Read Ebook: O Guarany: romance brazileiro Vol. 2 (of 2) by Alencar Jos Martiniano De
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Ebook has 2083 lines and 52883 words, and 42 pages
Produced by: Laura Natal Rodrigues and Kristen Carmean
J. DE ALENCAR
GUARANY
ROMANCE BRAZILEIRO
QUINTA EDI??O
TOMO SEGUNDO
RIO DE JANEIRO
B.-L. GARNIER, LIVREIRO-EDITOR
PARIS.--E. MELLIER, 17, RUA S?GUIER.
Fic?o reservados os direitos de propriedade.
TERCEIRA PARTE
OS AYMOR?S
A PARTIDA
Na segunda-feira, er?o seis horas da manh?, quando D. Antonio de Mariz chamou seu filho.
O velho fidalgo velara uma boa parte da noite; ou escrevendo ou reflectindo sobre os perigos que amea?av?o sua familia.
Pery lhe havia contado todas as particularidades de seu encontro com os Aymor?s; e o cavalheiro, que conhecia a ferocidade e espirito vingativo dessa ra?a selvagem, esperava a cada momento ser atacado.
Por isso, de acordo com Alvaro, D. Diogo, com seu escudeiro Ayres Gomes, tinha tomado todas as medidas de precau??o que as circumstancias e sua longa experiencia lhe aconselhav?o.
Quando seu filho entrou, o velho fidalgo acabava de sellar duas cartas que escrev?ra na vespera.
--Meu filho, disse elle com uma ligeira emo??o, reflecti essa noite sobre o que nos pode acontecer, e assentei que deves partir hoje mesmo para S. Sebasti?o.
--N?o ? possivel, senhor!... Afastais-me de v?s justamente quando correis um perigo?
--Sim! ? justamente quando um grande perigo nos amea?a, que eu, chefe da casa, entendo ser do meu dever salvar o representante do meu nome e meu herdeiro legitimo, o protector de minha familia orph?.
--Confio em Deos, meu pai, que vossos receios ser?o infundados; mas se elle nos quizesse submetter a tal provan?a, o unico lugar que compete a vosso filho e herdeiro de vosso nome ? nesta casa amea?ada, ao vosso lado, para defender-vos e partilhar a vossa sorte, qualquer que ella seja.
D. Antonio apertou seu filho ao peito.
--Eu te reconhe?o; tu ?s meu filho; ? o meu sangue juvenil que gyra em tuas veias, e o meu cora??o de mo?o que falla pelos teus labios. Deixa por?m que os cincoenta annos de experiencia que desde ent?o pass?r?o sobre minha cabe?a encanecida te ensinem o que vai da mocidade ? velhice, o que vai do ardente cavalheiro ao pai de uma familia.
--Eu vos escuto, senhor; mas pelo amor que vos consagro poupai-me a d?r e a vergonha de deixar-vos no momento em que mais precisais de um servidor fiel e dedicado.
O fidalgo proseguio j? calmo:
--N?o ? uma espada, D. Diogo, que nos dar? a victoria, fosse ella valente e forte como a vossa: entre quarenta combatentes que v?o se medir talvez contra centenas e centenas de inimigos, um de mais ou de menos n?o importa ao resultado.
--Que assim seja, respondeu o cavalheiro com energia; reclamo o meu posto de honra, e a minha parte do perigo; n?o vos ajudarei a vencer, por?m morrerei junto dos meus.
--E ? por esse nobre mas esteril orgulho que quereis sacrificar o unico meio de salva??o que talvez nos reste, se, como temo, as minhas previs?es se realisarem?
--Que dizeis, senhor?
--Qualquer que seja a for?a e o numero de inimigos, conto que o valor portuguez e a posi??o desta casa me ajudar?o a resistir-lhes por algum tempo, por vinte dias, mesmo por um mez; mas por fim teremos de succumbir.
--Ent?o?... exclamou D. Diogo pallido.
--Ent?o, se meu filho D. Diogo, em vez de ficar nesta casa por uma obstina??o imprudente, tiver ido ao Rio de Janeiro, e pedido o auxilio que fidalgos portuguezes n?o lhe recusar?o de certo, poder? voar em socorro de seu pai, e chegar com tempo para defender sua familia. Ent?o ver? que esta gloria de ser o salvador de sua casa vale bem a honra de um perigo inutil.
D. Diogo deitou o joelho em terra, e beijou com ternura a m?o do fidalgo:
--Perd?o, meu pai, por n?o vos ter comprehendido. Eu devia adivinhar que D. Antonio de Mariz n?o pode querer para o filho sen?o o que ? digno do pai.
--Vamos, D. Diogo, n?o ha tempo a perder. Lembrai-vos que uma hora, um minuto de tardan?a talvez tenha de ser contado anciosamente por aquelles que v?o esperar-vos.
--Parto neste instante, disse o cavalheiro dirigindo-se ? porta.
--Tomai; esta carta ? para Martim de S?, governador desta capitania; esta outra ? para meu cunhado e vosso tio Crispim Tenreiro, valente fidalgo que vos poupar? o trabalho de procurardes defensores para vossa familia. Ide despedir-vos de vossa m?i e vossas irm?s: eu farei tudo preparar para a partida.
O fidalgo, reprimindo a sua emo??o, sahio do gabinete onde se passava esta scena, e foi ter com Alvaro que o procurava.
--Alvaro, escolhei quatro homens que acompanhem D. Diogo ao Rio de Janeiro.
--D. Diogo parte?... perguntou o mo?o admirado.
--Sim, depois vos direi as raz?es. Por agora dai-vos pressa em que tudo esteja prompto dentro de uma hora.
Alvaro dirigio-se immediatamente ao fundo da casa onde habitav?o os aventureiros.
Havia ahi grande agita??o: uns fallav?o em tom de queixa, outros murmurav?o apenas palavras entrecortadas; e alguns finalmente ri?o e motejav?o do descontentamento de seus companheiros.
Ayres Gomes com todo o seu arreganho militar passeava no meio do terreiro, a m?o no punho da espada, a cabe?a alta e o bigode retorcido. Quando o escudeiro passava, a voz dos aventureiros descia dous tons; mas ? medida que elle se afastava, cada um dava livre desabafo ao seu m?o humor.
Entre os mais inquietos et turbulentos distingui?o-se tres grupos presididos por personagens de nosso conhecimento: Loredano, Ruy Soeiro e Bento Sim?es.
A causa desse descontentamento quasi geral era a seguinte:
Por volta de seis horas da manh?, Ruy, em virtude do emprazamento da vespera, dirigio-se o primeiro ? escada para ganhar o matto.
Chegando ao fim da esplanada admirou-se de ver ahi Vasco Alphonso e Martim Vaz de vigia, o que era extraordinario; pois s? ? noite se usava de uma tal precau??o, e esta cessava apenas amanhecia.
Ainda mais admirado por?m ficou quando os dous aventureiros, cruzando as espadas, proferir?o quasi ao mesmo tempo estas palavras:
--N?o se passa.
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