baixasse a noite! Irei clamar do cume dos outeiros "? Primavera, ? minha Primavera!" E depois que trez vezes repetirem, Ao longe os echos meu tristonho grito, Attento escutarei se me responde. Se nada ouvir, prostrando-me, e cobrindo De igneos beijos a terra Com maior devo??o, dobrada f?r?a, Clamarei "Primavera, ? Primavera!" E os campos todos correrei bradando. Na solitaria gruta alguma Ninfa Ha de acordar, e ? parte do oriente Lan?ar a vista, procurando a aurora: A aurora n?o vir?, e eu longo tempo Andarei pelas trevas suspirando. Se trez vezes o sol descer ?s ondas, Sem que possa encontrar a minha Amada, E sem que algum mortal d? novas d'ella, Apagarei no peito o incendio inutil, Pensando que era ingrata, ou que por sonhos Somente a v?ra em extases do estro.
Mas viver sem amar, sem ser amado? Vida entre gelos equivale ? morte, No pasto ao cora??o mantem-se a vida; Sois brandas affei??es, a essencia d'ella. Confessar-me da Lei que abrange a todos, O primeiro infr?tor? ? Chl?e, ? bella, Ser?s tu d'entre mil, o preferido Emprego aos versos meus e aos meus excessos. Ja tens da Primavera o genio, as gra?as, Sua fama ter?s, ter?s seus hinos. Quando com teu rebanho para o rio O bosque ao fim da tarde atravessares, De longe me ver?s na fl?rea margem Sobre um penedo a celebrar teu nome. Quando o quente redil ao gado abrires No frescor da manh?, dir-te-ha meu rosto Que entre as da tua porta arvores caras N?o fui amanhecer, mas toda a noite De amor andei cercando o teu descan?o, Sentindo-te o respiro, ou crendo ouvi-lo. Quando na s?sta, ? sombra da oliveira Tiveres descuidosa adormecido, Em sons de flauta escutar?s por sonhos O cantar novo que te mais recreie.
Mas vede como leve escapa o tempo! Ja alto e rijo o sol encurta as sombras. Largo se ha divagado! Hora purp?rea, A mais social, mais folgaz? das horas, Chamando est? por n?s co'a mesa agreste. Onde a iremos tomar? n'algum tugurio De solitaria Baucis? nem de feno Pobres t?tos consente o sacro Dia. Ali temos o outeiro alcatifado, Rico mont?? de flores! Que mui frescos Pela assomada os louros se entrela??o! Mas sobre tudo que aprazivel gruta! Por f?ra he de hera um tufo luzidio, Dentro um f?rro de musgo. Alvitre novo ? Socios escutai. Esta collina Desde hoje para n?s fique Parnaso. Eis a gruta de Cirrha, onde costuma Febo sonhar magn?ficas imagens! Esses louros s?o delle! Aquella fonte he fonte de Castalia! No remanso di?fano boiando Niveos gan?os as azas empavez?o; Fingi-lhes doce a voz, chamai-lhes cisnes: Lindas pastoras nossas Musas sej?o. Respiremos o estro! ? l? de Cirrha Vira??es, acudi-nos contra a calma: E v?s louros selvaticos, ? louros, Velai com vossa abobada frondente Os vates e o banquete, o rir e os versos. A primeira saude a Bacho e Ceres, A Palles e Pomona, ora presentes Do banquete ? rural simplicidade. Para dias iguaes, plantar-lhes voto C? bem no viso do sagrado outeiro, Densa cabana de perpetua folha: Para aqui, de canceiras feriados, Viremos amiude abrir os peitos Ao bachico folguedo, a Amor e aos cantos, Co'a alegria assombrar, e co'a amizade Do loureiral as Dr?ades vizinhas.
Elmiro, ? tu que, tanto como od?o, Od?as as sonoras bagatelas, E ris, como eu, dos estrondosos nadas; Nunca te afastes da flor?da r?ta, Por onde a Natureza o Genio chama. Da madrugada nos mimosos sonhos, Costumas ver de murtas coroada, A amavel Sombra do risonho G?ssner. Oh! quando aos campos teus um dia voltes, ? sombra do teu cedro ser? doce Ouvir-te prantear perdida amante! Entre as folhas cheirosas susurrando, Qual favonio indeciso, os Manes d'ella, Mansa tristeza ao cora??o te enviem. Emquanto no escarceo da gr?o Cidade Eu misero, eu saudoso andar lutando, La no fertil torr?o ver?s contente Por ceos de teu jardim nascer a aurora: Regar?s pela fresca as flores tuas Junto da terna M?i, que este s? g?sto Na morte conservou do esposo amado; Triste e formosa qual viuva r?la. Outras vezes as pombas que sustentas, Terno ir?s vizitar co'as Irm?s bellas, Qual entre as Gra?as passe?ra Adonis Nos arvoredos da ociosa Chipre. Elmiro, ?e alguma vez tambem meus versos Ser?o do teu retiro um passatempo? Quando eu tos enviar, v?s reunidos Junto do fogo nos ser?es do inverno, Contentes os lereis; e tu, girando Co'a vaga idea nos passados tempos, Dir?s a suspirar "He meu amigo".
FIM DO CANTO PRIMEIRO.
O DIA DA PRIMAVERA.
Sim, vamos -- Vedes v?s o pequenino Que la vem amontado em verde cana? Qu?o guapo agita as redeas c?r de rosa, E a?outa co'a varinha a brava fera! Ouvis-lhe a doce voz que por mim chama? --"Salve, menino! e adeos, que hoje n?o posso. "Outro dia virei, toda uma tarde, "Trabalhar nas flautinhas, que arremedem "Cantar de rouxinol soprando-as n'agua. "Amanh? me procura aqui no outeiro, "Ver?s, ver?s que historias te n?o conto."--
Partio: como galopa afervorado! Ja vai conta-lo ? m?i. Este menino He da aldea a doudice, e os meus amores. He dote de seus annos a innocencia, Como do bot?ozinho he dote a gra?a: Mas aqui ha melhor, he bot?ozinho Ja fragrante, he virtude antes do sizo. N'aquella s?sta do abafado agosto, Quando fostes nadar, eu passeava Sozinho a espairecer pela frescura; Eis para mim correndo este menino, Vergonhoso me diz:--"Queres atar-me "Este cordel nas pontas do meu arco, "Bem seguro, bem forte, que n?o quebre?"-- --"Sim, amavel menino "Sim quero atar-to bem seguro e forte"-- E emquanto lho fazia, assim lhe disse: --"Vais ca?ar borboletas? ou mordeo-te "Alguma abelha, e queres castiga-la?"-- --"N?o, n?o: vou dar em minha m?i um tiro"-- --"Um tiro em tua m?i!"--"Sim n'outro dia "Deo-me tanto nas m?os, que me ficar?o "A doer, t?o vermelhas como as rosas"-- --"E porque assim te deo, que te ficassem "As m?ozinhas vermelhas como as rosas?"-- --"Eu tinha um melro novo: "Era meu, apanhou-o a minha rede. "Sempre estava a cantar; era t?o lindo! "E quando assobiava? os outros melros "Punh?o-se la do bosque a responder-lhe, "Queria tanto ? nossa Mirtilinha! ": e ella tratava-o, "Quando eu hia ? seara ?s cegarregas. "No outro dia esqueceo nos a gaiola "Ao sol toda a manh?: quando fui v?-lo, "N?o se podia ter, abria o bico "E n?o tomava nada. Um pequenito "Me disse que era calma: agarro n'elle, "Vou-me ao tanque, e mergulho-o cinco vezes. "Ficou muito pe?r: punha-o direito, "E elle sempre a ca?r, fechava os olhos, "E estremecia todo. Aquietou-se: "Cuidei eu que dormia e disse, Dorme, "Veio um velho, abanou-o, e disse, He morto. "Fui com elle na m?o chorando, e em gritos, ta, "Procurar minha m?i. Ficou pasmada "Quando o vio, e eu lhe disse--Ahi est?, n?o can- "Nem ja faz festa ? nossa Mirtilinha-- "Poz-se a ralhar por isto, e castigou me"-- "Cruel menino , "Cruel menino, e em tua m?i pretendes "Ir com setas vingar-te?"--"Oh! n?o , "N?o lhe hei de fazer mal. Se tu soubesses "O que uma seta faz!..."--"N?o te percebo, "E pois que faz? explica-te, saibamos"-- --"Na cabana de Silvio "Ha um c?po de p?o todo pintado, "Que elle ja prometteo que me daria "Se eu lhe levasse a fita, com que ?s vezes "A minha irm? Glicera ata os cabellos. "Por f?ra do tal c?po est? com um arco, "Para atirar a uma pastora linda, "Um menino como eu, com os olhos negros "Voltados para mim, e sempre a rir-se. "Anda nuzinho ao frio, e tem nos hombros "Azas, que lhe n?o ganha a borboleta. "Silvio disse-me o nome que lhe dav?o, "Porem ... ja me esqueceo: tambem me disse "Que elle costuma ? gente descuidada "Atirar muita vez d'aquellas setas. "Eu cuidava que as setas matari?o, "Tinh?o-mo dito um dia os ca?adores, "Mas Silvio me jurou que n?o matav?o, "E contou-mo sem rir; Silvio n?o mente. "Aquellas setas vem, entr?o no peito "Sem ferida nem sangue, e at? sem dores. "Se obrig?o a chorar e a ficar triste, "Como ?s vezes succede ao meu bom Silvio, "Em toda esta tristeza ha tanto g?sto, "Que he mais doce gemer, que estar alegre. "Eu d'isto nada entendo, porem Silvio "Me disse que algum tempo o entenderia. "Lembra-me agora! o tal menino d'azas , "Chama-se Amor, e he como tu formoso."-- --"E seus tiros n?o fazem que fiquemos "T?o amigos de alguem, como o cordeiro "Que anda a brincar com seu irm?o no prado?"-- --"Sim he verdade"--"Ent?o venha o meu arco, "Ja tenho em casa muitas setas prontas, "Vou ferir minha m?i."--"Louco! o teu arco "Como o d'elle n?o he : "Lan?a-te ao collo seu, perd?o lhe pede, "Beija-a, conta-lhe tudo, e eu te prometto "Por cada beijo teu, mil beijos d'ella"-- N?o me ouvio mais, correo: e de caminho Colheo para offertar-lhe algumas flores.
Mas eis-no; ja no suspirado sitio! Essa a gruta: este o cedro annoso e immenso, Condigno pavilh?o do altar votivo. Inda as c'roas vos falt?o, ela ? Socios, Rompei demoras, ide ?s flores, ide, E volvei logo a dar princ?pio ? Festa.
S? fiquei: se eu podesse aqui no prado Por meus olhos tambem colher algumas! --"? pastorinha de formoso gado, "Se podes, nem te peza alguns momentos "Perder comigo, apanha-me violetas, "Ensinar-te-hei por pr?mio outros cantares. "Teu rafeiro no emtanto o gado vele." Partio, deixando ao lado meu, na relva O cordeiro que tinha em seu rega?o, T?o alvo, t?o pequeno como um lirio. Pobre innocente! nos meus dedos busca Da m?i, que ao longe bala, a doce t?ta! Se comer ja soubesse, eu lhe daria D'estas papoulas, d'esta fina grama.
Que silencio! mal ou?o uma fontinha; Serena vira??o de quando em quando; O crepitar miudo dos raminhos, Que a leve cabra arranca do espinheiro; A voz d'um lavrador aos bois tardios; E o can?ado gemer de um carro ao longe.
C? volve a minha Flora! estou c'roado: "Gra?as ? doce e rustica Belleza! Sempre emtorno de ti rebentem flores Que o teu rebanho cobi?oso pas?a; Nunca te falte pelo estio a sombra: E amor te volte em fruto as esperan?as, Se esperan?as de amor no peito nutres. V?s tu aquelle altar? foi obra nossa, Foi por n?s consagrado ? Primavera, E vamos festeja-la. Altar sem Nume Faz menos devo??o; se tu quizesses, Bem o podias ser. Anda, mimosa E amavel pastorinha; enflora ? pressa A tran?a, o collo, o seio, e no rega?o Lan?a flores quaesquer, qualquer verdura: Oh! da-me este prazer. Do cedro ao tronco Vai-te encostar do modo que te digo, Co'a m?o na face, e com o sorrir nos labios. Direi aos socios meus, quando voltarem: "Invoquei tanto e tanto os meus Amores e he t?o benigna, "T?o docil, t?o cortez a Primavera, "Que sa?o do seu bosque, e apraz-lhe ouvir-nos." Folgaremos de os ver ca?r no engano, Ajoelhar-se ? fingida Primavera, E mais de cora??o cantar-lhe os hinos. De que te ris, singela rapariga? Porque foges de mim? Se n?o consentes, Cedo iremos buscar-te nos teus montes, Chamar-te Deoza, em d?bro envergonhar-te."
Que he isto! ja volveis? mostrai-me as c'roas. Como escolheste bem, terno Josino, Meigo no cora??o, na voz mavioso! Goivos com mirtos para ti cazaste, Com o suave condiz a suavidade. Se nos campos do ceo, reino do Genio, Eu podesse colher miudos astros, Dos versos onde al?aste ao ceo meu nome C'roa de eth?rea luz seria pr?mio. Dou-te o que posso, gravarei teu nome Em bosque, onde Hamadr?ades o le?o: Decorar?? com o verso os teus louvores, E alguma em si dir?: "Quem me ora d?sse Em minhas solid?es este Josino, Por ver se he no cantar, qual dizem, meigo."
Vejamos meu Irm?o a tua escolha. Eis-te como eu cingido de violetas; Ah quanto s?o iguaes os gostos nossos! Abra?a-me cantor da natureza, Um a outro, um pelo outro aqui juremos Juntar sempre em busca-la a industria nossa. Abra?a-me outra vez: nossa amizade, Nossa terna amizade, e nosso estudo Aperte mais e mais do sangue os la?os. Se jamais fado atroz nos separasse ... Longe do pensamento esse impossivel! Duas vidas irm?s que medr?o juntas Tem uma s? raiz; d?o flor, d?o fruto Nas mesmas esta??es, e ?s horas mesmas. Quer ben??o mande o ceo, quer s?pro de ira, Um s? bem, um s? mal abrange as duas, Emquanto uma existir persiste a s?cia. Vai para o nosso altar, um s? momento Me prende, o meu lugar tu la conserva Entre ti e o das Musas ja mimoso Nosso irm?o, que no ber?o achou a flauta: Menino, a quem cingistes de alvas rosas, Como elle emblemas da innocencia breve.
Elmiro, o teu diadema he bello e simples; Mirto e teixo preg?es de amor e m?goa. N?o s?o menos de ver, nem menos proprias As vossas, bom Franzino, alegre Albano. Do amor perfeito as flores melindrosas Tecem, Franzino, a tua, e tem por joia Uma saudade a tremular na fronte. De teus suspiros o ditoso emprego Longe est?, bem o sei, mas n?o suspires: Tua amada fiel na ausencia chora, Sua imagina??o durante o dia Voa a buscar-te aos campos do Mondego; Dos campos do Mondego aos bra?os d'ella Sua imagina??o te leva em sonhos. Albano, a ti o amor foi mais prop?cio: V?s amiude os olhos que te inflamm?o E o sorrir facil que te muda em louco. N?o muito abertas, incendidas rosas Cercando as tuas fontes, me afigur?o A imagem ver de envergonhados beijos.
Vem meu Anfrizo: a tua d'entre todas He por certo a mais funebre grinalda; Um ramo de cipreste e alguns suspiros. Ah tua m?i t?o cedo abandonar-te! Orf?o triste, perdoa ao vate amigo, Que em chaga inda t?o fresca a m?o te ha p?sto. Se para ella ha balsamo no mundo, S? Amor sabe d'elle, e m?os de neve Tem para to applicar virtude innata. Sim, Dorinda gentil como que busca Esse ermo de tua alma encher de affetos, E no v?o do teu peito insinuar-se. Mas a saudade maternal he muito; Todo o mundo, a amizade, e at? Dorinda S? poder?? na angustia confortar-te. Teu mal sustido ch?ro eis recome?a! S? a dor te contenta, ? dor sirvamos: Narrar-te quero a historia do cipreste, Que dos ramos feraes partio comtigo.
Pr?zo das gra?as da opulenta Silvia Titiro guardador de pobre armento, Com seus ais estes montes abalava. A bella desdenhosa, muitas vezes Quando o sentia a modular ternura Ao som da flauta n'um sombrio valle, Torcia, por n?o ve-lo, o seu caminho. Ah se o visse, estendido entre o rebanho, O pranto a borbulhar nos fitos olhos, E ao som da flauta, em baixa voz unidos De quando em quando um ai, e o nome d'ella! Rigores virginaes, desdens de rica A amor, ? compaix?o talvez cedessem, E ficasse mais bella, a ser piedosa. Por s? consola??o de seus desgostos, Co'a p?ga que ja foi da ingrata Silvia Folgava repetir de Silvia o nome. Nunca a avezinha ao misero deixava, Que assim a havi?o pr?za os novos mimos. S? ?s vezes aos lares revoando Da formosa cruel, de la trazia Furtada alguma prenda ao pobre dono; Sem querer lhe ati?ava o fogo inutil. Era triste, mas doce, ouvir de noite Pelos bosques bradar "? Silvia, ? Silvia" O terno amante; e acompanha-lo a p?ga, Ja pouzada em seu hombro, ou ja gritando La de cima de um tronco "? Silvia, ? Silvia!" Longos tempos assim pelas florestas Vagar se ouvir?o solitarios ambos; T? que o loquaz brutinho de can?ado Veio um dia ca?r entre as m?os d'elle, Bateo as azas, terminou seus dias. ? fiel companheira ultimas honras Deo como poude Titiro: sagrou-lhe Um pequenino tumulo de barro, E um ciprestinho de anno, que por novo Inda estudava o geito de ser triste. Aos Numes implorou que o n?o crescessem: Mas pouco e pouco o tronco foi subindo, E com elle de Titiro a saudade. Bem p?de ser que o tumulo n?o visses, Que ervas espessas de redor o afog?o Ah desde que o pastor tambem jaz morto, Morto ?s m?os da saudade, e em terra alh?a!
Tempo he da Festa. ? Festa!--Ahi est?o as flautas Ja silvando rebate ?s alegrias! Travai dan?a, alta dan?a ruidosa, Quaes em seu monte os S?tiros a salt?o! Venh?o de apoz os hinos: logo Bacho Nos acuda co'as ta?as, menineiro No asp?to e no palrar, no resto annoso, De c?s a reluzir por entre as parras. Ser-lhe-ha boa salva o retinir dos c?pos E os das saudes misturados gritos. Do altar meu canto agora ascenda ao Nume!
Vem ? Dona das Gra?as e Flores, Volve ? terra teu mago calor; Aos que fogem de amor gera amores, Nos que a amores se d?o cria amor.
Tu ?s Venus, a Grecia delira Crendo-a Filha do t?rbido mar, Tu ?s Venus e Musa da lira, Cumpre ? lira teu Nume exaltar.
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